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Flávio Dino sobre tratamento do governo federal: “não tem faltado cortesia e gentileza”

Veja – O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), não vê qualquer problema no acordo assinado pelo governo brasileiro com os Estados Unidos, que permite o uso comercial da base do Centro de Lançamento de Alcântara, em seu estado. Mas, para evitar qualquer sobressalto entre seus correligionários, o comunista coloca como condicionante a garantia de preservação da soberania nacional. Em entrevista a VEJA, Dino também defende a união das esquerdas e a aproximação a liberais e sociais-democratas para romper um ciclo de derrotas que, em sua avaliação, determinou a vitória do presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições de 2018, e comenta o papel do DEM, com quem firmou uma improvável aliança no âmbito estadual.

Leia a entrevista:

O governo brasileiro assinou um acordo com os Estados Unidos para permitir o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Qual é a avaliação do senhor? Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que trata-se de um acordo de salvaguarda tecnológica. Ele foi assinado para garantir que qualquer empresa, de qualquer país que tenha tecnologia desenvolvida e patenteada nos Estados Unidos, siga determinados procedimentos. Isso é juridicamente comum. O que nós temos colocado sobre a base é o seguinte: em primeiro lugar, não há problema em assinar acordo de salvaguarda tecnológica com os Estados Unidos ou qualquer outro país. Segundo ponto: na eventual exploração da base, que espero que aconteça, a soberania brasileira deve ser preservada. Terceiro: para que haja exploração comercial da base, é essencial que o direito das populações tradicionais de Alcântara seja respeitado.

Então, o senhor não tem resistência à exploração da base? Pelo contrário, eu desejo que haja exploração comercial da base de Alcântara pelo maior número de países do mundo. A base é brasileira e deve continuar sendo brasileira. E deve ser alugada ou emprestada para qualquer país que queira fazer lançamento. Isso é bom para o Brasil ter receita e desenvolver um programa aeroespacial próprio.

O senhor se reelegeu com uma ampla aliança, na qual estava até mesmo o DEM. Não há divergências entre os projetos do DEM e do PCdoB? Certamente sim, mas isso não exclui alianças. Pelo contrário, aliança se faz com quem pensa diferente de você. Essa abertura tem de se dar em âmbito nacional, inclusive com partidos mais ao centro político.

O senhor considera o DEM de centro? Hoje, o papel do DEM tem sido uma força de equilíbrio quando olhamos para a atuação do Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, e Davi Alcolumbre, presidente do Senado. Se considerarmos que o bolsonarismo é a extrema direita, Maia e Alcolumbre estão hoje situados numa posição mais ao centro.

“Eu desejo que haja exploração comercial da base de Alcântara pelo maior número de países do mundo.”

 

O PCdoB é visto como um partido satélite do PT. No ano passado, a legenda ensaiou uma candidatura à Presidência da República, mas desistiu e apoiou Fernando Haddad. É um erro ter essa postura? Nós devemos ter o que sempre tivemos em relação ao PT: uma relação de proximidade, mas jamais de subordinação. Sempre um meio-termo.

Foi um erro do PT insistir na candidatura de Lula até o fim e só depois colocar Fernando Haddad na disputa? O que determinou o resultado da eleição foi o fato de nós virmos de sucessivas derrotas. Só vamos interromper este ciclo na medida em que ampliarmos a nossa união. Não conseguimos nos unir adequadamente e ampliar, com outros setores políticos, o perfil da candidatura de Haddad — até mesmo em direção ao centro, com liberais e sociais-democratas. Nós precisamos dessa união mais ampla para reverter o ciclo de derrotas.

O que o senhor pensa das críticas do ex-ministro Ciro Gomes ao PT? Eu acho que não é desejável ter esse nível de confrontação, de aspereza. Espero que prevaleça o diálogo.

Duas eleições para governador depois, o senhor tem intenção de ser candidato à Presidência em 2022? Está muito longe e seria um imenso equívoco perder o foco no governo do Maranhão. Por outro lado, se defendo uma ampla união, que deve começar pelas capitais já em 2020, meu partido não pode colocar uma candidatura que dificulte essa construção.

Como o senhor avalia a atuação da oposição ao governo? Nós temos de cumprir dois papéis. O primeiro é o de propor e apresentar ideias. Temos de manter essa atitude de apresentar opções. E, claro, o segundo papel é o de criticar o que consideramos errado. Até aqui, a atuação da oposição tem sido correta e necessária. A gente tem se manifestado por intermédio dos partidos, das nossas lideranças parlamentares e movimentos sociais.

O senhor e outros governadores do Nordeste assinaram uma carta na qual defendem a exclusão de quatro pontos da reforma da Previdência, algo que foi contemplado pelo relatório da Câmara dos Deputados: a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC), a mudança na aposentadoria rural, a desconstitucionalização do texto e a proposta de criação da capitalização. Com essas alterações, o senhor apoia a reforma? Esses são os quatro pontos principais, mas eu acho que está muito longe de alcançar condições para que a reforma possa ser justa. Infelizmente, a proposta é extremamente injusta socialmente. Não há dúvidas de que a reforma é necessária para o Brasil, e nós temos de enfrentar esse tema. Só considero que ela está mal encaminhada e não pode ser única. É um erro grave considerar que a reforma da Previdência é uma espécie de pedra filosofal, uma panaceia que vai sozinha salvar o Brasil.

“O que determinou o resultado da eleição foi o fato de nós virmos de sucessivas derrotas. Só vamos interromper este ciclo na medida em que ampliarmos a nossa união.

 

O senhor e os governadores do Nordeste criaram um consórcio na região. A intenção é depender menos do governo federal? Nós temos dois papéis para esse consórcio. O primeiro, mais administrativo, vai na direção de intensificar aquilo que chamo de federalismo cooperativo horizontal. Ou seja, cooperação entre os estados para prestação de serviços públicos e na realização de obras. É uma mudança qualitativa do federalismo brasileiro. O segundo papel é político, na medida em que ele fortalece os laços entre estados para uma atuação institucional conjunta no encaminhamento de pleitos ao governo federal.

Como o senhor avalia o tratamento do governo federal ao Nordeste até agora? Não tem faltado cortesia e gentileza. Eu, particularmente, não tenho nenhuma queixa em relação a isso. Como governador, tenho sido bem tratado de modo geral. A questão é que, infelizmente, a cortesia e a gentileza, até aqui, não se transformaram em algo concreto. Esperamos que isso mude.

O presidente Bolsonaro adota um discurso de endurecimento contra o crime e já flexibilizou as regras de porte e posse de armas. O senhor acredita que a esquerda também precisa endurecer o discurso contra a criminalidade para ganhar a eleição? Eu considero que são temas diferentes. Uma coisa é a firmeza no combate à criminalidade. No meu governo, por exemplo, tem firmeza nos termos da lei. Tanto é que conseguimos ter uma redução de 62% das mortes violentas na Região Metropolitana de São Luís. Essa firmeza traduzida em eficiência é positiva. É diferente imaginar que isso é a lei da selva em que as pessoas podem sair matando. O discurso armamentista não significa combate à criminalidade. Pelo contrário, onde tem mais armas tem mais mortes. Acaba sendo um aparente paradoxo, porque a liberação de armas é a favor do crime, e não contra ele.

O senhor apoia o pacote anticrime do ministro Sergio Moro? Tem pontos positivos, mas há um erro de origem. Pacote já é uma coisa negativa. Seria melhor discutir cada tema separadamente.

Como ex-juiz, o que o senhor pensa sobre a prisão em segunda instância?Tem de ser uma possibilidade, mas não pode ser obrigatória. A ideia de que a prisão em segunda instância é automática é um grande equívoco e contrária à Constituição, que diz que a presunção de não culpabilidade só se rompe com trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

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