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‘Luto para que Lula e Huck estejam juntos, ao menos no 2º turno’, afirma Dino sobre 2022

Escaldado com a eleição presidencial de 2018, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), não quer que a esquerda brasileira chegue ao pleito de 2022 isolada e tem trabalhado para construir uma aliança desse grupo com setores de “pensamentos liberais, mais pró-mercado”.

Em janeiro, ele teve encontros, separadamente, com os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e com o apresentador da Rede Globo Luciano Huck, que não é filiado a partido, mas participa de movimentos que buscam impulsionar novas lideranças políticas como Agora e RenovaBR.

O governador também mantém diálogo frequente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM).

Em 2018, o PCdoB esteve unido com o PT na corrida presidencial, com Manuela D’Ávila concorrendo a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad. Para Dino, é preciso “extrair lições” dessa derrota, que evidenciou a dificuldade de vitória sem uma aliança mais ampla.

Sua obstinação em juntar lideranças como Huck e Lula, no entanto, parece difícil, já que o apresentador disse no segundo turno de 2018 que “no PT jamais votei e nunca vou votar”, enquanto o petista tem adotado um discurso menos moderado que o que lhe permitiu vencer a eleição de 2002 e, recentemente, chegou a comparar a cobertura jornalística da Globo ao nazismo.

Apesar disso, Dino manteve seu tom otimista em entrevista à BBC News Brasil, argumentando que “as pessoas mudam”.

“Eu espero e luto para que seja possível em 2022 uma articulação em que, se não no primeiro turno, mas pelo menos no segundo, todos estejam juntos. Eu acredito nisto”, afirmou, após ser questionado sobre quem escolheria entre Lula e Huck.

O governador celebrou o fato do apresentador de TV estar se aproximando de agendas tradicionalmente apoiadas pela esquerda. Em artigo recente no jornal Folha de S.Paulo, Huck defendeu que o Estado brasileiro aumentos os impostos sobre grupos de maior renda, amplie a rede de proteção social e priorize a educação pública.

“É preciso ser muito pequeno e não priorizar o país para achar negativo que outras pessoas migrem para posições mais próximas às nossas”, afirmou.

Lula

“Acredito que o Brasil avançou quando, em outros momentos da vida do nosso país, nós fizemos alianças que envolveram a esquerda e setores que não pensam de acordo com nosso ideário, (com) pensamentos liberais, mais pró-mercado”, ressaltou ainda, lembrando os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Lula, este último eleito com um grande empresário como vice, José Alencar.

Confira a seguir a entrevista, concedida na quinta-feira (13/02), em que Dino responde também sobre a dificuldade em reduzir a miséria no Maranhão, seu apoio ao acordo com os Estados Unidos para viabilizar o uso comercial da Base de Alcântara, e o debate dentro do seu partido — o Partido Comunista do Brasil — para mudar de nome e reciclar sua imagem.

“Você não pode ficar preso a modelos, paradigmas, de dois séculos atrás e achar que isso dialoga com a realidade, até porque o mundo do trabalho hoje não é feito, graças a Deus, à base de foice e martelo”, diz, em referência ao histórico símbolo do comunismo.

BBC News Brasil – O senhor e outras lideranças de esquerda, desde 2014 ao menos, falam na formação de uma frente ampla de forças políticas. Inicialmente, seria uma frente de esquerda, agora fala-se numa frente contra retrocessos democráticos. Qual a dificuldade de tirar isso da teoria?

Flávio Dino – Nós já fizemos em outros momentos amplas uniões (de forças políticas), de acordo com as conjunturas. Mesmo internacionalmente nós temos exemplos muito virtuosos. Posso citar a Concertación chilena (união de partidos políticos que se articulou contra a ditadura de Augusto Pinochet em 1988 e venceu eleições presidenciais na décadas seguintes), a Frente Ampla uruguaia (coalizão que elegeu os presidentes Tabaré Vázquez e José Mujica), mais recentemente a aliança que chegou ao governo em Portugal, e na Espanha também. Então, esse caminho da unidade é um caminho que tem trazido vitórias ao programa de mudanças, de transformação social que nós defendemos.

No caso brasileiro, nós temos conquistas históricas que foram fruto de alianças amplas. Podemos lembrar desde Getúlio Vargas, que era sustentado por uma aliança do PTB com o PSD, que era o partido mais ao centro, e toda a esquerda praticamente, e nos legou uma série de ferramentas fundamentais para o desenvolvimento. E mais recentemente o próprio período do governo do presidente Lula, tendo o José Alencar (empresário mineiro já falecido) como vice.

Flávio Dino durante entrevista à BBC

De modo que a frente ampla já existiu na prática. Nós estamos defendendo que ela se reconstrua para algumas tarefas determinadas. Ela não é necessariamente uma frente eleitoral, mas sim uma frente de proteção de valores e direitos.

Neste momento, nós temos uma jornalista (Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo) brutalmente massacrada, vítima de uma violência moral inominável, e existe hoje uma frente ampla de defesa da liberdade de imprensa, e da dignidade mesmo dos jornalistas e jornalistas.

Podemos lembrar recentemente também o vídeo de inspiração nazista divulgado por uma alta autoridade do governo federal (o ex-secretário de Cultura Roberto Alvim, demitido em seguida), quando também se formou uma frente ampla (em rechaço ao vídeo).

Eu discordo da visão segundo a qual a frente ampla não sai do papel. Sim, ela já saiu. Ela existe para algumas tarefas. Eleitoralmente, é um processo mais difícil de construção. E aí nós vamos modulando a amplitude com a qual ela será constituída daqui para 2022, à luz do próprio processo.

Eu acho que há uma convicção hoje praticamente universal no campo da esquerda de que é necessária essa união. Então, nós teremos certamente em 2022 uma frente política plural disputando as eleições, representando o pensamento progressista no Brasil. Eu tenho muito otimismo, que acho que nós estamos avançando e vamos continuar avançando.

BBC News Brasil – Para esclarecer o público da BBC News Brasil, o senhor estava falando sobre a jornalista do jornal Folha de S.Paulo Patrícia Campos Mello. Há poucos dias, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que está investigando as disseminação de notícias falsas (fake news), uma testemunha disse que ela teria se insinuado sexualmente sem demonstrar provas, e a própria repórter trouxe evidências de que isso é uma mentira.

Dino – E, no caso, você vê que esse ato hediondo foi execrado e reprovado pela esquerda, por parlamentares progressistas, mas também pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Isso eu chamo de frente ampla, uma solidariedade mais ampla e isolando esses setores que cultuam a violência e o ódio como prática política. Por isso é importante essa união.

BBC News Brasil – É claro que seu campo político gostaria que isso se tornasse uma frente também com capacidade de vencer eleições, seja em 2020, seja em 2022. E é nisso que está parecendo haver uma certa dificuldade. Em 2002, Lula foi eleito presidente numa versão “Lulinha paz e amor”, com uma ampla aliança. Ele hoje tem um discurso de mais confrontação política. Para essa Frente Ampla ganhar corpo eleitoral seria importante Lula voltar a uma versão “paz e amor”, mais moderada?

Dino – Eu tive uma conversa com o presidente Lula e identifiquei nele muitas convicções na direção que temos defendido, no sentido da ampliação do nosso campo político, de retomada de um programa que fale para o futuro do Brasil, um programa de desenvolvimento, que evidentemente recupere marcas exitosas do próprio período do qual ele foi presidente, mas que também tenha um dinamismo novo.

Então, eu também tenho a visão de que, progressivamente, o PT, que é elemento fundamental em qualquer articulação do campo progressista, democrático, popular do Brasil, da esquerda de modo geral, o próprio presidente Lula como a principal liderança popular do país, vão ajudar ainda mais para que isso aconteça.

Eu não vejo com obstáculo ou empecilho, até porque, como a história demonstra, e sua pergunta frisa isso, a vitória de 2002 derivou de uma série de fatores, entre os quais a presença do Zé Alencar na Vice-presidência da República, um empresário bem-sucedido e que naquele momento ajudou que houvesse a compreensão de que não haveria rupturas radicais (com a eleição de Lula), e sim reformas necessárias, que o Brasil continua a precisar, reformas no sentido de proteção aos mais pobres.

Nós vimos essa declaração desastrosa (sobre o câmbio alto e a impossibilidade de empregadas domésticas viajarem à Disney), do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, mostrando como essa agenda social é tão necessária, tão premente, pelo desemprego alto, mas também por esses preconceitos, que daqui e acolá emergem. De modo que eu acho que uma coalização programática está em andamento na esquerda de um modo geral, e o presidente Lula e o PT participam disso.

Paulo Guedes

BBC News Brasil – Mas, como eu coloquei, Lula não parece estar tão moderado como antigamente, o que, de certa forma, permitiu essa ampla aliança em 2002. Por exemplo, recentemente Lula comparou a cobertura da Globo ao nazismo por, na avaliação dele, não dar muito espaço às revelações da série de reportagens Vaza Jato, do site Intercept Brasil. O senhor concorda com esse tipo de declaração? Acha que ela ajuda nessa frente ampla?

Dino – Nós precisamos compreender que houve um processo muito duro, muito difícil, marcado por muitas ilegalidades, desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Não faço aqui juízo de valor, de mérito, quem foi a favor, quem foi contra.

Como professor de direito constitucional, eu tenho convicção profunda de que não havia nenhuma base legítima juridicamente falando para o impeachment. E logo em seguida (houve) a condenação igualmente infundada, sem provas, sem razão que acabou levando o presidente Lula a uma prisão arbitrária, ilegal.

Evidentemente, há um sentimento justo de indignação. Mas, creio que isso não atrapalhe objetivamente o processo (de frente ampla) na medida em que nós vimos agora, na comemoração aos 40 anos do Partido dos Trabalhadores (em um evento no Rio de Janeiro), em que o presidente nacional do PDT, o presidente nacional do PSB, representantes do PSOL, do PCdoB, e outras agremiações políticas estiverem presentes.

Acredito que há um reposicionamento que progressivamente vai se afirmando, em que a natural indignação continue evidentemente a se manifestar, mas ela não vai, na minha visão, atrapalhar esses movimentos mais abertos, que são necessários, para que a gente recupere a hegemonia política do país e consigamos vencer as eleições já em 2020 e sobretudo em 2022.

BBC News Brasil – Mas essa indignação justifica essa fala de Lula contra o maior canal de televisão do país? Enquanto o presidente Jair Bolsonaro considera a empresa “Globolixo”, a liderança do outro campo chama de nazista?

Dino – Eu não daria essa declaração e não concordo com ela. Não sei exatamente em que circunstância foi, mas eu, muito seguramente, não compartilho dessa visão. Embora, naturalmente tenha críticas legítimas como cidadão a atitudes A ou B (da Rede Globo), mas jamais evidentemente consideraria que neste momento nós temos na mídia institucional, comercial, do país alguma atitude nazista.

Pelo contrário, o bolsonarismo sim que tem sido esse extremismo e acho que em larga medida a imprensa, essa institucionalizada, comercial, tem tido um papel importante até de contenção de certas perspectivas profundamente autoritárias e extremistas que o presidente da República e outros têm verbalizado.

BBC News Brasil – O senhor tem dito que ainda falta muito para a eleição de 2022. Embora não haja nada ainda decidido de sua parte, o senhor tem pretensões de se candidatar à Presidência?

Dino Eu nunca coloco em termos de pretensões, primeiro porque eu acho que seria uma atitude pretensiosa. Eu acho que a Presidência da República é uma função tão nobre, tão especial, e, portanto, tão elevada, que você não pode almejar individualmente. Um processo de transformações nunca é conduzido individualmente, embora os indivíduos tenham um papel importante.

Então, eu preciso sempre olhar o conjunto. E nesse momento eu acho que seria desagregador da minha parte, e nesse papel que eu tenho procurado exercer de amplitude, de conversar com todo mundo, você colocar de saída qualquer tipo de atitude dessa natureza. Daqui e de acolá, claro, há lembranças (ao meu nome), ótimo. Alguns defendem, ótimo. Não é algo que eu diga que é negativo. Obviamente que não. Mas não é uma ideia que conduza a minha vida.

Flavio Dino

A ideia que conduz a minha vida é sobretudo o governo do meu Estado, as políticas sociais, amenizar os efeitos da crise. Esse é o meu foco. E, nacionalmente, conversar, dialogar, (debater) programa, frente ampla, e lá na frente a gente vai ver (quem será candidato).

Eu não tenho nenhum objetivo pessoal que eu rejeite qualquer candidatura do nosso campo. Aquele que tiver, ou aqueles que tiverem eventualmente a honra de representar nosso programa, farei como fiz com Haddad (na eleição de 2018). Fiz campanha, defendi, fui para rua no primeiro e segundo turno, e tivemos no Maranhão praticamente a maior vitória no país de Haddad sobre Bolsonaro.

BBC News Brasil – O senhor conclui seu segundo mandato de governador em 2022. Partindo da premissa de que o senhor vai continuar na vida política, o senhor vai decidir entre uma possível candidatura à Presidência, à Vice-Presidência ou ao Senado?

Dino – São alternativas possíveis, todas elas, abstratamente possíveis. E são caminhos que só é possível decidir claramente em 2022. Agora, é meu desejo de fato continuar essa atuação política, até porque eu escolhi isso.

Eu era juiz federal por mais de doze anos, deixei de ser porque acreditava na política como uma ferramenta de justiça social. Acho que seria incoerente com essa atitude de renúncia que tive no passado agora renunciar novamente (à carreira política). Então, devo continuar a buscar, se houver apoio popular, exercer outros mandatos. Pode ser qualquer um deles, de modo que muito provavelmente, por imposição legal, quando chegar em abril de 2022, eu devo me desincompatibilizar do exercício do governo e buscar alguma outra candidatura.

BBC News Brasil – O senhor recentemente se encontrou, separadamente, com Lula e o apresentador Luciano Huck, duas pessoas que não dialogam. Huck, no segundo turno da eleição, disse que nunca votou nem nunca votaria no PT. Já Lula tem criticado as pretensões eleitorais do apresentador, dizendo que ele representa a Rede Globo. Com qual deles é mais provável o senhor estar junto em uma aliança em 2022?

Dino – Eu espero e luto para que seja possível em 2022 uma articulação em que, se não no primeiro turno, mas pelo menos no segundo, todos estejam juntos. Eu acredito nisto. Acredito que o Brasil avançou quando, em outros momentos da vida do nosso país, nós fizemos alianças que envolveram a esquerda e setores que não pensam de acordo com nosso ideário, (como) pensamentos liberais, mais pró-mercado.

Nós já vivemos isso em vários momentos. Ninguém pode imaginar que o vice-presidente José Alencar, ou mesmo Juscelino Kubitschek, eram socialistas. Não eram. E ambos prestaram um grande papel ao país. Então, eu acho que a beligerância que há hoje não necessariamente vai existir amanhã. Eu acredito que é possível sim quem sabe, em algum momento, se não em primeiro turno, em segundo turno, juntar todos esses que você mencionou, e mais alguns outros. Porque se nós não fazemos frente ampla do nosso lado, o outro lado faz frente ampla e nos derrota de novo.

O que nos derrotou em 2018? O Haddad era um candidato incomparavelmente mais preparado para o exercício da Presidência da República do que o atual presidente Bolsonaro. Perdeu porque do lado de lá, movidos por uma série de fatores, se formou uma ampla frente que derrotou o Haddad. É da lógica de eleições de dois turnos. Eu me espanto que às vezes eu mesmo tenho sofrido críticas de uns e de outros dizendo “ah, frente ampla vai diluir o programa (da esquerda)”. Mas se a gente não faz aqui, fazem lá e nos vencem.

Então, eu acredito que é claro que a oposição é importante, como eu tenho sido inclusive, fui em vários momentos no meu Estado e agora também na questão nacional, mas a oposição é boa quando ela se habilita a ser governo amanhã.

Então, eu quero que nosso campo político, o progressismo brasileiro, o campo democrático do Brasil, vença as eleições de 2022. E para isso é essencial que nós agreguemos para além da esquerda. E esse é meu objetivo.

BBC News Brasil – Em 2018, Huck deixou bem claro que não se alinharia ao PT nem num segundo turno.

Dino – Mas as pessoas mudam.

BBC News Brasil – Mas num primeiro turno com quem seria mais provável o senhor estar alinhado?

Dino – Claro que nosso campo natural, histórico… lembremos que o Brasil viveu, desde a redemocratização, oito eleições presidenciais e, em oito eleições presidenciais, o PCdoB esteve com o PT. Então, é claro que o nosso alinhamento, caso se produza uma dualidade dessa natureza, é claro que nosso caminho natural é do campo mais da esquerda, a aliança com o PT, que é de fato o partido que conduz, que lidera a esquerda brasileira há algumas décadas.

Então, esse é o nosso leito natural. Isso é fundamental, mas não é suficiente. Ou seja, muito bem, o PCdoB esteve junto com o PT em 2018 na candidatura do Haddad. Perdemos, então temos que extrair lições disso. Uma delas é que você tem que atrair outras forças.

BBC News Brasil – Luciano Huck é mais alinhado com a agenda econômica liberal do ministro Paulo Guedes. Por outro lado, ele publicou no início do mês um artigo que defende diversas bandeiras que costumam ser associadas à esquerda, como aumentar impostos sobre os de maior renda, ampliar rede de proteção social e priorizar a educação pública. Qual sua leitura sobre a movimentação dele?

Dino – Eu acho que ele faz um trânsito importante hoje entre posições mais ultraliberais, ou neoliberais, para uma (visão de) social democracia, com essa compreensão de que as leis de mercado não são suficientes, porque não são mesmo, nem no Brasil, nem em qualquer outro país do mundo. Nós temos verificado isso também em economistas importantes, como André Lara Resende, Pérsio Arida (formuladores do Plano Real), Armínio Fraga (presidente do Banco Central no governo FHC), e outros, que têm tematizado muito fortemente uma política econômica com essa visão mais pró-social, pró-distribuição de renda.

O André Lara Resende tem escrito, por exemplo, acerca de certos dogmas, como o equilíbrio fiscal, e como é possível você contingencialmente, à vista de uma recessão, desemprego monumental, construir políticas alternativas. Então, acho que há um espaço muito importante para novas abordagens, e eu fico feliz.

Eu, como pessoa de esquerda, acho muito positivo que o Luciano Huck esteja dizendo essas coisas, porque eu prefiro que ele, uma pessoa conhecida, influente, esteja dizendo isto, do que apoiando o bolsonarismo. Então, eu prefiro o Luciano Huck e esses todos que eu citei tematizando a desigualdade, por exemplo, do que naturalizando a desigualdade.

Eu prefiro que eles defendam junto conosco um sistema tributário progressivo, mais justo, em que altas rendas sejam mais justamente tributáveis, do que defendendo as obscenidades ou dizendo que empregada doméstica não pode viajar para Miami.

É preciso ser muito pequeno e não priorizar o país para achar negativo que outras pessoas migrem para posições mais próximas às nossas. Isso é salutar. Isso mostra que nós temos força para que ideias nossas sejam abraçadas por pessoas que historicamente tinham outras visões. Inclusive li o artigo do Luciano Huck e me pareceu de grande qualidade.

BBC News Brasil – O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), escreveu em um artigo que Lula foi desrespeitoso com o PCdoB quanto disse em entrevista ao canal online Rede TVT sobre candidaturas presidenciais: “o PT é um partido muito grande se comparado ao PCdoB”; “é difícil eleger um comunista e Flávio (Dino) sabe disso” e “é muito difícil eleger alguém de esquerda sem o PT”. O senhor concorda?

Dino – Eu particularmente não me senti desrespeitado. Pelo contrário, eu acho que o presidente Lula tem sido muito gentil, muito educado, na abordagem, falando no longo arco da história com nosso partido. Compreendo a reação do deputado Orlando como um dirigente de altíssima importância do nosso partido, mas não me pareceu um desrespeito.

Não é algo correto, que se fosse verdade que é impossível ganhar eleição no PCdoB, eu não teria sido eleito duas vezes no Maranhão em primeiro turno.

BBC News Brasil – O “Movimento 65”, lançado para atrair para o PCdoB novas pessoas interessadas em disputar a eleição deste ano é um primeiro ensaio para mudar nome do partido e abandonar o termo “comunista”?

Dino – O Movimento 65 é uma tática eleitoral para 2020 em que nós procuramos justamente demonstrar que (o PCdoB) é um partido aberto, que tem o seu programa, que todo mundo que gostar dele adere, independentemente de rótulos, de preconceitos.

Símbolo do PCdoB

Nós já tivemos mudanças de nomes de outros partidos brasileiros e em outros países do mundo. Há esse debate, sim, no PCdoB. Começou em 2019, em 2021 deve haver algum desfecho em relação a isso. Mas é normal que ocorra. Eu acho curioso que todos podem mudar de nome, todos podem mudar de símbolo, menos o PCdoB. Isso é um pouco de preconceito.

BBC News Brasil – Mas parece um tabu interno na verdade, uma dificuldade interna.

Dino – Há pessoas que discordam. Eu particularmente acho que majoritariamente no nosso partido hoje há essa crença de que nós temos que fazer readequações, não da identidade histórica, do programa, do conteúdo, mas você adequa as táticas e as normas de acordo com o espírito do tempo que você vive.

BBC News Brasil – Vocês reconhecem que há hoje, em parte da sociedade, uma resistência, uma aversão ao comunismo?

Dino – Preconceitos muito fortes que foram introjetados por décadas de pensamentos ditatoriais, de perseguições, eu vejo isso muito nitidamente, por exemplo, quando eu digo: “eu sou do PCdoB e sou católico”. E sou de fato (católico) e sempre fui. “Mas como? É impossível”, algumas pessoas reagem. Não, é plenamente possível, não há nenhuma incompatibilidade teórica, doutrinária ou prática, entre você ter uma crença religiosa, como eu tenho de fato, e ao mesmo tempo integrar uma legenda socialista, comunista, enfim.

E isso foi uma construção secular no caso brasileiro, a ditadura militar (1964-1985) muito fortemente fez isso, e agora essa avalanche extremista de direita atualizou um pouco certos preconceitos. Então, as dificuldades objetivas (de aceitação ao nome comunista) existem.

Quando você está defronte de um muro e você não tem força para derrubá-lo, não é inteligente você bater a cabeça contra o muro, você tem que procurar exatamente se movimentar para encontrar condições para você transpor os obstáculos. Então, eu não dogmatizo táticas políticas, e acho que esse é o pensamento da maioria do nosso partido.

BBC News Brasil – Governador, o senhor colocou essa rejeição ao comunismo de parte da sociedade como um preconceito que veio da ditadura militar, por exemplo. Mas, no campo das pessoas que se opõem ao comunismo, elas dizem também que houve ditaduras comunistas que praticaram atrocidades. O senhor reconhece que isso também ocorreu e pode alimentar a aversão ao comunismo?

Dino – Eu acho que cada país tem sua história e eu não posso ser julgado e não pretendo ser julgado por ocorrências em outros países do mundo, em outros contextos, enfim, porque de fato qualquer atrocidade, qualquer violação de direitos humanos, ela é execrável, venha de onde vier.

Assim como nós tivemos também regimes capitalistas, e temos, que matam milhares ou milhões de pessoas, todos os dias. O nazismo é o exemplo supremo disso, com amplo apoio da elite empresarial alemã, uma máquina de exterminar pessoas.

Então, evidentemente que no campo da esquerda, houve, no mundo, muitos erros, muitos desacertos, mas também muitos acertos, e muitas virtudes. E, ao mesmo tempo, nesse momento, no século XXI, evidentemente há uma revisão de certos caminho, certas propostas que não se revelam atuais.

Vou dar um exemplo bem simples: mesmo a simbologia da foice e do martelo, que é uma simbologia histórica (do comunismo), que representava o mundo do trabalho — foice, o trabalhador do campo, e o martelo, o trabalhador da cidade — não tem atualidade. Embora para mim seja um símbolo bonito, generoso, de valorização do trabalho, mas não tem atualidade em relação ao que é o mundo do trabalho no século 21.

Então, isso que eu chamo de ter uma atitude aberta. Você não pode ficar preso a modelos, paradigmas, de dois séculos atrás e achar que isso dialoga com a realidade, até porque o mundo do trabalho hoje não é feito, graças a Deus, à base de foice e martelo. Você tem outras realidades, outras formas de trabalho, no campo e na cidade, e você tem que dialogar com todos esses setores. Então, as simbologias também têm que ser atualizadas.

BBC News Brasil – Governador, ainda falando sobre esses outros regimes de esquerda, sobre os quais há críticas, o senhor entende que se deva fazer alguma autocrítica em relação a como os partidos de esquerda brasileiros apoiaram nos últimos anos os governos venezuelanos de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro?

Dino – Autocrítica (deve ser feita) sobretudo na prática em relação a uma série de aspectos. Ninguém acerta sempre. Não existe a perfeição como um modelo de atuação na vida das pessoas que estão nos assistindo (a entrevista está disponível também em vídeo) e nem na política. Isso vale para Venezuela, vale para qualquer país do mundo.

Manifestação em defesa de Maduro na Venezuela

Eu acho curioso apenas que há essa cobrança de autocrítica apenas em relação à esquerda, quando você teve por exemplo pessoas da política brasileira apoiando o (ex-presidente argentino Mauricio) Macri que se revelou um desastre para a Argentina.

BBC News Brasil – Não tem como comparar o governo de Macri com o que ocorreu na Venezuela.

Dino – Eu não sei nem te precisar porque eu não acompanho, eu não sou nem argentino, nem venezuelano.

BBC News Brasil – O relatório da ONU indica torturas, prisões de dissidentes políticos na Venezuela.

Dino – Obviamente, como eu já narrei há pouco e enfatizo novamente, qualquer violação de direitos humanos, qualquer ilegalidade, venha de onde vier, tem que ser repudiada, tem que ser rejeitada. E, portanto, se a ONU, a OEA, estão dizendo que isso aconteceu na Venezuela ou em qualquer outro país do mundo, inclusive no Brasil, isso tem que ser repudiado, enfaticamente. E, portanto, como eu disse, eu não vejo esse termo autocrítica com essa dimensão de autoflagelação, a pessoa se imolar, disser “não, eu errei”. Você faz autocrítica na prática. E acho que isso que está se evidenciando no conjunto da esquerda, em vários países do mundo, e, claro, do Brasil também.

Não há monolitismo em relação a isso. Não é algo que você diga “não, o regime da Venezuela, ou o governo da Venezuela é maravilhoso”, ou “é péssimo”. Acho que nem nos cabe. Para te ser franco, eu tenho muito incomodo com o fato de nós não respeitarmos o artigo quarto da Constituição Federal. O que está dito lá? Que nós temos relações internacionais, que se guiam por vários princípios entre os quais a autodeterminação dos povos. O Brasil não pode, nem nenhum país do mundo, inclusive os Estados Unidos, a China, seja lá quem for, se pretender polícia do mundo.

Então, os povos têm seus processos, seus governos, e acho que a crítica é legitima. Eu particularmente considero que certas visões do campo da esquerda são erradas em relação a essa temática internacional. Agora, você também não pode incorrer em outro erro, que é apenas reverberar preconceitos, ou mesmo defender belicismo, ingerências externas, invasões, guerras, também nós não podemos fazer isso. Então, essa mediação que nós estamos procurando fazer.

BBC News Brasil – Eu pergunto porque em janeiro do ano passado o seu partido divulgou uma nota indicando como se tivesse sido uma eleição democrática a última reeleição de Maduro e houve muitas denúncias de ilegalidades, de perseguição de opositores, por organismos internacionais. Então, por que essa demora nessa mudança de postura em relação à Venezuela?

Dino – Certamente nem tudo que eu faço meu partido concorda, e nem tudo que meu partido diz eu concordo. Ou seja, nós temos liberdade de pensamento no partido, eu tenho certeza que há um sem número de manifestações minhas em relação as quais muitas pessoas do meu partido, ou de partidos aliados, não concordam também.

Eu acho que esse processo venezuelano deveria ter sido conduzido na direção do diálogo, e acho que Brasil tinha esse papel. Infelizmente, acabou apostando nesse caminho de uma ingerência de um suposto presidente autoproclamado (Juan Guaidó, reconhecido como presidente da Venezuela por Brasil e outros países, mas que não governa de fato) que longe de resolver conflitos, acaba acirrando situações que hoje infelizmente estão vivas na Venezuela. Então, acho que se me fosse permitido opinar sobre a política externa brasileira, ela deveria manter nossa tradição pacifista, de mediação e de respeito à Constituição, em vez de procurar se intrometer em assuntos internos de outros países.

BBC News Brasil – O senhor acaba de elevar o piso salarial dos professores no Maranhão para R$ 6.358, valor que é mais que o dobro do piso nacional (R$ 2.886,24). Muitas pessoas o elogiam pela medida, mas outras consideram a medida irresponsável, já que o Estado está com déficit fiscal e, inclusive, perdeu a nota de avaliação de risco do Tesouro Nacional de B para C, o que limita a capacidade conseguir empréstimos. Por que elevar um piso que já era o mais alto do país mesmo com as contas no vermelho?

Dino – Na verdade, nossas contas já não estão no vermelho em 2019, no novo balanço, que vai ser divulgado em abril. Nós já conseguimos reverter (o défict), o que nós produzimos conscientemente. Nós de fato fizemos uma política ousada, contracíclica (de expansão de gastos para estimular a economia em momentos de crise), e eu me orgulho disso, porque isso fez com que o PIB do Maranhão tivesse o quarto maior crescimento do Brasil em 2017, que foi o último dado oficialmente divulgado pelo IBGE (sobre o desempenho dos Estados).

Porque nós mantivemos a construção civil funcionando, porque nós tivemos coragem de elevar salários num quadro como esse, para manter demanda (consumo). Não existe mercado sem demanda. Só na cabeça de alguns elitistas do Brasil que imaginam que vai funcionar uma sociedade sem povo, sem gente, e vai funcionar o mercado sem consumidores. Então, você tem que manter a demanda.

Flavio Dino em entrevista à BBC

Neste caso, a forma rápida de manter demanda funcionando era de fato ampliando nosso limite de gastos com pessoal (servidores), porém, sempre respeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com isto, nós produzimos superavit em 2015 e 2016, sabíamos que haveria esse déficit em 2017 e 2018, sabíamos que havia o risco inclusive de perder o rating (nota de risco para empréstimos), como outros Estados perderam. Mas nós estamos agora nessa conjuntura em que há, pelo menos, uma tênue melhora dos indicadores macroeconômicos nacionais, fazendo o chamado ajuste fiscal, como em 2019 já fizemos e continuamos a fazer, para que em 2021 recuperemos o rating. Então, é uma visão diferente do mainstream econômico, mas é uma visão da qual eu tenho muita convicção.

No caso específico dos professores, nós cumprimos a lei do piso (nacional) com larga margem porque acreditamos que essa é uma medida de impulsionar qualidade da educação. O Ideb (indicador do governo federal que mede qualidade da educação) da rede estadual está crescendo, e nós estamos agora indo para o sexto ano consecutivo sem nenhuma greve na rede educacional do Maranhão, contrariando inclusive uma tendência que havia.

Os pais, mães, os estudantes, não sabiam quando as aulas iam começar, quando elas iriam terminar, porque havia de fato, uma série de reivindicações (dos professores), de greves, etc. Nós quebramos esse ciclo, engajamos professores num processo de mudança, de qualidade da rede, e esse processo é correto.

Qual foi a engenharia financeira que nós fizemos? 100% do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, recurso repassado aos Estados pela União) vai destinado aos salários e nós fazemos complementos (com outras receitas) de modo que ano passado, enquanto o mínimo constitucional de investimento em educação é da ordem de 25% (da receita do Estado), nós fizemos 30%. Na saúde (o mínimo) é 12%, nós fizemos 15%. Há quem ache que isso é equivocado, desperdício, eu acho que não. Você investir em educação e saúde é o certo, e eu me orgulho disso.

BBC News Brasil – O senhor tem que fazer escolhas ao administrar o orçamento. Quando o senhor decide investir mais do que o obrigatório em Saúde e Educação, de onde o senhor está cortando?

Dino – Eu estou cortando de outros investimentos, outras ações. Então, você prioriza as políticas públicas que você acha que são capazes de construir um novo rosto, uma nova face para a sociedade de um Estado injusto e desigual como o Maranhão. Você tinha uma mortalidade materna no Maranhão obscena. Eu ia conviver com isso sem fazer nada? Eu não sou insensível. Eu tenho visão de prioridades sociais. Então, eu, de fato, construí e abri hospitais. Eu tinha e tenho (no Maranhão) pobreza extrema dramática. Nós estamos chegando agora a 50 restaurantes populares.

BBC News Brasil – Mas o senhor não respondeu de onde o senhor está cortando.

Dino – Ah, bom. Eu tenho um orçamento, eu tenho uma arrecadação. Você prioriza certos temas, não é propriamente cortar. Você vai me perguntar: “mas falta dinheiro em uma área?”. Vou te responder e a todos que estão nos acompanhando: qualquer que seja o órgão do governo do Maranhão que você queira pegar os indicadores hoje e comparar com cinco anos atrás, nós os e melhoramos o serviço. Todos, sem exceção. Então, mostra que nós temos uma boa gestão, que consegue priorizar o que na minha visão é prioritário — educação, saúde e segurança — mas que ao mesmo tempo não desguarnece outras políticas sociais, outras políticas públicas.

BBC News Brasil – Governador, apesar desse esforço que o senhor fez de política econômica contracíclica, a pobreza aumentou no Maranhão entre 2016 e 2018 (dados mais recentes do IBGE) num ritmo maior que na média do Brasil. O que deu errado nesses dois anos?

Dino – Nós tivemos o crescimento da pobreza em todo o país, os dados do IBGE mostram que tivemos essa realidade nos centros econômicos do Brasil. Você caminha na Avenida Paulista ou nas ruas do Rio de Janeiro, ou de Brasília, e você vê isso, nos moradores em situação de rua. Então, não é (só) o Maranhão.

O que aconteceu no nosso Estado é que nós temos uma base econômica frágil, historicamente. E é claro que nós temos uma dependência muito forte em relação a políticas federais. Mas não é só o Maranhão. Infelizmente, por conta das desigualdades regionais, muitos Estados sofrem também com a desativação do Minha Casa, Minha Vida, que gerou desemprego na construção civil, com retração de políticas como Bolsa Família, agora esse represamento de benefícios previdenciários.

Tudo isso impacta não só as pessoas individualmente, mas o contexto, significa destruir empregos também, porque grande parte do nosso comércio vive das pessoas que conseguem ter acesso a essas políticas sociais e com isso conseguem movimentar a economia. Então, nós sofremos porque nossa economia é mais dependente, é mais frágil em relação à situação nacional. Ainda assim, resistimos com muita resiliência, para usar uma palavra da moda, e isso está expresso não só no PIB, mas no dado de emprego.

Nós somos um dos poucos Estados do país que em 2019 teve pelo terceiro ano consecutivo saldo positivo na geração de emprego. Tivemos o oitavo desempenho do país em 2019. Então, nós temos problemas, claro que temos, mas temos também indicadores sociais que mostram que esse caminho também produziu resultados positivos.

BBC News Brasil – Sabemos que o presidente Bolsonaro considera o senhor um opositor e não mantém um diálogo aberto, mas o senhor tem tentado junto à União buscar o destravamento desses programas?

Dino – Na verdade, o Estado não tem um papel jurídico formal em relação a isso, porque depende dos municípios que fazem os cadastros (para receber o Bolsa Família), e têm feito, e do governo federal, que, infelizmente, por conta do teto de gastos (regra constitucional que limita a expansão de despesas), por conta de suas próprias restrições fiscais, optou pelo pior caminho, que foi exatamente construir essas imensas barreiras no acesso dos mais pobres a políticas essenciais como aposentadoria e o Bolsa Família.

Eu não considero o Presidente da República como um inimigo pessoal. Eu não tenho em relação a ele esse sentimento. Infelizmente, parece que ele me considera assim. Mas, apesar de eu achar que ele me considera um inimigo, embora eu não o considere, mas sim como um opositor, legitimamente colocado na democracia, nunca deixei de dialogar com o governo federal. Jamais.

As duas reuniões que o presidente Bolsonaro convocou (com) governadores do Nordeste e da Amazônia, eu estava em ambas, dialogando, contribuindo, procurando apresentar meus pontos de vista.

Lamento que numa temática tão central como esta, até aqui o governo federal não tenha tomado atitudes. Agora, continuo fazendo a minha parte, ou seja, cobrar, manifestar inconformação por isto.

BBC News Brasil – O senhor e toda a bancada do Maranhão no Congresso apoiaram a aprovação do acordo com os Estados Unidos sobre a Base de Alcântara, firmado pelo governo Bolsonaro. Por que os senhores não consideram que se trata de um “acordo lesa-pátria”, que ataca a soberania nacional, como PT e PSOL?

Dino – A Base de Alcântara existe há algumas décadas. Existia um caminho certo de buscar um programa aeroespacial brasileiro próprio. Infelizmente houve uma grande tragédia em 2003 (uma explosão durante a tentativa de lançar um foguete) que resultou inclusive na dramática perda de vidas humanas (houve 21 mortes), e o programa aeroespacial brasileiro nesse momento praticamente parou. Continua, mas com muita dificuldade. Houve também uma tentativa (do governo Lula) de parceria com a Ucrânia.

BBC News Brasil – Foi um erro?

Dino – Não, foi uma tentativa. Não deu certo. Há muitas críticas, que dizem que a tecnologia ucraniana não era adequada. Eu realmente não posso afirmar até porque não tenho conhecimento técnico profissional sobre mercado de foguetes no mundo para afirmar que a Ucrânia não tinha capacidade. Houve um tentativa também, infelizmente não deu certo. A base lá está.

Nós temos uma realidade em que o mercado aeroespacial utiliza largamente tecnologia norte-americana. E esse é o ponto central. O acordo não é para que os Estados Unidos como governo feche sua base na Flórida e mude essa base para Alcântara. Se fosse isso, eu seria contra. Se fosse um enclave, uma alienação de território… Eu estou me referindo ao acordo (de salvaguarda tecnológica). Mas há quem diga: “bom, isso é uma porta aberta para (uma presença americana indevida no território brasileiro)”. Portas abertas dependem de quem está governando o Brasil e os Estados Unidos.

Eu restrinjo minha análise ao acordo. Juridicamente, ele entrega Alcântara para o governo dos Estados Unidos? Não. Ele entrega a Base de Alcântara à gestão do governo dos Estados Unidos? Não. O que o acordo faz? O acordo faz aquilo que qualquer país do mundo faz de proteger a sua tecnologia. Ele é um acordo de propriedade intelectual, de salvaguardas tecnológicas (em que o Brasil se compromete a proteger a tecnologia americana usada em satélites e foguetes a serem lançados de Alcântara, dando acesso a representantes americanos à base). E não vale apenas para lançamentos de empresas americanas, mas de empresas italianas, indianas, canadenses, de qualquer país do mundo que uso tecnologia americana. E, por isso, acredito que era o único caminho que restava para Alcântara poder funcionar.

Agora, faço questão de frisar o que disse o tempo inteiro, a base de Alcântara funcionar tal como ela existe, porque eu sou absolutamente contrário a qualquer ideia da ampliação da base de Alcântara, de remoção de pessoas, por uma razão simples, é que não precisa. Então, seria um gesto hostil, agressivo e sem necessidade.

Por isso essa nossa posição de procurar viabilizar a Base de Alcântara, que ela funcione, é bom para o Brasil, é bom para o Maranhão, é bom para Alcântara, nos termos que ela se encontra, sem remoção de outras pessoas, e até que o Brasil tenha seu próprio programa aeroespacial.

BBC News Brasil – O senhor se refere às comunidades quilombolas que têm se manifestado contra a possibilidade de serem removidas para a expansão da base atual. Essas lideranças também criticaram a aprovação do acordo e seu apoio a isso, pois dizem que não foram consultadas, em desacordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. O senhor acha que houve algum problema?

Dino – Outro dia me perguntaram: “por que o senhor assinou o acordo de Alcântara?” Em relação a isso, eu não assinei acordo algum. O acordo foi assinado em nível federal, eu não fui sequer consultado, eu não fui ouvido, não sabia dos termos do acordo, não fui convidado para a solenidade.

Enfim, quando foi celebrado o acordo, eu fiz duas grandes reuniões (sobre a questão no Maranhão), inclusive eu próprio, longamente, no dia 30 de abril de 2019, dialoguei com centenas de pessoas de Alcântara, explicando não o acordo propriamente, mas as razões pelas quais o governo do Estado, institucionalmente, considerava que era o caso sim do acordo ser aprovado no Congresso.

Agora, sobre o processo de assinatura e agora de implementação, se de fato for implementado, dependerá da condição do governo federal. Não é o governo do Estado que conduz isso. E se amanhã quiserem remover populações eu serei o primeiro a registrar minha insurgência. E, repito, porque não é necessário. A base pode funcionar nos termos que ela se encontra.

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