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Resistência importante e necessária

Emilio Azevedo* e Inaldo Serejo**

O ano de 2011 tem sido marcado pela ação política de quilombolas, ribeirinhos, assentados, acampados e indígenas em São Luís do Maranhão. Estes camponeses vêm dos mais diferentes pontos do Estado até a capital denunciar o histórico descaso do governo federal com a titulação dos territórios tradicionais, reforma agrária e a profunda aliança entre o grupo Sarney e o latifúndio assassino.

Nestas mobilizações, do campo para a cidade, foram feitas greves de fome, panfletos/denúncias, manifestações em frente ao Palácio dos Leões e do Tribunal de Justiça, além de ocupações e fechamento de prédios públicos. No mês passado, em agosto, num só dia (30/08), índios, quilombolas e sem terra, fecharam as sedes regionais do INCRA, Embrapa, FUNAI e Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Todas estas manifestações têm ocorrido, principalmente, porque no Maranhão houve um crescimento evidente da violência no campo. Isto é publico e notório. Cresceu o número de assassinatos, espancamentos, atentados contra organizações sociais, ameaças, tiros, sangue… O latifúndio avança criando esta situação extrema e os povos da terra resistem.

Ao final do acampamento quilombola no mês de junho o escritório da CPT-MA foi arrombado e documentos foram revirados. No mês de julho, depois de um importante encontro do Movimento Quilombola da Baixada (MOQUIBOM) o escritório da CPT de Pinheiro também sofreu um arrombamento e apenas um computador foi levado. Durante o último acampamento na sede do INCRA-MA foi disparado uma série de tiros contra a casa do quilombola Zé da Cruz (Pirapemas), índios Awá Guajá, na região de Bom Jardim, sofreram ameaças de morte por parte de madeireiros e, na região Tocantina, houve uma ameaça de despejo no acampamento Salete Moreno, no município de Ribamar Fiquene, local onde, constantemente, pistoleiros cercam a comunidade e disparam tiros para intimidar os sem terra. No mesmo período uma indígena kanela foi morta, depois de estuprada com requintes de brutalidades, no município de Barra do Corda.

No começo deste mês de setembro, depois de todas as inúmeras denúncias feitas invadiram e tocaram fogo em um dos escritórios do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). E, no município de Estreito, a Polícia Militar do Estado espancou e prendeu quatro assentados do MST.

Está muito claro, portanto, que estas mobilizações que tem a chegado a São Luis em forma de acampamento, nada mais são que um reflexo, uma consequência do clima tenso, e até mesmo trágico, que é vivido hoje em diferentes pontos do Maranhão. E, ao chegar à capital, eles tem colocado o dedo exatamente em cima da ferida, falando dos motivos que leva ao aumento dos conflitos em nosso estado.

Estes motivos devem ser sempre repetidos e registrados:

1º razão dos conflitos – A opção do Estado brasileiro em favor do latifúndio. A decisão de entregar as terras ao agronegócio, que não respeita (e por isso mata) posseiros, índios, quilombolas e sem terra. A falta de investimento em agricultura familiar camponesa, provocando um drama ainda maior no Maranhão, estado com notória vocação rural e dominado por uma máfia. Hoje as terras do Maranhão estão sendo, cada vez mais, entregues às mineradoras, aos plantadores de soja, eucalipto, cana de açúcar etc. Sendo assim, este estado é o lugar do Brasil onde se tem a estrutura fundiária mais concentrada, por isso injusta e excludente.

2º razão dos conflitos – A presença do crime organizado em todas as esferas de poder no Maranhão. A máfia age nos quatro cantos do estado sob o comando e o apadrinhamento de José Sarney e do governo de Roseana. E toda essa degeneração atinge o sistema de segurança e da justiça, que age sob influência de prefeitos, deputados e outros agentes públicos. O latifúndio é base de apoio da máfia! Por isso, o Maranhão se torna uma terra sem lei. Não se trata apenas de um caso de polícia ou de justiça, mas, principalmente, de política, ou da degeneração total da política. É de interesse do poder local que o aparato de segurança trabalhe a serviço do latifúndio assassino. Uma prova do que estamos dizendo é que muitos casos de violência no Maranhão não se constituem em inquérito policial. Em algumas delegacias sequer as autoridades policias fazem o Boletim de Ocorrência das violências sofridas. A impunidade é premeditada. Em entrevista concedida ao jornal Vias de Fato, em dezembro de 2009, Manoel da Conceição disse que, no final da década de 1960, tentaram matá-lo e “Sarney esteve metido nisso”. Na época, Manoel escapou. Recentemente, Flaviano Pinto Neto e outros camponeses, não tiveram a mesma sorte.

Diante destes dois motivos citados, não é a toa que tanto no acampamento de agosto, quanto no de junho, os quilombolas, os índios e os sem terra começaram sua ação na Praça Pedro II – onde fica a sede do governo do Maranhão e do Tribunal de Justiça – indo depois para o INCRA, órgão que deveria fazer a reforma agrária e a titulação de território de comunidades tradicionais, mas que, no Maranhão, tem seu comando sempre atrelado à oligarquia local, atuando na prática como um braço do latifúndio.

Ao chegar a São Luís, estas mobilizações têm contado com o apoio muito importante de setores urbanos, ligados à universidade pública (estudantes e professores), ao movimento sindical, à luta por moradia, à defesa dos Direitos Humanos e à comunicação alternativa (incluindo sites, redes sociais, blogs etc.). A repercussão tem sido de tal ordem que até o nefasto Sistema Mirante é obrigado a registrar a mobilização.

Toda esta ação dos camponeses do Maranhão é um processo de resistência visível e crescente. E que se torna importante porque, além de discutir o específico (orçamento, crédito etc.) entra também nas questões de fundo, unindo numa mesma ação política, quilombolas, índios, sem terra e posseiros.

O que para alguns pode parecer radicalização ou loucura, na verdade é uma necessidade, uma questão de sobrevivência. Trata-se de uma situação que, certamente, interessa a diferentes organizações que atuam junto aos camponeses do Maranhão, caso da CPT, MST, CIMI, FETAEMA, FETRAF, Cáritas Brasileira, Moquibom, Fóruns e Redes de Cidadania, SMDDH, Justiça nos Trilhos, Fórum Carajás, ASP, CNBB, Irmãs de Notre Dame Namur, União por Moradia Popular, Comissão de Direitos Humanos da OAB, Centro de Defesa da Vida de Açailândia, entre outras.

Estamos falando de um problema que existe e tem que ser enfrentado. Os conflitos aumentaram! E nós não podemos deixar que eles – os que exploram e oprimem – banalizem a violência, os assassinatos e os atentados contra as diferentes organizações. A solução, por mais difícil que pareça, só poderá ser alcançada com a articulação entre os muitos que resistem, com mobilização, pressão da sociedade e a livre informação, tudo associado a um crescente trabalho de educação popular.

Encerramos lembrando que, no Pará, a recente condenação e prisão do fazendeiro que mandou matar a freira Doraty Stang – um homem ligado ao esquema de Jader Barbalho, do PMDB – demonstra, na prática, que pressão social surte efeito. Afinal, nesse tipo de conflito, como diz a sabedoria camponesa, “o risco que corre o pau, corre o machado”.

*Emilio Azevedo é jornalista e membro da coordenação do projeto Vias de Fato.

**Inaldo Serejo é padre e membro da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Maranhão

Artigo publicado na edição de setembro do jornal Vias de Fato

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