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Um dano irreparável

Por Chico Viana (médico e vereador de São Luís)

Não tenho idéia ao certo quando tive consciência desta necessidade, mas com certeza é precoce e inerente a toda relação de troca entre pessoas.

Lembro-me que, criança, levado por minha mãe para consulta no antigo prédio do IAPC, em Teresina, não havia mais vagas para consultas a um determinado médico que me consultava rotineiramente, um profissional magro, alto, simpático e que, sobretudo conversava comigo.Já estava com a agenda cheia. Havia, entretanto vagas para consultas com outro, um baixinho com a cara de doutor Silvana, para quem ainda leu a revista Capitão Marvel, com a com o rosto sempre franzido, o ar de permanente enfado e, que perguntava tudo à minha mãe, não me deixando falar nada.

Sem a menor sem-cerimônia, puxei a saia de minha mão e proclamei:- Com esse não! E não fui, marcamos a consulta para o dia seguinte.

O fato me veio à mente quando, ouvindo a CBN, um cliente reclamava dos planos de saúde , e sua ênfase não era pelos preços abusivo das mensalidades que continuam aumentando mesmo depois de 60 anos de idade, quando a lei não permite. Também não se referia aos R$ 15 bilhões de lucro, de um faturamento de R$ 73 bilhões e despesas de R$ 58 bilhões em 2010, das 15 maiores operadoras, segundo dados da FENASAÚDE, nessa sua onzena que extorque o usuário com cifras impagáveis e remunera profissionais com honorários miseráveis. Não.

O cidadão lamentava não poder mais se consultar com médicos com os quais se tratava há anos e que, aos poucos, foram se desligando dos planos. O cidadão estava desamparado. Aquele profissional que durante anos adquirira sua absoluta confiança , pela convivência, dedicação ,consideração, interesse e respeito mútuo , e com o qual consolidara um forte elo na relação médico paciente, simplesmente deixou de existir, e ele, um idoso, não tinha outra opção, senão começar construir outra estrutura de confiabilidade , que dificilmente seria estabelecida.

“Quando em algum lugar, em alguma época, duas pessoas se dispuseram a fazer algo em comum, buscando o benefício de uma como conseqüência da aplicação do saber da outra, estava pela primeira vez consolidada a relação de confiança”.

É esta disposição que o paciente descobre no profissional, que gera confiança. A certeza de que alguém esteja realmente empenhado em buscar, em comunhão comigo, e com o seu conhecimento, o meu benefício, é o início de tudo..

Outro dia, li um aviso de um Plano de Saúde que, em virtude da recusa dos médicos em atenderem a aquela Operadora, leia-se, deixaram se explorar por ela, estava indicando dois urologistas, os únicos, para atendimento no caso de necessidade..

Ora meus leitores, isto é um dano é moral e físico de graves conseqüências..

Quem sabe de meu histórico médico, que elaborou me prontuário registrando todas as consultas, tratamentos, exames, medicamentos prescritos, e principalmente, quem vai me examinar em procedimentos que ainda é constrangedor para a maioria dos homens?

É só um exemplo, poderia ser qualquer outra especialidade: a questão é de confiança, do elo que se quebra e que não se conserta, tenta-se substituí-lo às duras penas, quase sempre sem sucesso.

Na medicina privada, sem intermediação, quando o paciente tem meios de arcar com o preço do tratamento, a distorção quase não ocorre, a liberdade de escolha é maior quando a confiança se esvai.

Li uma entrevista do Chico Anísio, que teve complicações na colocação de um “stent” , em decorrência ficou em coma mais de mês, respirando com ajuda de aparelhos, agradecendo a mulher por haver “trocado de médico”quando achou necessário. Creditou a esse a sua recuperação.

O mais lamentável mesmo, é no atendimento do SUS.

Primeiro atende um médico que pede os exames; no retorno já é outro, e no acompanhamento a cada consulta, um médico diferente. Aí, o paciente não tem escolha, a confiança não vale nada, tudo se concentra nos exames e no medicamento. O paciente deixa de ser gente, para ser um objeto de uma ação, sem nenhum envolvimento pessoal.

Michel Balint, psicanalista Húngaro, em seu Livro “O Médico, Seu Paciente e a Doença, logo no início de seu livro afirma: “…que a droga mais freqüentemente utilizada na clínica geral é o próprio médico e que mais importante que o frasco de remédio era o modo como o médico o oferecia ao paciente, ou seja, a atmosfera na qual a substancia era administrada.”

Eu mesmo tenho uma lamentável experiência.

Quando entrei na sala de cirurgia para, numa cirurgia cardíaca, implantar minhas mamárias, estava arrasado moralmente, e com medo. Os instrumentos cirúrgicos expostos eram estarrecedores . O médico que iria me operar, só havia visto em Congresso, mas nunca se me apresentou durante no curso do tratamento, antes, ou depois.

De repente, um senhor idoso, pega em minha mão fria e trêmula e me segredou: Eu sou o doutor Caputo, seu anestesista. Fique tranqüilo que vou fazer o possível para que você sofra menos. Quando à cirurgia, não se preocupe, nunca tivemos nenhuma complicação, confie.

Confiei tuo correu bem. Visitou-me algumas vezes depois da cirurgia e a ele fiquei devendo esta imensa força que me deu.

N.A : Espero que nos litígios entre usuários e Planos de Saúde, os magistrados acrescente este ônus ao dano irreparável,às vezes, mais grave do que o ato médico que a operadora não autorizou.

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