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Como os “rolezinhos” salvaram Roseana Sarney

rose-okBlog do André – Quinze dias atrás, a explosão de violência no Maranhão era a pauta do país. O descaso com a segurança; a brutalidade nas cadeias; a lambança dos políticos; Ana Clara Souza, 6 anos, morta em holocausto; a responsabilidade da governadora Roseana e do clã Sarney.

Chegaram a propôr o impeachment de Roseana Sarney. Balões de ensaio em colunas de jornal sugeriam que o governo federal poderia abandonar Roseana à sua própria sorte. Dependendo do desenrolar do caso, o PT retiraria o apoio à sua reeleição. A extensa ficha corrida de José Sarney foi relembrada. Aqui no blog, lembrei os eleitores que, no Brasil, votar é sempre votar nos Sarney.

Assunto encerrado. A pauta do momento é o… rolezinho. São grupos de jovens da periferia, que marcam de se encontrar em shoppings, às centenas. A maioria, menores de idade da Zona Leste de São Paulo.

Apesar da rapaziada não cortar cabeça de ninguém, não incendiar criança, e muito menos meter a mão nos cofres públicos, o rolezinho ocupa as manchetes, os jornais da TV, os comentaristas. Rende papo nas padarias. Todo mundo tem sua posição. A presidente da república até convocou os ministros para discutir o rolezinho.

E o Maranhão? Sumiu das manchetes. As cadeias se mantém sob controle das mesmas facções. Os mesmos poderosos continuam dando as mesmas cartas. Continua sendo o segundo estado mais miserável, ignorante etc. do país, padrões subsaarianos de existência, após cinco décadas de domínio dos Sarney. O entregador Marcio Ronny, que tentou salvar Ana Clara, continua internado, com 70% do corpo queimado. Mas isso não importa agora. O que importa é o rolezinho.

O primeiro rolezinho aconteceu em 8 de dezembro. Mas virou o tema político-policial mais quente do país nesta última semana. No dia 11, a PM retirou com a truculência habitual um grupo de 400 jovens do Shopping Itaquera, alegando que houve arrastão. Dia seguinte, um guarda municipal foi agredido durante um rolêzinho. A temperatura esquentou. Novos rolezinhos foram marcados, em outros shoppings, e outras cidades.

O que tanto eles vão fazer no shopping? O que adolescente faz? Adolescente bagunça. Jovem quer diversão, quer causar, quer dar uns pegas em alguém. As entrevistas com meninos e meninas repetem sempre o mesmo: eles se arrumam, e vão lá pra dar uns beijos em alguém, cantar uns funks, dar risada e comer cheeseburguer. No meio de tanta gente vai ter quem apronte? Previsível.

O Movimento Sem-Teto também marcou seu rolê, “em apoio a esses jovens da periferia que não têm acesso a nada”. A juventude do PT declarou apoio aos rolezinhos. A OAB disse que é uma “continuidade das manifestações de junho”. Entidades denunciaram que a repressão aos rolês é “apartheid”, símbolo de tudo que há de errado em nossa sociedade. Os shoppings, onde os garotos dos rolezinhos compram seus tênis Mizunos, se resguardaram juridicamente. Quer entrar, mostre o RG; se zoar, vai pagar uma multa de dez mil reais. Rolezinho atrapalha as vendas, tirando as do McDonald’s.

Para acabar de armar o circo, o senador por São Paulo, Aloysio Nunes Ferreira, foi ao Twitter denunciar os rolezinhos. Cortejava o grupo que o elegeu, classe AB, segmento que aliás gera a maior fatia do lucro dos shoppings. Naturalmente, quem se opõe aos tucanos ganhou mais munição para gritar aos quatro ventos: preconceito! Racismo!

E tome reportagens histéricas na tevê. E tome teorizol e sociologês. Tome artigos e manifestos e tweets e posts no Facebook bradando alto contra a exclusão. Explicando que o rolezinho é uma atitude política. Que é continuação dos protestos do ano passado. Que se trata dos jovens excluídos contra os poderosos, e tal e pá.

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Foi tanto barulho sobre os rolezinhos que esquecemos o Maranhão. Tanta revolta com o abismo que separa nossos poucos ricos e muitos pobres, e Roseana está sã e salva. Os Sarney saem novamente incólumes. Impeachment? Imagine. Apoio total do governo federal? Com certeza. Quem mais gritou defendendo os rolezinhos não teve voz nenhuma para atacar a governadora. Tudo de volta à “normalidade” maranhense. O ministro da justiça até aproveitou e saiu de férias.

Boa hora para ouvir com atenção Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, amigo e advogado da família Sarney. Ele é defensor dos ricos e poderosos, e especialista em causas midiáticas. Ajudou Roberto Carlos a recolher sua biografia não-autorizada das livrarias. Defende Gustavo Perrela, deputado em cujo helicóptero foram apreendidos 445 quilos de cocaína. Livrou Duda Mendonça do mensalão. Defendeu 17 ministros do governo FHC, e também José Dirceu.

Kakay é, em uma palavra, o melhor. Porque quase sempre enterra os processos antes deles irem a julgamento. Sua arte não é convencer júris. É virar o jogo antes, atuando nos bastidores e pautando as manchetes.

Em 2002, Roseana Sarney tinha sido ungida por um grupo de superpoderosos da política, indústria e imprensa como a candidata da situação, a que tinha mais chance de derrotar Lula. Sua candidatura foi abatida quando a Polícia Federal encontrou R$ 1,34 milhão, em dinheiro, na sede da empresa Lumus, sociedade de Roseana com seu marido (artes de José Serra, dizem até hoje os boatos; figura desagradável, mas se verdade, agradeço de coração).

Kakay evitou a abertura de processo para investigar a origem do dinheiro. Em um ano, as notas apreendidas foram devolvidas à Lumus. Em entrevista ao Valor, Kakay não resiste à galhofa: “o dinheiro inclusive serviu para pagar meus honorários.”

Conectei Kakay com os rolezinhos quando ele explicou, com o mesmo humor, a útil e sutil arte de enterrar um caso cabeludo, chocante, que está nas manchetes – como, digamos, a recente (e permanente) crise no Maranhão. “Tem que dar a sorte de aparecer um escândalo maior”, diz Kakay. Ou criar um onde não há.

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