‘Decisão irretocável’, diz ex-juiz Márlon Reis, idealizador da Ficha Limpa após cassação de Deltan Dallagnol
Um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o advogado e ex-juiz Márlon Reis afirmou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomou uma decisão “irretocável” ao cassar o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Na avaliação do jurista, a votação por unanimidade tomada na Corte Eleitoral segue a postura do tribunal ao longo dos dez anos de aplicação da lei.
A decisão proferida nesta terça-feira deve ser cumprida imediatamente, ou seja, já é afastado do cargo. Porém, Deltan ainda poderá apresentar recurso ao próprio TSE e ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas já sem o mandato.
— Eu vi o voto, verifiquei os fundamentos e, na minha visão, foi uma decisão irretocável. É importante lembrar que a lei eleitoral é diferente da lei penal, que precisa ser interpretada da maneira mais restritiva possível, sem nenhum tipo de extensão ou analogia. Na matéria eleitoral, a maneira de interpretar segue outros princípios, pode haver extensão ou analogia. E isso é frequente, até para que essa interpretação possa atingir o espírito claro da lei, e não a sua literalidade — explica Márlon Reis.
Todos os ministros do TSE seguiram a posição do relator, o ministro Benedito Gonçalves, que considerou que Deltan pediu exoneração do cargo de procurador para evitar uma eventual punição administrativa, que poderia torná-lo inelegível. O advogado do ex-procurador, Leandro Souza Rosa, afirmou na sessão que ele não era alvo de nenhum processo administrativo disciplinar aberto (PAD) no Conselho Nacional de Ministério Público (CNMP) no momento em que pediu exoneração, em novembro de 2021.
Entretanto, Gonçalves considerou que havia outros tipos de procedimentos abertos no conselho de caráter preliminar, que poderiam acarretar PADs, e que por isso ele antecipou sua saída. Eram 15 procedimentos, incluindo nove reclamações disciplinares. Pela legislação eleitoral, ele só precisaria deixar o cargo, no máximo, a seis meses do pleito, no início de abril de 2022.
Decisão foi diferente da que manteve mandato de Moro
Márlon Reis avalia que a decisão foi “enriquecedora” ao distinguir o caso de Deltan Dallagnol do caso do senador Sergio Moro (Podemos-PR). Em dezembro, o TSE rejeitou pedido para cassar candidatura do ex-juiz da Lava-Jato e atual senador.
No caso de Moro, o tribunal não acolheu a impugnação, embora houvesse pedido pendente de abertura de procedimento administrativo disciplinar contra ele. O advogado lembra que o tribunal entendeu, na ocasião, não haver elementos para acreditar que o pedido de exoneração se deu em virtude das solicitações de abertura de PAD e com a finalidade de impedir o andamento deles.
— Naquele caso, a decisão foi política, o objetivo era tomar posse no cargo de ministro [da Justiça, do governo Jair Bolsonaro]. Mas o tribunal concluiu que Deltan Dallagnol poderia ter pedido a exoneração em abril de 2022, mas antecipou para novembro de 2021 na pendência de 15 pedidos de PAD. Se qualquer um deles fosse aberto, ele estaria inelegível. O tribunal concluiu que ele fugiu de uma muito provável, não só possível, abertura de PAD. O ministro [relator] entendeu que isso como sendo uma fraude à lei. Não se trata de ignorar o texto legal, mas de verificar que houve uma burla ao texto legal pelo candidato — explica o idealizador da Ficha Limpa.
Márlon Reis ressalta que a Lei da Ficha Limpa — prestes a completar 13 anos, em 4 de junho — não foi pensada para introduzir por lei a ética na política, mas sim, para aprimorar o regime de inelegibilidades e organizar o amontoado de normas a respeito num sistema que, antes, não funcionava. Para o advogado, a legislação tem cumprido o papel de controle das candidaturas, mas pode ser aprimorada.
— Eu só mexeria na Lei 9.504, a Lei das Eleições, que permite esse tipo de situação [de Deltan Dallagnol]. A pessoa se candidata e depois se decide se ela poderia concorrer ou não. Isso deveria ser antecipado. Quem quer ser candidato deveria pleitear declaração de elegibilidade antes e só ir para as urnas quem já tivesse passado por esse crivo. Uma decisão dessa, tomada nesse momento, depois das urnas, é sempre frustrante, em especial para o eleitor — destaca Márlon Reis. (O Globo)
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