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O reconhecimento social

RUY PALHANO
Psiquiatra, membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).

Existe, no interior da experiência humana, uma necessidade que antecede a linguagem, a educação e até mesmo a consciência reflexiva: a necessidade de ser visto, reconhecido, aceito e confirmado pelo outro. Não se trata apenas de vaidade ou de um desejo social aprendido ao longo da vida, mas de algo mais profundo, quase orgânico, como se o sujeito necessitasse do olhar do outro para confirmar a própria existência. Desde muito cedo, o ser humano demonstra sinais claros de que a aprovação externa não é acessória, mas estruturante; a indiferença, mais do que a crítica, costuma ser vivida como uma forma de aniquilamento simbólico profundo.

Essa avidez por reconhecimento emerge antes mesmo de qualquer construção cultural elaborada. O recém-nascido, ainda incapaz de interpretar racionalmente o mundo, responde ao toque, à voz, ao olhar e ao acolhimento. Seu desenvolvimento psíquico não ocorre no isolamento, mas na relação. O sorriso adequado, o tom de voz tranquilizador e a presença afetiva funcionam como sinais vitais não apenas para a sobrevivência física, mas para a organização emocional primária, indicando que o pertencimento e o ato de ser percebido é condição fundamental da constituição do eu.

Nesse percurso inicial de formação, torna-se indispensável sublinhar que o reconhecimento — ou a ausência dele — no desenvolvimento infantil, sobretudo no interior do próprio lar, pode se configurar como um dos fatores mais graves na formação da personalidade. A criança que cresce sem ser confirmada afetivamente, sem sentir que seus gestos, emoções, conquistas e até seus medos são vistos e legitimados por aqueles que deveriam oferecer segurança primária, tende a construir um eu frágil, inseguro e permanentemente carente de validação externa.

A falta de reconhecimento intrafamiliar não se manifesta apenas como sofrimento momentâneo, mas como marca estrutural: produz adultos que duvidam de si, que se sentem inadequados, que oscilam entre a submissão extrema e a busca compulsiva por aprovação ou, em movimento oposto, desenvolvem defesas narcísicas rígidas para encobrir um vazio originário gigantesco.

Quando a casa — que deveria ser o primeiro território de reconhecimento e acolhimento simbólico — se transforma em espaço de indiferença, crítica desqualificadora ou ausência emocional, o dano é irreparável e não é apenas relacional, mas formador, incidindo diretamente sobre o amor-próprio, a autoestima, a autoconfiança básica e a capacidade futura de estabelecer vínculos saudáveis.

Do ponto de vista antropológico, o homem sempre foi um ser de grupo, gregário, social. A vida em comunidade garantiu proteção, alimento, procriação, continuidade genética e transmissão de saberes. Ser aceito representa segurança; ser rejeitado é, muitas vezes, equivalente à morte. Essa memória arcaica permanece viva e inscrita no corpo e no psiquismo de todos nós, fazendo com que o reconhecimento social atual seja vivido como necessidade vital, imprescindível ainda que simbolicamente.

A filosofia já havia percebido essa dimensão relacional essencial dos seres humanos. Aristóteles afirmava que o homem é, por natureza, um ser político, isto é, alguém que só se realiza plenamente na convivência. Fora da comunidade, restariam apenas os deuses ou as feras. Essa ideia aponta para o fato de que a identidade não se constrói no isolamento, mas no reconhecimento mútuo e no laço social que valida a presença de cada.

Mais tarde, Hegel aprofundaria essa concepção ao afirmar que a consciência de si depende do reconhecimento de outra consciência. Não basta existir biologicamente; é preciso ser simbolicamente reconhecido como existente. O desejo humano não se dirige apenas aos objetos, mas sobretudo à confirmação de que se é visto e validado pelo outro, sendo a invisibilidade uma das experiências mais dolorosas para a psiquê.

Na psicologia moderna, essa necessidade aparece formulada de modo ainda mais claro. Abraham Maslow incluiu a pertença e a estima como necessidades humanas fundamentais, situadas antes mesmo da autorrealização. Sem sentir-se aceito e valorizado, o indivíduo tende a desenvolver insegurança, ansiedade e um sentimento persistente de insuficiência, de autodesprezo e de desvalia mesmo quando externamente bem-sucedido.

A biologia também confirma essa dimensão. Estudos neurocientíficos demonstram que o reconhecimento social ativa circuitos cerebrais de recompensa, liberando neurotransmissores associados ao prazer e ao bem-estar como a dopamina. O elogio sincero, o incentivo e o afeto produzem efeitos corporais reais, mostrando que o reconhecimento não é apenas simbólico ou cultural, mas também neurobiológico.

Culturalmente, cada sociedade organiza formas próprias de conceder reconhecimento: rituais de passagem, títulos, elogios públicos, pertencimento institucional. Mesmo em culturas que valorizam a discrição, o reconhecimento aparece de forma indireta, mas nunca ausente. O ser humano suporta inúmeras privações, mas raramente suporta, sem adoecer, longos períodos de invisibilidade afetiva.

O cenário contemporâneo, porém, introduz uma distorção importante: o reconhecimento passa a ser mediado por performance, exposição e comparação constante. A confirmação do valor deixa de emergir da relação autêntica e passa a depender de métricas externas. Quando isso ocorre, instala-se um campo fértil para o sofrimento pessoal. A oscilação do reconhecimento, o silêncio ou a crítica tornam-se ameaças desproporcionais ao eu. Surgem ansiedade, angústia, sensação de vazio, inveja, ódio, ressentimento e uma permanente impressão de insuficiência, mesmo diante de conquistas objetivas.

É fundamental, portanto, distinguir a necessidade saudável de reconhecimento — aquela que confirma, fortalece e integra — da busca psicopatológica por aprovação incessante. A primeira contribui para a construção do eu; a segunda aprisiona o sujeito numa busca interminável por validação externa.

Do ponto de vista existencial, o desafio humano consiste em integrar essa necessidade sem negá-la nem absolutizá-la. Reconhecer que precisamos do outro para nos constituirmos não significa abdicar da autonomia interior, mas compreender que a solidez interna permite receber o reconhecimento como uma condição de sobrevivência.

Em última instância, a busca por ser visto, querido e reconhecido e aceito revela algo ainda mais profundo: o desejo humano de confirmação de valor existencial. Ser reconhecido é ouvir, simbolicamente, que “vale a pena existir”. Quando essa confirmação falha de forma persistente, especialmente nas origens da vida, o sofrimento que se instala é estrutural. Assim, a necessidade de reconhecimento é simultaneamente biológica, antropológica, psicológica e sociocultural. Não é um capricho moderno, mas um dado constitutivo da condição humana. O equilíbrio está em acolher essa avidez como parte de nós, sem permitir que ela se torne a única fonte de sentido, lembrando que o olhar do outro nos constitui, mas não pode, sozinho, nos sustentar inteiramente.

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