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Deu no Correio: Pedrinhas, irregular desde o início

Correio Brazilense

RENATA MARIZ

AMANDA ALMEIDA

mi_4413186643638455O Ministério Público Federal (MPF) acusa o governo Roseana Sarney (PMDB) de fraudar a construção de um dos presídios do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, palco da selvageria que mergulhou o estado numa crise sem precedentes. Em uma ação penal que tramita na Justiça Federal, dois ex-secretários da atual chefe do Executivo local respondem por dispensa ilegal da licitação, em contrato milionário para a obra. Um deles, José Henrique Campos Filho, que ocupou a Secretaria de Administração e Previdência Social anos mais tarde, beneficiou-se diretamente da irregularidade, criando uma “pessoa jurídica de fachada” para abocanhar o serviço, sustenta a denúncia do MPF. Com os termos aditivos, o valor inicial da empreitada aumentou quase 50%, chegando a R$ 2,8 milhões.

Pela investigação do MPF, Campos Filho criou a Tecne Construções porque a sua empresa, Quartzo Engenharia, estava impedida de contratar com o Estado em razão de ter débitos na dívida ativa da União. O alvo da nova firma seria a obra em Pedrinhas, cujos recursos saíram de um convênio com o governo federal assinado em 21 de dezembro de 2000 — a Tecne foi criada em agosto. Embora o dinheiro tenha sido depositado na conta do Maranhão no dia seguinte, conforme mostrou auditoria do Tribunal de Constas da União (TCU), os gestores locais só decidiram pela construção em junho de 2001. O fato de a verba ter ficado parada durante seis meses levou o TCU a não aceitar a justificativa de “situação emergencial” apresentada pelo governo è época. “Os problemas carcerários eram conhecidos havia pelo menos cinco meses”, destaca documento do órgão fiscalizador.

Consta da denúncia que a Tecne Construções simulou uma coleta de preços com outras duas empresas, Premier Construções e Incorporações e Reforço Construções, para sair vencedora do processo simplificado de contratação. “Chama atenção o fato de as três empresas terem autenticado os documentos de habilitação no mesmo dia, no mesmo cartório e, pode-se mesmo dizer, na mesma sequência de selos fiscais”, diz a auditoria do TCU. Mas as irregularidades, segundo o MPF, não pararam por aí. O prazo de 180 dias para a conclusão do serviço não foi respeitado e houve prorrogação fictícia da obra, elevando em R$ 572 mil o valor do contrato.

Além de José Henrique Campos Filho, apontado como o verdadeiro dono da Tecne, foram denunciados Ricardo Laender Perez, secretário de Obras à época; Jorge Luis Pinto; descrito como responsável pela Premier Construções e Incorporações; e Maria de Fátima Pereira e Raimundo Pereira, ligados à Reforço Construções. Todos respondem na Justiça por participação em dispensa ilegal de licitação, cuja pena prevista é de 3 a 5 anos, além de multa. Os responsáveis pelas construtoras Premier e Reforço não foram localizados pela reportagem. O governo do Maranhão se limitou a dizer que “todos os esclarecimentos sobre o assunto já foram prestados ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Justiça Federal”.

O empresário José Henrique Campos Filho nega que seja ou tenha sido dono da Tecne Construções. Diz que foi contratado pela empreiteira para tocar, como engenheiro, a obra em Pedrinhas. Para ele, as irregularidades apontadas pelo TCU são uma “bobagem”, acrescentando que “botaram pessoas despreparadas” para fiscalizar a construção. “Todos os serviços feitos eram necessários e os recursos foram utilizados”, defende-se. Sobre a relação com a governadora Roseana Sarney, de quem foi secretário 10 anos depois do episódio, diz que era “profissional”. “Não era amigo dela e não sou hoje”, afirma Filho, filiado ao PRB, cujo histórico é de alianças com o governo Sarney.

Responsável
No contato inicial da reportagem com a Tecne, a pessoa que se identificou como Jacira disse que Carlos Alberto Mendes era o responsável pela empresa, estava viajando e só voltaria dias mais tarde. Cerca de quatro horas depois, o Correio fez nova ligação. Dessa vez, conseguiu ser atendido por Carlos, que se apresentou como consultor da empresa, ao dizer que a dona é Jacira Santana. “Não sei os detalhes (da denúncia), mas posso dizer que essa empresa não foi criada apenas para fazer a penitenciária de Pedrinhas. É uma empresa com várias licitações, várias obras importantes”, disse.

Ricardo Perez, por sua, refuta qualquer responsabilidade. “Eu tinha um secretário de Segurança que considerava a situação prisional caótica, uma comissão de licitação que aprovava a dispensa do processo e um parecer da Procuradoria-Geral do Estado, como posso ser responsabilizado?”, questiona o secretário de Obras à época. “Até a multa de R$ 5 mil aplicada pelo TCU foi anulada. Agora quero provar na Justiça que não tive responsabilidade.”

Alojamentos

Depois que a precariedade do sistema penitenciário do Maranhão ficou evidenciado em todo o país, com a morte de 62 detentos desde 2013, muitos deles decapitados, a Justiça estadual determinou a construção de estabelecimentos penais no prazo de 60 dias com alojamentos suficientes para abrigar a massa carcerária, de cerca de 6 mil detentos. Ainda ontem, a governadora Roseana Sarney sofreu outro revés, com o pedido de impeachment protocolado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (Cadhu) na sede da Assembleia Legislativa do Maranhão (AL-MA).

As ilegalidades
Veja os principais pontos da denúncia criminal ajuizada pelo MPF

» Dispensa irregular de licitação

» Desrespeito ao prazo de 180 dias para conclusão de obras e serviços na forma contratada

» Prorrogação irregular do contrato para evitar que o saldo de recursos existentes fosse devolvido

» Ampliação do contrato em R$ 572 mil sem justificativa

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