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É só fumaça

Por: Chico Viana (médico e vereador de São Luís)

Que o fumo é um ato de consequências mortais, quando não de dolorosa morbidez, isso todo mundo já está careca de saber; afinal, não é à toa que, se de uma ponta tem algum suicida com cigarro no lábio, na outra existem 4730 substâncias partículas de fumaça tóxicas que, até hoje, nenhuma engenharia de ventilação foi capaz de eliminar. Os números falam por si: cem milhões de mortes foram causadas pelo tabaco no século XX.

Só para comparar somos hoje sete bilhões de habitantes no planeta. No Brasil, estatísticas subestimadas do Instituto Nacional do Câncer mostram que morrem 200 mil pessoas por ano de enfermidades provocadas pelo tabagismo: as mais fatais são os cânceres de pulmão, laringe, esôfago, estômago, pâncreas, bexiga e colo de útero. Há de se considerar a expressiva mortalidade pelo acidente vascular cerebral e o infarto do miocárdio. Enquanto o óbito não vem, muitos padecem de enfisema pulmonar, impotência, menopausa precoce, rugas, aborto espontâneo, prematuridade, e morte perinatal, osteoporose, e por aí vai. Quem é viciado, sabe dos riscos e fuma, fuma para si, e para quem não fuma, e muitas vezes o não fumante termina por fumar mais que o fumante inveterado. A fumaça lateral do cigarro, assimilada pelo fumante passivo, tem três vezes mais nicotina e cinqüenta vezes mais substâncias cancerígenas do que a inspirada pelos tabagistas. Dá para acreditar? Pois acredite; são dados do INC.

Com todos estes dados nas mãos, as autoridades meteram o pé no freio com a primeira lei federal, n° l 9.294/1996, que prevê uma área destinada, em bares restaurantes, etc… Para fazer justiça, esta lei foi pioneira no mundo, mas incompleta, já que a Convenção Para Controle do Tabaco (OMS), ratificada pelo País em 2006, cobrava medidas para tornar os ambientes coletivos 100% livre de fumo. Pois bem, agora a deficiência foi sanada. Foi aprovada em caráter terminativo, e vai à sanção presidencial um decreto que proíbe os fumódromos. É, realmente, uma nação preocupada com a saúde de seus cidadãos, pelo menos daqueles que insistem em morrer, pelo fumo. Já os que não fumam, e que recorrem aos serviços de saúde pública para que se lhes salvem a vida, estes, estranhamente, não são objetos de preocupação do poder constituído, ou os que sucumbem vítimas de acidentes nas péssimas estradas do país, também não. As vítimas da falta de segurança, idem. Parece que para os que não querem morrer o governo dá uma força; enfim, invertem-se os incentivos. Só como exemplo, entre o diagnóstico, e o início do tratamento do câncer de laringe do presidente, como de resto de todos que podem pagar, ou têm um bom plano de saúde, foi 48 horas. Pelo SUS, a média nacional é 60 dias, isso se for quimioterapia. Para radioterapia, se morar no Amapá (lembram de quem?), ou em Roraima, não vai ser atendido nunca. São estados onde este tipo de tratamento não existe. E aí começam as contradições, e a força do lobby.

Se o fumo mata, e mata muito mais que maconha, por que não considerá-lo como uma droga ilegal e proibir definitivamente seu cultivo? O Governo, se de um lado demonstra preocupação com os fumantes, de outro nada faz para conter essa indústria; pelo contrário, incentiva.

A indústria de fumo no Brasil é a 2ª do mundo; só perde para a China. Mesmo assim, a produção do Brasil cresce mais: subiu de 445 mil toneladas, em 1990, para 781 mil toneladas, em 2010, cresceu 75%. A China vem decrescendo, caiu de 3 milhões, 613 toneladas em 1998 , para 2 milhões, 935 toneladas em 2009 (-19%). Ainda no Brasil, a área plantada foi de 275 mil hectares, em 1990, para 447 mil em 2010, mais 62 % (IBGE-Levantamento Sistemático Produção Agrícola-2011).

Na safra de 2007/2008, o Brasil cortou 360 milhões de árvores para a produção de cigarro, um total de 240 mil hectares de floresta. Foram usadas 121.500 toneladas de papel para embalar 4.860.072.153 caixas de cigarro com vinte unidades. Só no Rio Grande do Sul, o Estado mais produtor, tivemos 71.580 produtores integrados na safra de 2002, segundo dados da Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil) que não esconde: ‘a atividade assume a dimensão de pujante agronegócio, fomentado pela integração de grandes firmas, como a Souza Cruz’. É o Estado brasileiro que dá mais incentivos à indústria do cigarro. Entre 1997 e 2008, o Estado permitiu que a Souza Cruz usufruísse incentivos de R$ 1,4 bilhão – uma média anual de R$ 116,7 milhões.

Numa pesquisa feita com uma amostragem dos 650 mil agricultores na produção primária do fumo, dois motivos foram ressaltados: primeiro, a facilidade de obtenção de crédito; e segundo, mesmo com 70% dos ouvidos já terem pensado em deixar a atividade não o fazem por ‘não existir uma alternativa que ofereça o mesmo rendimento proporcionado pelo fumo’. Claro, para o Programa de Diversificação em Áreas Cultivadas com Fumo, do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), o governo só destinou R$ 10 milhões, o que não incentiva diversificar nada. O argumento de que a carga tributária (81%) sobre um faturamento da indústria que cresceu em 2010 frente a 2009: R$ 16,992 bilhões ante R$ 16,944 bilhões compensa, é uma balela, se levarmos em consideração as conseqüências do fumo, e a expectativa de que aumentando o preço do cigarro diminui-se a quantidade de fumantes.

Está provado que a coerção pouco resolve quando se trata de vícios. A educação, o conhecimento, a atitude da família e da sociedade para com o fumante pesam mais, e conseguiu-se baixar de 35% do número de fumantes em 1990, para 15,4% em 2007. O aumento do imposto no Brasil gerou foi o aumento do contrabando. Comparando o cigarro popular de R$ 2,40, vindo do Paraguai, chega ao Brasil por R$0,40, um sexto do preço. A previsão da OMS, de que cada aumento de 10% da carga tributária geraria 8% de não fumantes, furou.

O cigarro provoca um prejuízo anual para o sistema público de saúde de, pelo menos, R$ 338 milhões, o equivalente a 7,7% do custo de todas as internações e quimioterapias no país. A terapia de um paciente com câncer custa, em média, R$ 29, mil. O tratamento de câncer do esôfago, R$ 33,2 mil, e o de laringe, R$ 37,5 mil. Se todos os casos novos desses três tipos de câncer causados pelo cigarro procurarem o sistema público, o gasto calculado é de R$ 1,12 bilhão. Em dados concretos, o governo do Distrito Federal gasta R$ 12 milhões por mês com tratamento médico-hospitalar de fumantes. Os cigarros vendidos no DF geram R$ 3 milhões em impostos. É o País patrocinando o flagelo. Pesa mais a força do ‘lobby’.

Está na Folha de 13/11/2004 que a Souza Cruz doou R$ 1,5 milhão para a informatização da Justiça brasileira, iniciativa do governo através do Ministério da Justiça. Clara, e acintosamente. Ou são todos ignorantes ou toda esta preocupação com o fumante é uma farsa.

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