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O Canto da Sirena

JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Corregedor-geral da Justiça
E-mail: [email protected]

Na intimidade, costumo contar a minha maior decepção; aquela que modificou a minha vida – e a de muitos no meu entorno –, levando-me a ser quem sou, daí posso afirmar que ela foi o combustível que me moveu – e ainda me move – até os dias atuais. É algo muito pessoal, e somente os mais íntimos sabem dela e do que ela significa para a minha vida.

Essa grande decepção – como as decepções em geral – tem a ver, sim, com as expectativas que criei – e que criamos – em torno de quem, podendo ser uma referência, preferiu tornar-se a minha maior desilusão.

Como qualquer ser humano, fui construindo, na infância, na juventude e até na vida adulta, um castelo de sonhos e de expectativas em torno de quem, depois, se revelou um engodo, fazendo ruir o castelo que construí, e, com isso, claro, os meus sonhos, levando-me a uma enorme frustração que marcou a minha vida e a da minha família, conquanto já houvesse sinais, desde muito cedo, de qual seria o desfecho.

A verdade é que alimentamos a nossa mente de sonhos e expectativas. Nesse afã, edificamos verdadeiros castelos de areias, que, por esta ou aquela razão, acabam sendo derrubados pela realidade, deixando-nos um sentimento de frustração, decepção e desilusão.

O que desejo, a propósito dessas reflexões, é reafirmar que, sendo a decepção um sentimento universal, que nos afeta em determinados momentos da vida, o ideal seria não nos deixarmos levar pelo “Canto da Sirena” – aqui usado metaforicamente para descrever algo que é atraente e sedutor, mas que pode conduzir a consequências negativas ou perigosas – e que, ao fim e ao cabo, pode nos levar de encontro aos rochedos.

Importa indagar, pois, em face do que me proponho a refletir aqui e agora: as decepções são evitáveis? A quem cabe a responsabilidade por elas? A nós mesmos, em face das nossas fraquezas e incapacidade de discernimento? Ou devemos imputá-las às pessoas em torno das quais construímos nossos sonhos?

Penso que, na maioria das vezes, o responsável pelas nossas decepções somos nós mesmos, incapazes que somos de compreender que as pessoas são o que são, que têm seus próprios sonhos e desejos, os quais não correspondem, necessariamente, aos nossos interesses e às nossas expectativas.

É preciso compreender – e muitas vezes não somos capazes de discernir – que as pessoas são únicas, que cada uma carrega suas próprias lutas, medos, desejos e sonhos, nos quais, muitas vezes, não estamos incluídos.

O que se deve fazer, então?

Há apenas um caminho: gerenciar os nossos sonhos e olhar a realidade como ela se apresenta. Assim o fazendo, podemos, sim, controlar nossas expectativas em face do semelhante, para, no mesmo passo, controlar as nossas frustrações.

Quando nos decepcionamos com alguém, devemos aproveitar o ensejo para refletir sobre as expectativas que depositamos nessa pessoa, pois a decepção pode estar muito mais em nós do que em outrem.

O sentimento de tristeza ou frustração, decorrente de uma expectativa não alcançada, pode ser uma singular oportunidade para levantar a cabeça, para abrir a camisa, encher o peito e marchar firmemente noutra direção – que não seja aquela que nos leve aos rochedos do naufrágio, como ilustra a alegoria que utilizei.

Como anotado acima, mas importa reafirmar: a decepção não se dá, necessariamente, em face dos outros, mas, muitas vezes – embora não admitamos –, por nossa conta e risco, quando fracassamos em nossas metas pessoais e atribuímos a alguém uma quebra de confiança que, na verdade, só existiu em nossa mente.

É preciso, portanto, romper com os sonhos que sabemos ser irrealizáveis, em função dos quais somos os maiores responsáveis, na medida em que projetamos nos outros nossos desejos e expectativas, que podem, sim, nos levar a uma intensa tristeza e enorme frustração, permeadas de raiva e desmotivação.

É isso.

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