Fechar
Buscar no Site

Sarney ainda chateado com Dilma, segundo Época

José Sarney (Foto: Anderson Schneider/Editora Globo)

José Sarney – seu livro será lançado no dia 10 de dezembro, com uma cerimônia na Biblioteca do Senado (Foto: Anderson Schneider/Editora Globo)

Época

Em fevereiro, com o fim de seu mandato no Senado, o ex-presidente José Sarney, do PMDB do Amapá e do Maranhão, encerrará uma das mais longevas carreiras políticas da história brasileira. Em 60 anos, Sarney foi deputado federal, governador e senador, além de presidente da República, de 1985 a 1990. Só no Senado, Sarney passou mais de 30 anos. Foi presidente da casa quatro vezes, um recorde. Este ano, Sarney, aos 84 anos, desistiu de candidatar-se a um novo mandato para, oficialmente, cuidar da mulher, Marly, que está doente. Diante de um momento tão cheio de simbolismo e sentimento, Sarney tem aproveitado suas últimas semanas como político profissional para se despedir de alguns mimos proporcionados pelo Senado.

Um deles é o uso da Gráfica do Senado, um departamento destinado a imprimir materiais de interesse dos senadores. Para um escritor renomado, autor de nove livros de ficcção, membro da Academia Brasileira de Letras, ter uma Gráfica à disposição é um privilégio. Ainda que não possa imprimir sua ficção, Sarney pode solicitar obras relacionados à sua atividade parlamentar. No início do mês, ele encomendou a impressão do que virá a ser sua obra mais extensa: um compêndio de aproximadamente 3.000 páginas, divididas em oito volumes, com seus principais discursos proferidos desde 1952, quando ainda era estudante de Direito, até este ano.

Política, Governo e Povo - livro de José Sarney (Foto: Divulgação)

Política, Governo e Povo – o novo livro de José Sarney (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)

ÉPOCA teve acesso com exclusividade a um dos 100 exemplares da obra, cujo título é Política, Governo e Povo. Na coletânea há pronunciamentos nobres, como um sobre a Conferência de Estocolmo em 1972, convocada pela ONU para debater soluções para o meio ambiente. Da tribuna do Senado, em junho de 1972, Sarney afirmou que a conquista espacial mostrou que “a Terra nada mais é do que um navio espacial com recursos limitados, sujeitos às restrições do seu uso”. Em outro pronunciamento, um dia antes da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em fevereiro de 1987, Sarney alertou para a responsabilidade que deputados e senadores teriam. “A história do Brasil, a difícil história do Brasil, está cheia de frustrações institucionais. Daí as responsabilidades dos constituintes de hoje, os constituintes de 1987. Eles estão realizando uma obra para o futuro, para durar, com a missão mais alta de elaborar um documento sagrado, como foi a Carta do Rei João, para a Inglaterra, ou a Constituição americana, que já atravessa dois séculos”, disse. Dois anos após o fim da ditadura militar, Sarney afirmava: “A democracia está aí no Brasil inteiro, vigorosa, participativa. Respira-se liberdade em todos os cantos do Brasil”.

O resultado final é uma coleção que superestima fatos particulares da vida de Sarney, como o título de “doutor honoris causa” que recebeu em 1986 da Universidade de Coimbra, em Portugal, (“Ninguém estranhará que se coloquem em um político a borla e o capelo da faculdade de direito”) ou em sua posse na Academia Brasileira de Letras, em 1980 (“A força poderosa da tradição cultural da minha terra obrigou-me a este gesto de audácia”). Sarney não deixou de fora discursos que poderiam ter sido esquecidos. Selecionou um discurso proferido no Senado, em março de 2006, para celebrar os 20 anos do Plano Cruzado, um projeto econômico pífio, que lhe conferiu altíssima popularidade e rendeu notáveis ganhos eleitorais ao seu PMDB, mas cuja derrocada custou parte de seu prestígio.“1986 foi o ano mais feliz que o brasileiro já teve”, disse Sarney. Sustentou a afirmação ao dizer que o desemprego chegou a apenas 2,16%. Fez pouco caso da inflação, de 65% naquele ano. “Destaco que tive a coragem de adotar um plano daquela natureza. Na última reunião que tivemos, quando todos nós avaliamos os perigos do plano, o que poderia ocorrer, lembro-me de que tive a oportunidade de dizer: ‘Pois bem, creio que não vou para a recessão. Sei que estou colocando a cabeça na guilhotina, mas vou arriscar, porque o povo brasileiro merece que se faça isso’. Foi um plano que se destinava justamente a atender aos mais pobres. Assim, externei minha preocupação no slogan: ‘Tudo pelo social’”. Na realidade, o Plano Cruzado ficou para a história como uma tentativa frustrada de segurar a inflação pelo congelamento de preços, sem que o governo tivesse feito a parte mais difícil do desafio. Terminou melancolicamente. O governo tentava apreender bois nos pastos, para abastecer mercados com carne. Na tribuna, o Cruzado era festejado por elogios de aliados. No livro, estão registrados os apartes carinhosos dos senadores Édison Lobão (PMDB-MA) e Romero Jucá (PMDB-RR).

Sarney anda chateado com o governo Dilma. Atribui à falta de empenho do governo o fato de não ter conseguido angariar apoio suficiente a sua candidatura ao Senado pelo Amapá. Seu livro será lançado no dia 10 de dezembro, com uma cerimônia na Biblioteca do Senado. Procurado por ÉPOCA, Sarney preferiu não dar entrevista sobre o assunto. Por meio de sua assessoria, disse apenas que a confecção da obra está “rigorosamente dentro da cota a que tem direito”. Cada senador tem direito a uma cota mensal de R$ 8.500. Só em gastos com papel, o livro custou R$ 8.000, pagos com os impostos de brasileiras e brasileiros.

O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.

mais / Postagens