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Impeachment é golpe?

Por Abdon Marinho

A discussão sobre um possível processo de impeachment contra a presidente da República, Dilma Rousseff, tem dividido opiniões e ganhado espaço na mídia nacional e internacional. Embora tenha me mantido silente sobre o tema (por achar prematuro o debate) acho que é hora de dizer o que penso. E, faço isso, com máximo cuidado e rigor técnico, de sorte a evitar qualquer interpretação equivocada.

Deixo claro o entendimento que em questão de tamanha gravidade deve se enxergar, em primeiro lugar, o interesse da lei e o fortalecimento institucional do país.

As hipóteses de crimes de responsabilidade de Presidente e Ministros de Estado são trazidas pela lei nº. 1079, que estabelece:

“Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

I – A existência da União:

II – O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados;

III – O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:

IV – A segurança interna do país:

V – A probidade na administração;

VI – A lei orçamentária;

VII – A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;

VIII – O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).”

Ora, inicialmente, são crimes de responsabilidade os atos da Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, neste caso, ter-se-ia que identificar algum ato que atente contra a Carta, o que me parece vago. A mesma coisa, entendo, não ser possível provar que os atos de sua excelência sejam atentatórios aos incisos I, II, III ou IV e ainda o VIII, este último, imposição constitucional desde 1988.

Se passou ilesa pelo caput do dispositivo e por cinco de seus incisos, o mesmo não pode se dizer dos outros três: a probidade na administração; a lei orçamentária; a guarda e o legal emprego dos pinheiros públicos.

Estes três comportam uma serie de senões.

A cada dia que passa fica patente que a presidente da República, primeiro como ministra de Minas e Energia e presciente do Conselho de Administração da Petrobras; depois como ministra da Casa Civil e depois como Presidente da República não tinha como ignorar o mar de corrupção instalado na empresa e em diversas outras obras do país, principalmente as obras do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, para qual foi indicada e apresentada como gerente, na estratégia de vir a ser a candidata nas eleições de 2010.

Os brasileiros acostumados com histórias de “trancoso”, contos da carochinha, mula sem cabeça e de Saci-Pererê, dizem acreditar – ao menos 68% deles – que a presidente tem, sim, culpa nos escândalos de corrupção na Petrobras.

Nos últimos 12 anos, tanto ela quanto seu antecessor abusaram da desculpa do “eu não sabia”. Para os brasileiros, ao que parece, tal desculpa não cola mais.

Como é possível não saber de atos de corrupção que eram – pelo número de pessoas e pelo volume de recursos envolvidos –, do conhecimento de quase todos em Brasilia? Um presciente, qualquer um, não tem como saber das coisas pois possui uma vasta rede de informações. Será que a Agência Brasileira de Informações – ABIN, por seus inúmeros agentes e servidores, não informou a presidente o que se passava? Os demais órgãos de controle interno, nem desconfiavam? Se é assim, melhor fechá-los, mandar todos para casa.

O segundo dispositivo capaz de gerar discussão quanto a um possível crime de responsabilidade diz respeito a lei orçamentária. Já tratamos disso em texto anterior. Acontece o seguinte: o governo, impossibilitado de cumprir as metas estabelecidas na lei orçamentária anual, sobretudo, as metas de superávit primário, encaminhou o PNL 36/2014, com a finalidade alterar a lei e tornar mais flexível o cumprimento das metas. A ementa do PNL deixa clara a intenção: “Altera a Lei nº 12.919, de 24 de dezembro de 2013, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2014″. Como disse no texto “Toma lá dá cá por decreto”, a medida é formalmente defensável. A forma que não: o governo, para garantir a aprovação da medida, inseriu através de decreto, vantagens de caráter pessoal aos congressistas, condicionou a liberação bilhões de reais em emendas a aprovação da alteração da lei orçamentária, em resumo, “comprou” a alteração. Há sim, vício no projeto de alteração da lei e com isso não se tem como deixar de questionar a violação da lei orçamentária e o crime de responsabilidade decorrente de tais vícios. Tanto a presidente quanto os ministros envolvidos, podem e devem responder por eles.

O terceiro e último dispositivo capaz de ensejar a abertura de processo de impeachment, contra a presidente diz respeito “a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos”. Neste item não temos como nos afastar, inicialmente, da compra da Refinaria de Pasadena, no Texas, Estados Unidos. A compra que o Tribunal de Contas da União já apontou como lesiva aos cofres públicos em quase 800 milhões de reais, contou com a participação direta da Presidente da República, na condição de ministra e de presidente do Conselho de Administração da Petrobras, aprovou uma compra absurdamente lesiva ao patrimônio público. Em outras palavras a guarda e o legal emprego dos “dinheiros” públicos foi violado.

E, conforme avançam as investigações, vão se revelando outros fatos e circunstâncias, que demonstram que tanto a guarda quanto o zelo dos “dinheiros” públicos deixaram de existir. Sobre a Petrobras, se disse que os preços dos serviços e obras sem licitações (prática comum em mais de 80% dos mesmos, apesar de decisões reiteradas do TCU em sentido contrário), que os valores eram inflados para que retornassem a dirigentes da empresa e líderes políticos e partidários em forma de propina, pagas no Brasil e no estrangeiro. Ainda sobre o mesmo fato já foi dito que a presidente sabia, há correspondência entre o delator Paulo César da Costa com a então ministra da Casa Civil, alertando e recomendando o que se deveria fazer.

Além da Petrobras, começam a surgir em depoimentos que essa – a prática nefasta da corrupção e da propina – era e é a rotina das obras públicas no Brasil.

Claro que para a abertura do processo de impeachment faz-se necessário, em qualquer dos itens apresentados, a responsabilidade da presidente da República, o seu papel nas violações dos dispositivos legais ou suas omissões.

Quando disse, no começo do texto que não havia tratado do tema, isso se deu porque, entendo, ser necessário melhor apuração, que comprove o alcance da participação de todos os envolvidos. O que se sabe até aqui é que os crimes cometidos foram inúmeros os valores envolvidos, superlativos.

Comprovada a participação de qualquer que seja, ministros ou da presidente, o processo de impedimento é medida que se impõe. Não teremos como fugir: os se escolhe o Brasil ou a governante. Já passamos pela situação de abertura de cassação de um presidente, primeiro eleito após a ditadura, o Brasil passou sem traumas pelo processo, não será agora, quando se espera que as instituições estejam mais maduras e fortalecidas, que não possamos fazer o mesmo.

O impeachment, como dizia em 1992, é um instrumento legítimo da democracia, basta que as instituições funcionem como devem, golpe é termos regras que se aplicam conforme os destinatários.

Abdon Marinho é advogado.

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