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O estelionato da graduação

Por: Chico Viana (médico e vereador de São Luís)

Não é necessário ser jurista para ter bom senso, nem legislador para constatar o que o exame da Ordem dos Advogados do Brasil, como pré-requisito para o exercício da profissão de advogado, é ilegal e abusiva. Basta ter tino, e começar a pensar. Pense por exemplo num estudante que ingressa na Faculdade de Direito mediante vestibular em que são exigidos conhecimentos que o habilitem a postular um curso dentro da área de ciências humanas e sociais. Ele cumpre os cinco anos do curso, com mestres de um modo geral pós-graduados, advogados de reconhecido conhecimento, magistrados e ex-magistrados; enfim, pelo menos na Ufma é o creme da amostragem jurídica do Estado; faz um estágio de exercício profissional, termina um curso, recebe o diploma de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, e não tem profissão. É uma situação absurda que só com um corporativismo vesgo, ou interesses subalternos, não vê. Mas nós vemos, e nos perguntamos: se o graduado em direito não é mais estudante, estagiário, nem advogado, pela ótica da OAB ele não é nada. Então, conclui-se que as escolas formam profissionais do nada, e somente ela [ou seja, a OAB] forma advogados.

Todas as graduações habilitam para o exercício de uma profissão. A de medicina forma o médico que pode exercer a profissão já no dia seguinte à formatura se levar o diploma e se registrar no C.R.M: é médico. Por opção, pode se especializar em uma determinada área, fazer residência médica, cursos de pós-graduação etc, mas está garantido a seu exercício profissional, independente deles. Assim é o farmacêutico, o dentista, o assistente social, o engenheiro, o professor, o geógrafo, o arquiteto; enfim, todos eles. Eu escrevi TODOS. A exceção é Direito. Ah, mais o bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pode ser delegado de polícia, assessor jurídico, pode dar aulas, (mas não pode fazer concurso para professor de Direito); enfim, só não pode exercer o mister de sua graduação como profissional liberal, a exemplo de qualquer outra profissão. Ou faz concurso para exercer outros cargos, ou fica sem lenço, apenas com o documento pendurado no pescoço. Esta é a parte justa. A parte legal, de acesso a todos que se disponham e buscá-la em qualquer site de pesquisa, é definitiva, a começar pela Lei de Diretrizes e Bases que determina: ‘A educação superior tem por finalidade: formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para inserção em setores profissionais… E adiante: ‘Os diplomas de cursos superiores, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular’.

É necessário mais dispositivos legais para espancar o esdrúxulo exame da OAB? Bom, aí só recorrendo à lei maior, a Constituição Federal maior. Vamos lá: art. 5º., XII – ‘É livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’. Já o art. 207 da mesma CF e Lei 9.394/96, art. 53, VI) reafirma que ‘somente os cursos jurídicos detêm a prerrogativa legal de outorgar ao aluno o diploma de Bacharel em Direito, que certifica a sua qualificação para o exercício da advocacia’.

E quais são então as outorgas que a lei confere à OAB? Diz o Art. 44 da CF: ‘A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

Não está, portanto, pelas leis maiores, dentre as finalidades da OAB, a de verificar se o bacharel em ciências jurídicas e sociais que busca se inscrever em seus quadros, para poder exercer a profissão que o diploma superior lhe confere, é capaz. O resto é gambiarra.

O que ocorre simplesmente é um corporativismo inexpugnável e uma construção nada modesta de que o advogado é o único profissional cujo infesto destaca-se das outras profissões pelo seu exclusivo dano maior. Sim, porque vai e volta, o argumento é um só: o Exame da Ordem é para defender a sociedade do mau profissional, como se fosse dele o único de que a sociedade necessite de proteção.

Qual é o profissional cujo mau desempenho não ofende o cidadão? O mau engenheiro, cujo erro pode desabar um prédio, ou ruir um estádio de futebol? Um mau professor, cuja incompetência pode tolher qualquer aspiração de progressão social do aluno? O mau médico, sim o mau médico que pode, por atos equivocados, acabar com o bem único que temos: a vida? Enfim, a OAB julga que os danos de advogado prevalecem sobre todos os outros, e merece, dentre todas as profissões, uma rigorosa avaliação que ignora a graduação oficial, debocha do esforço do aluno e denigre os docentes; sim, os docentes, que aprovaram incompetentes para exercer a profissão. Só para lembrar, muitos dos professores já foram, ou são, presidentes da OAB; ou fazem parte de seu Conselho.

Colidindo com este pífio argumento, não seria então mais que necessário que o profissional que inicia todo processo criminal, através dos imprescindíveis inquéritos policiais, fosse um advogado? Pois não é; é um bacharel, e a coisa funciona muito bem, mostrando o quanto são sim, qualificados para o exercício do objeto de sua graduação, mesmo não recebendo a unção da OAB. Não seria o caso de se processar a Universidade por estelionato; afinal outorgou um diploma reconhecendo que me conferiu uma graduação inútil, tendo como cúmplices professores incompetentes, omissos, ou lenientes que me aprovaram em tantas avaliações, sem conferir conhecimentos para passar num simples e único exame?

O último concurso da ordem teve 110.000 candidatos, com uma taxa de inscrição de R$ 200,00, maior que o concurso para Juiz Federal, dos quais paga à Cesp R$ 80,00, tendo um lucro líquido de R$ 13,2 milhões, por concurso, e aprovando em média 15% dos candidatos, outorgando-se o poder de regular à quantidade de novos advogados no exercício da profissão.

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