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O luto virou luta

Nossa História Flávio Dino, 43, e Deane Fonseca, 50

Desde a morte do filho, o presidente da Embratur, Flávio Dino, e a professora Deane Fonseca buscam respostas para o que aconteceu após o adolescente de 13 anos ser internado com uma crise de asma

ELIANE TRINDADE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

RESUMO

Na manhã de 13 de fevereiro, Marcelo foi levado pela mãe, Deane Fonseca, 50, para o hospital Santa Lúcia, em Brasília (DF). O adolescente de 13 anos, filho do ex-deputado Flávio Dino (PC do B-MA), atual presidente da Empresa Brasileira de Turismo teve uma crise de asma. Foi encaminhado à UTI para observação. Às 7h da manhã seguinte, foi declarado morto.

Leia a seguir os relatos intercalados de Deane Fonseca, 50, e Flávio Dino, 43.

Uma mãe na UTI.

Passei a noite numa cadeira ao lado do leito do Marcelo. Por volta das 6h, a auxiliar de enfermagem o acordou para ser medicado. Ele tomou um remédio injetável e outro de inalar. Como dormira bem, devia sair logo da UTI.

Após a medicação, ele se queixou de falta de ar. Pedi para chamar a médica de plantão. Nada. Após uns cinco minutos, reclamei. Tudo era feito com muita calma, como se não fosse emergência.

Quando a doutora Isaura veio, Marcelo já estava com os lábios roxos. A mangueira do oxigênio quebrou. A médica pediu um balão para oxigenação manual. O primeiro murchou. Pegaram outro.

Então eu disse:”Não está vendo que não está adiantando?” No meu desespero, comecei a instruir a médica. “Por favor, faça uma traqueostomia.” Tentaram me tirar de lá. Eu gritei: “De perto do meu filho ninguém me tira”.

Chamaram o anestesista para entubá-lo. Mais uns 10 minutos se passaram. Quando os outros médicos chegaram, algo me dizia que não tinha mais jeito. Nunca vou esquecer do meu filho com aqueles olhos sem expressão.

A CHEGADA DO PAI

Cheguei ao hospital por volta das 6h30. Tentavam reanimar o Marcelo. Após uns 15 minutos, estava claro que era irreversível. Assistimos nosso filho morrer em decorrência de uma crise de asma no maior hospital privado da capital do país por negligência, imperícia e imprudência.

Temos convicção de que algo muito errado aconteceu. Marcelo não tinha doença grave. Sua asma era moderada. Era uma criança normal.

PERGUNTAS MATERNAS

A médica simplesmente disse: “O Marcelo não resistiu”. Deixou a UTI sem explicar nada. O hospital nos deve várias respostas até hoje.

Por que não entubaram logo? Por que deram medicamentos que só poderiam ser dados após a entubação?

Apresentar o caso publicamente é um gesto de amor a ele, para que outros Marcelos não sejam vítimas.

CERTEZAS PATERNAS

A sucessão de erros não é acaso ou azar. É fruto de uma indústria da morte, onde seres humanos são tratados como coisa. É resultado da ganância. O hospital descumpriu uma série de normas.

A única plantonista da UTI pediátrica, depois de 23 horas de trabalho, pois vinha de 12 horas de plantão em outro hospital, foi fazer um parto. Ela justificou a demora por ter ido trocar de roupa.

REAÇÃO MATERNAL

Em meio à dor, ainda temos que reagir às mentiras. O hospital divulgou notas dizendo que Marcelo era portador de asma grave e que havia um outro médico na UTI.

A perversidade é tão grande que em momento nenhum procuraram a gente. Como pode uma criança de 13 anos morrer de asma numa UTI?

PAI VAI À LUTA

Hoje, tenho um mantra que que me tira da cama: transformar o luto em luta. O fato de ser político e de estar no governo não deve me impedir de atuar. Se uma pessoa como eu, que tem a possibilidade de ser ouvido, não fizer as denúncias, o que isso sinaliza para a sociedade?

Tomamos uma série de medidas relativas ao caso do Marcelo, ao hospital e ao sistema de saúde como um todo. Fizemos representações junto à Anvisa e ao CRM.

No Congresso, estamos discutindo mudanças na lei para dar mais direitos ao paciente. Líderes de todos os partidos foram ao enterro. Uma rede que pode servir para a melhora da saúde no país.

MÃE SEM FILHO

Foi muito duro o primeiro aniversário do meu filho, em 18 de março, sem ele. Depois, a Páscoa. O cordeiro imolado, infelizmente, foi o nosso filho. Virá o Dia das Mães.

Procuramos não nos fechar em nossa dor. Tem o Vinícius, nosso outro filho, de 17 anos. Tem os amigos do Marcelo, que lembram dele no Twitter.

PAI SEM FILHO

O último “tuite” do Marcelo foi “Não sei porque”, um dia antes de morrer. No domingo, fizemos um longo passeio de bicicleta por Brasília, somente eu e ele.

Ainda estamos lá, em 14 de fevereiro. É uma dor que não tem começo nem fim. É a presença permanente da ausência: o quarto vazio, a falta da voz, dos abraços…

Muita gente diz que ele está vivo na nossa lembrança. Mas a lembrança tem uma perversidade: é congelada. Os amigos do Marcelo vão crescer, entrar na universidade, casar. O nosso filho vai ser sempre criança. É a negação do futuro, da razão de existir.

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