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Roseana fora do poder: saída à francesa

Por Nonato Reis (jornalista)

Aparentemente, ficou mal explicado o afastamento de Roseana Sarney do cargo de governadora, a pouco mais de duas semanas de encerrar o seu mandato. Ela própria, na carta-renúncia, se encarregou de manter uma névoa de mistério sobre o assunto, ao dizer que o fazia por razões “estritamente pessoais”. Mas o que, de tão pessoal assim, poderia impedi-la de prosseguir no palácio até o final de dezembro?

À falta de um esclarecimento oficial, choveram especulações, algumas delirantes até. Chegaram a dizer que Roseana, temendo ver o seu nome envolvido na Operação Lava a Jato que investiga desvio de recursos na Petrobras, pretendia sair do País. Para tanto pegaria um voo no aeroporto Cunha Machado para um destino desconhecido. Bobagem.

Outra explicação é que ela precisa se submeter a tratamento de saúde nos Estados Unidos, mas esta também é uma tese inverossímil, se analisarmos os últimos passos da governadora. Em um vídeo gravado na festa entre amigos que marcou a sua despedida do palácio, Roseana aparece esbanjando vitalidade, dançado e cantando ao lado de Inácio Pinheiro. Mesmo admitindo que tenha problema de saúde é pouco provável que seja algo tão grave que não pudesse esperar a passagem do ano.

Também comentou-se que Roseana, com a renúncia, quis fazer um afago a Arnaldo Melo, já que ele alimentava o sonho de ocupar a cadeira de governador, mesmo que interino, porém por um período de tempo um pouco maior do que a experiência vivida em 2011. Seria “fechar com chave de ouro” uma carreira política vitoriosa, que inclui seis mandados consecutivos de deputado estadual.

Quem conhece Roseana, porém, sabe que ela não é de fazer mesuras, especialmente a aliados com histórico de deserção ou rebeldia. Na verdade, nada há de estranho ou sombrio no afastamento antecipado da governadora, senão uma condicionante de natureza política. Roseana preferiu deixar o poder antes que as luzes do palco se acendam para Flávio Dino. Não quis ser testemunha de um ato que simboliza a derrocada do seu grupo.

Embora represente um gesto de foro íntimo contra o qual nada há que se possa fazer, a renúncia de um mandado outorgado pelo povo é um expediente malvisto. Passa a ideia de fragilidade, de insegurança, e até mesmo de quebra de confiança. Não deixa de representar um abalo no processo democrático, que se afirma pelo exercício pleno do cargo, mas nem por isso pode-se dizer que seja algo incomum. Em 1966, o então governador Newton Belo renunciou a três dias do fim do seu mandado, para não ter que passar a faixa a José Sarney. Coube ao vice Alfredo Duailibe cumprir o ritual.

O mesmo José Sarney, 20 anos depois, obrigaria o general João Figueiredo, que o via como traidor, a deixar o Palácio do Planalto pelo atalho da cozinha, para não ter o desprazer de cruzar com ele e muito menos passar-lhe a faixa presidencial. Ironicamente Sarney, considerado um presidente de pulso fraco, permitindo que Ulysses Guimarães mandasse e desmandasse no seu governo, aguentou firme e transmitiu, mesmo debaixo de vaias, a faixa ao seu sucessor, Collor de Mello. Cresceu aos olhos da opinião pública.

Ao deixar que o orgulho ferido se sobrepusesse ao imperativo de convivência democrática, Roseana perdeu a oportunidade de provar que concluíra o seu mandato de cabeça erguida, como ela própria fizera questão de alardear a cada obra inaugurada no apagar das luzes da sua gestão. Preferiu “selar o cavalo” e o entregá-lo a Arnaldo Melo que, “de carona no alazão”, entrará para a história, ao transmitir o símbolo do poder ao sucessor.

Roseana, que em 2009 foi reconduzida ao cargo de governadora por força de uma decisão judicial, me faz lembrar um episódio envolvendo Paulo Maluf em 1984, em viagem ao Maranhão como candidato a presidente da República. Após rápida visita ao governador da época, Luiz Rocha, aliado de Tancredo Neves, Maluf foi embora e nem se deu ao trabalho de acenar para a imprensa que o aguardava para uma coletiva. Questionado sobre o paradeiro do candidato, Rocha respondeu com humor cáustico: “O Dr. Paulo Maluf já foi embora. Saiu pela mesma porta que entrou: a dos fundos do Palácio”. Não que a biografia dela tenha sido construída de forma ilegítima. Mas é certo que perdeu brilho.

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