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Cresce parcela que não quer se vacinar contra Covid-19, e maioria descarta imunizante da China

Mesmo com a vacina contra a Covid-19 no horizonte, já em aplicação no Reino Unido, recém-autorizada nos Estados Unidos e com data para começar no Brasil (caso os testes se mostrem seguros), cresceu a parcela da população brasileira que não pretende se imunizar contra o novo coronavírus, segundo pesquisa Datafolha.

Ao todo, 22% dos entrevistados disseram que não pretendem se vacinar, enquanto 73% disseram que vão participar da imunização —outros 5% disseram que não sabem. Pesquisa nacional feita em agosto apontava que apenas 9% não pretendiam se vacinar, contra 89% que diziam que sim.

Como nenhuma vacina tem 100% de eficácia, ou seja, como o fato de se vacinar não significa que alguém esteja totalmente imune à doença, é necessário que uma parcela expressiva da população receba o fármaco para evitar a disseminação do vírus, explica o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Isso significa que, mesmo que uma vacina não funcione para um indivíduo, ele pode não ser infectado se as pessoas ao seu redor estiverem protegidas.

Além disso, há uma parcela da população que não pode ser vacinada. No caso das vacinas contra a Covid-19, isso diria respeito por exemplo às grávidas, que não participaram dos estudos de imunizantes.

Estas dependem da imunização das pessoas ao redor —é a chamada imunidade de rebanho, que só se consegue atingir com a vacinação em massa, afirma Lotufo.

O Datafolha aponta que a resistência à vacinação é similar em diferentes grupos, importando pouco o sexo, idade, escolaridade ou renda mensal. A diferença é mais significativa, porém, quando se considera a confiança da população no governo atual.

Ao todo, 33% dos brasileiros que dizem sempre confiar no presidente Jair Bolsonaro disseram que não vão se vacinar, enquanto esse número cai para 16% entre os que dizem que nunca confiam no chefe do Executivo.

A pesquisa foi feita em meio à chamada “guerra da vacina”, disputa entre o presidente e o governador paulista, João Doria (PSDB), seu rival político, que anunciou importação, fabricação e até data de imunização de forma independente do governo federal.

Doria tem usado a vacina como principal arma política para uma candidatura à Presidência em 2022 e, embora tenha se agarrado ao slogan Bolsodoria para se eleger governador dois anos atrás, hoje usa o imunizante como meio de antagonizar com Bolsonaro, que menosprezou a gravidade da pandemia.

O governador paulista assinou acordo em junho com a farmacêutica chinesa Sinovac para produção de uma vacina contra a Covid-19, a Coronavac, em parceria com o Instituto Butantan, centro de pesquisa ligado ao governo paulista que já produz uma série de imunizantes utilizados no país.

A vacina contra a Covid-19 está no fim da última fase de testes e, mesmo sem apresentar os resultados à Anvisa, agência reguladora responsável por aprovar seu uso, Doria anunciou que a vacinação começa em 25 de janeiro, aniversário de São Paulo.

Com a paralisia do governo federal no desenvolvimento e compra de imunizantes de outras fabricantes, governadores e prefeitos Brasil afora buscaram o governador paulista para comprar a vacina produzida no Butantan.

O Datafolha mostra, porém, que o governador terá outro desafio: a população brasileira tem muito mais resistência a uma vacina desenvolvida pela China (a qual metade dos entrevistados responderam que não tomariam), do que um imunizante produzido pelos Estados Unidos, pela Inglaterra ou pela Rússia.

A confiança em uma vacina produzida pelos chineses cresce conforme a renda (72% dos que ganham mais de 10 salários mínimos) e a escolaridade —65% dos que têm ensino superior dizem que tomariam o imunizante chinês, mas, mesmo esse grupo, tem mais abertura a uma vacina americana (86%), inglesa (85%) ou russa (71%).

Doria captou o movimento e, para evitar o preconceito com a “vacina da China”, passou a chamar publicamente o imunizante da Sinovac de “vacina do Brasil” e “vacina do Butantan”.

O Butantan, por sua vez, começou uma campanha ativa nas redes sociais para desmentir notícias falsas e boatos como o de que a vacina seria cancerígena ou poderia alterar o código genético.

O centro de pesquisa também estreou uma propaganda na TV em que diz: “Se a vacina é do Butantan, pode confiar.”

Para Júlia Rosa, mestre em Estudos de China Contemporânea pela Universidade Renmin, em Pequim, a desconfiança em relação a uma vacina chinesa se dá por dois motivos: descrença na capacidade do país de fazer algo tão importante e xenofobia.

Rosa, editora do Shūmiàn, plataforma de notícias e análises sobre o país asiático, diz que a China ainda carrega o estigma “de fazer coisas que não duram, que não são bem feitas. É a fama do ‘made in China’, que o país tem tentado reverter e ainda permanece, apesar de ser uma das nações mais inovadoras em termos de tecnologia”, afirma.

Além disso, diz, uma parcela da população resiste ao imunizante por xenofobia, que não é nova, mas que foi agravada pela pandemia —uma vez que o vírus se disseminou a partir do país asiático—, bem como por tensões políticas, com discursos racistas respaldados por autoridades, na avaliação dela.

A pesquisa Datafolha mostra também que a maioria dos brasileiros (56%) disse querer que a vacina seja obrigatória para toda a população, enquanto 43% são contrários à obrigatoriedade.

Bolsonaro tem se posicionado contra essa possibilidade e chegou a dizer, em uma transmissão nas redes sociais na última quinta-feira (10), que “vacina obrigatória é antirrábica”, em referência à vacina contra a raiva usada em cachorros e gatos.

Diferentemente de outros países, o Brasil não tem um movimento antivacina organizado, mas a cobertura vacinal no país vem baixando nos últimos anos, e vacinas como a da poliomielite e hepatites A e B não estão batendo as metas do Plano Nacional de Imunizações.

A pesquisa Datafolha foi feita entre 8 e 10 de dezembro com 2.016 brasileiros adultos em todas as regiões e estados do país, por telefone, com ligações para aparelhos celulares (usados por 90% da população). A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Segundo o Datafolha, o método telefônico exige questionários rápidos, sem utilização de estímulos visuais, e, por isso, os dados devem ser analisados com alguma cautela. Folha de SP

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