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Justiça na Saúde

Por: Flávio Dino

Está narrado no Livro de João que quando Maria Madalena foi procurar Cristo em seu sepulcro, viu um jardineiro; em seguida, ela descobriu que ele era o próprio Cristo. O que a narrativa bíblica demonstra nessa passagem é que Deus, para os cristãos, se encontra também nos outros seres humanos, com os quais nos relacionamos. Por isso, amar a Deus e amar ao próximo são mandamentos indissociáveis: um não vive verdadeiramente sem o outro.

Amo meus filhos e manifesto esse amor fisicamente, todos os dias. Contudo, um deles, meu amado Marcelo, foi cruelmente assassinado. Não está mais fisicamente comigo, apenas em espírito, logo a forma de manifestar meu amor por ele, agora, não se concretiza em abraços e beijos, dos quais tanto sinto falta.

Na busca de encontrar as novas formas pelas quais Marcelo sente meu amor, tenho confirmado o caminho existencial que escolhi desde os 15 anos de idade: é impossível ser feliz sozinho e por isso sempre lutei para que todos tenham as condições para serem felizes. Essa opção de vida manifesta-se na atuação política movida pela causa da justiça e da liberdade.

Visando a que todos possam vivenciar esses valores, apresentei nesta semana uma proposta ao presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Carlos Britto: a criação de Varas e Juizados da Saúde, em todo o país. A proposta deriva de uma pergunta: em casos como este, pelo qual passei, a quem um cidadão recorre? Atualmente, à Polícia Civil e ao Ministério Público, como eu fiz, e estimulo todas as vítimas a fazerem. Mas há muitas situações em que não é fácil a responsabilização penal dos que causaram a morte ou a lesão corporal. Ou mesmo dos gestores que muitas vezes contribuíram para a tragédia.

A proposta de criação de varas e juizados especializados em direito à saúde fortalece a atuação da Polícia e do Ministério Público, e cria um canal institucional para o adequado processamento de mais de 250 mil ações envolvendo o assunto. Acho que essas unidades judiciárias podem ser instâncias novas de resolução desses casos. E de revalorização do sentido da saúde em nossa sociedade.

Todos sabemos, e está escrito em nossa Constituição, que a saúde é um direito fundamental. É um direito básico para que o cidadão possa usufruir de seus outros direitos. Mas também sabemos, por vivências próprias, por histórias de parentes e amigos, ou pela imprensa, que a magnitude deste direito, infelizmente, não está garantida à altura no Brasil. É evidente que temos várias instituições de excelência, públicas e privadas, dignas de registro, mas infelizmente reduzidas à condição de enclaves de prosperidade. A imensa maioria dos profissionais de saúde é séria e dedicada, mas também as exceções existem e produzem danos devastadores.

Um fato é indiscutível: a sociedade brasileira assiste cotidianamente a cenas de horror em hospitais públicos e privados, com filas que nunca terminam; pacientes em macas pelos corredores ou no chão; profissionais extenuados com jornadas absurdas e remunerações aviltadas; falta de remédios; erros de diagnóstico e de tratamento (por imperícia, negligência e imprudência); administração errada de medicamentos; profissionais que não comparecem ao trabalho; planos de saúde que negam procedimentos; ganância desenfreada; desumanização e mercantilização dos hospitais.

Tais dramas não podem ser banalizados ou naturalizados. Não se cuida de uma descrição “fria e objetiva”, mas sim de lágrimas, dores e funerais que compõem o âmago da maior contradição nacional: a sexta maior economia do mundo não consegue garantir serviços de saúde públicos e privados compatíveis com esse patamar econômico.

Creio que a presença mais próxima do Poder Judiciário ajudará a melhorar a saúde brasileira. Por isso, apresentei essa proposta. Não trará meu filho de volta, porém é mais um gesto de amor a ele, na medida em que visa proteger os “jardineiros” que hoje sofrem sem que suas vozes sejam ouvidas.

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