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Atritos políticos e avanço liberal marcam seis meses do governo Bolsonaro

O Globo – No dia 5 de abril, ao inaugurar um novo espaço de atendimento da ouvidoria da Presidência da República, Jair Bolsonaro desabafou:

— Desculpem as caneladas, não nasci para ser presidente. Nasci para ser militar, mas no momento estou nessa condição de presidente e, junto com vocês, nós podemos mudar o destino do Brasil.

O presidente completa hoje seis meses de um governo que enfrentou solavancos na política e tem conseguido avançar na economia — não raro as duas coisas simultaneamente. A principal pauta na área, a reforma da Previdência, avança na Câmara, mesmo que numa versão “mais magra” do que a elaborada pelo ministro Paulo Guedes. A abertura de setores para concessões e privatizações vai na linha liberal prometida desde a campanha, e a recente assinatura do acordo econômico entre Mercosul e União Europeia é uma conquista que Bolsonaro busca capitalizar.

Disposto a emplacar mudanças que atendam a seu ideário, como a agenda armamentista, Bolsonaro comanda um governo visceralmente apegado às suas convicções, não importam as consequências. As crenças vão dos pingentes de nióbio comprados no Japão para mostrar o valor do mineral no Brasil ao poder de sua caneta, que, afirma publicamente, vale mais do que a do presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O ex-colega de Parlamento é um dos principais defensores da pauta mais cara ao governo e às contas públicas, a reforma da Previdência. A caneta presidencial, no entanto, ainda não teve tinta suficiente para fazer passar seus decretos de armas, editados já sete vezes, mais de um texto para cada mês de governo.

No noticiário do Planalto, o primeiro semestre foi marcado pela disputa entre as alas militar e ideológica, mas o que prevaleceu foi a ala familiar. Animosidades públicas de seus filhos políticos, principalmente o vereador do Rio Carlos Bolsonaro, formaram um campo minado que derrubou, pela caneta presidencial, ministros palacianos como Gustavo Bebianno e Carlos Alberto dos Santos Cruz. No Congresso, Rodrigo Maia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não escondem insatisfações com o que chamam de falta de agenda e “trapalhada” da articulação política.

É nesse clima que o Parlamento tem convivido com Bolsonaro. Outras características são a intransigência perante subordinados, conflitos com outros Poderes, fortalecimento de bandeiras ideológicas e uso das redes sociais para pressionar. Seja quem for. As principais pautas sofrem atropelos no Congresso.

— É um governo que ainda não tem uma diretriz. De manhã é uma coisa, de noite é outra. Cria um clima de instabilidade que todo mundo percebe — resume Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria na Câmara.

Modelo fracassado
A intenção de governar com ajuda das bancadas temáticas no Congresso fracassou já nas primeiras semanas de governo. O próprio presidente admitiu recentemente que terá de voltar ao modelo antigo de Michel Temer, usando a Secretaria de Governo para negociar com a Câmara. Assim, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deverá abandonar a articulação política em breve. Delegado Waldir (GO), líder do PSL na Câmara, aposta que a decisão é acertada:

— Foi uma escolha que o governo fez, não quis montar uma base. Ele (Bolsonaro) acreditou que era possível votar apenas com bancadas temáticas, e se equivocou. Assumiu o erro, tanto que mudou a articulação.

O general Luiz Eduardo Ramos assume em julho a Secretaria de Governo. A expectativa é que ele nomeie um político para auxiliar na articulação. Onyx, porém, só perderá a função após aprovar a reforma da Previdência na Câmara. Para isso, precisará, segundo líderes da Casa, cumprir as promessas que fez de cargos e emendas a deputados.

Na semana passada, Bolsonaro se queixou de que o Congresso quer transformá-lo na “rainha da Inglaterra”. O Parlamento atuou sucessivas vezes e impôs limites neste ano. Aprovou o Orçamento Impositivo, que restringe o poder do Executivo de decidir para onde vai a verba federal, e reduziu o período de tramitação de medidas provisórias, tornando mais difícil legislar por este instrumento.

Resta agradar ao eleitorado com ideias peculiares, afrouxando a fiscalização de trânsito, por exemplo. Nos sete decretos das armas, o resultado foi tão confuso que parlamentares não sabem até agora opinar sobre se o acordo com o Congresso foi cumprido. “O governo está sem jurídico”, comentaram parlamentares com formação na área nesta semana.

Nas relações exteriores, o governo seguiu em clima de campanha com o chanceler Ernesto Araújo. Abandonou o eixo da esquerda latino-americana dos governos petistas e se aproximou de líderes de direita nos Estados Unidos, Polônia, Itália e Hungria.

Apesar da guinada à direita, o presidente também se deparou com limitações para seus desejos. Na promessa de transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, não pôde desagradar aos ruralistas que dependem do mercado árabe, e abriu apenas um escritório.

Por outro lado, a assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia sinaliza ganhos bilionários no PIB e nas exportações, na melhor notícia do semestre da pauta externa do governo.

Guerras palacianas
Não são só deputados ou diplomatas estrangeiros que desconfiam de Bolsonaro. No Palácio do Planalto, o clima é de tensão constante. Integrantes do governo são dispensados quando há indício de “traição” ao presidente, na maioria das vezes com uso das redes sociais para desgastá-los. O primeiro a cair com essa prática foi Gustavo Bebianno, então secretário-geral da Presidência, em fevereiro.

Depois, saíram o general Santos Cruz, secretário de Governo, Joaquim Levy, presidente do BNDES e Juarez Cunha, presidente dos Correios. Até o vice-presidente Hamilton Mourão foi alvo de torpedos desse grupo.

Centralizador, o presidente tenta mostrar que radicais e militares não ditam suas ações. Segurou Santos Cruz por um mês após ele ser denunciado como esquerdista, para não desagradar aos militares. Contratou para a Secretaria de Comunicação (Secom) um nome ligado ao mercado, Fábio Wajngarten, para um meio de campo entre as alas ideológica e militar. Estratégico, Wajngarten quer melhorar a popularidade do presidente com publicidade tradicional em veículos de mídia.

Apesar da promessa de que seria o “posto Ipiranga”, o ministro Paulo Guedes teve de se submeter mais de uma vez às demandas do Planalto. O comandante da Economia não conseguiu incluir no projeto da reforma da Previdência uma idade igual para homens e mulheres, nem impedir a suspensão do aumento do diesel. Entre o liberalismo de Guedes e as corporações, prevalece a vontade do presidente.

Guedes sofreu seu mais duro revés quando o relatório da Previdência foi alterado para retirar o regime de capitalização, proposta encaminhada ao Legislativo sem detalhes de como funcionaria.

Dúvidas persistem
O ministro Sergio Moro também se deparou com uma dura realidade da política. Não foi ouvido nas idas e vindas dos decretos de armas, seu pacote anticrime não foi tratado como prioritário, teve de recuar de uma indicação para um conselho consultivo após repercussão negativa nas redes sociais e está vivendo sua primeira crise de imagem diante das supostas conversas reveladas pelo site “The Intercept”.

Antes de se posicionar, Bolsonaro aguardou sua equipe analisar o efeito das revelações sobre a reputação de Moro. A repercussão foi menos negativa do que se imaginou, então o presidente defendeu o ministro. Resta saber, agora, se, diante de tantos conflitos e incertezas, Bolsonaro continuará se fiando na confiança da população no ex-juiz Sergio Moro como uma das balizas de seu governo.

Pergunta, entre tantas outras, que nem o mais fiel bolsonarista do Planalto se arriscaria cravar uma resposta.

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