Como Bolsonaro minou o combate à corrupção para proteger a família
Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
Bastou se aproximar do Centrão, da ala fisiológica do MDB e dos ministros antilavajatistas do Supremo Tribunal Federal que Jair Bolsonaro, logo quem, passou a ser visto por setores da política (os mesmos acima, diga-se) e até da imprensa como alguém imbuído da disposição de construir pontes.
Trata-se de uma leitura entre cínica e ingênua de uma realidade bastante clara aos olhos de quem quiser ver. Bolsonaro continua onde sempre esteve: avesso à ideia de qualquer composição a não ser as de ocasião, que lhe permitam lograr seus intentos na política e proteger a si e aos filhos da perigosa aproximação das garras da lei quando esticaram demais a corda da ruptura institucional e/ou foram com sede ao pote demais nos recursos públicos a que tiveram acesso nas suas longas carreiras políticas dotadas de todos os vícios de um clã tradicional brasileiro.
Eduardo Bolsonaro, o “03”, conhecido por ser dos menos brilhantes da família, deixou claro o jogo nas redes sociais, com direito a erro de português: “Não é arrependimento, é espertise (sic) de mudar de estratégia pois o plano original fracassou”.
Não precisa desenhar. O plano original era fazer as instituições se curvarem diante de uma tropa golpista, “antiestablishment”, como adorava se gabar o “estrategista” Filipe G. Martins. A pandemia foi o gatilho para colocar o plano original em marcha, com direito a uso de terroristas como Sara Winter, que agora se diz decepcionada, e seus 30 gatos-pingados.
O fracasso constatado pelo ex-quase-embaixador veio do próprio STF, que colocou freio aos delírios autoritários de Bolsonaro.
A “espertise”, assim com “s”, talvez, além de desconhecimento da língua, aponte um ato falho: o filhote quis provavelmente fazer menção à esperteza de mudar de time para evitar o tão temido impeachment e frear as investigações que chegavam perto de Flávio (rachadinhas e aumento de patrimônio), do próprio Eduardo (gabinetes do ódio, aumento de patrimônio), Michele (depósitos em dinheiro da família Queiroz e dinheiro de doações desviado para programa assistencial da primeira-dama), Carlos (rachadinha, aumento de patrimônio, fomento a atos golpistas, gabinetes do ódio) e de si próprio (aparelhamento da Polícia Federal, responsabilização pelo agravamento do enfrentamento da pandemia e participação em atos antidemocráticos).
Construção de pontes? Faz-me rir, faz-me engasgar, pedindo licença a Chico Buarque para usar seus versos tão precisos.
Bolsonaro tem por figuras como Renan Calheiros, Toffoli, Gilmar Mendes, Kassio Nunes e Ciro Nogueira o mesmo apreço que por Sérgio Moro, Gustavo Bebianno, general Santos Cruz, Luciano Bivar, Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Paulo Guedes, Bia Kicis, Carla Zambelli ou Jorge Oliveira: nenhum. Assim como já fez com vários desta lista, pode descartar os demais se disso depender sua sobrevivência e a dos seus.
O presidente tem na covardia e na insegurança alguns de seus traços de caráter mais notórios, bem como o pouco apreço à gestão e o instinto destruidor de tudo aquilo que signifique construção de marcos institucionais, conquistas de minorias e legados civilizatórios.
O que Bolsonaro constrói com afinco, além de um robusto patrimônio na forma de imóveis comprados com farto uso de dinheiro vivo oriundo de gabinetes, é um bunker no qual se abrigar e abrigar mulher e filhos.
Disso decorrem a indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, a troca de Moro por André Mendonça, as mudanças no Coaf, a tentativa de interferir também na Receita e, agora, a escolha de Kassio Nunes para o STF.
A ponte (pinguela, no caso) pode bem ser implodida depois que por ela passar o último Bolsonaro, pouco importando quem for deixado para trás.
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