“Besta” é quem discute por “eles”

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado e delegado de Polícia Civil aposentado.
Ouvi, em diversos momentos na caminhada da vida, a frase acima cujo título realça o presente artigo. Contudo, ponderava-a perante meus consortes sempre que podia, mas no afã de permanecer acesa a chama dos sonhos, ainda que utópicos, por um país melhor para todos no porvir.
Digo utopia quando as coisas se tornaram tão evidentes, acerca de como funcionam as engrenagens por trás dos bastidores políticos do país. Desde os campos da abjeta política fracionada partidária brasileira à forma como contaminou e contamina com suas ideologias a funcionalidade dos Poderes da República nos últimos anos do ainda existente, ao menos no papel, Estado Democrático de Direito, no país dos Bruzundangas do nosso querido literário e profético Lima Barreto, já nos idos de 1898. Meu Deus! Como nada mudou…
A venalidade da nação perpassa por interesses pessoais ou grupais, onde, tentar mudar o quadro, a cruz da rejeição o espera de “braços abertos no cartão postal” do Cristo Redentor, parafraseando a banda musical Paralamas do Sucesso, nos idos da década de 80.
No fundo, há lavagens cerebrais para todas as facetas representativas, seja lá aos adeptos à direita, esquerda ou centrão dos “infernos” que vemos e ouvimos tantas estórias no cotidiano nacional que, sem filtro, terminam direcionando a uma adesão que somente intoxica o bem intencionado optante, ainda que realmente tenha boas intenções.
O chato ou incomodativo é ouvir ou ver a eloquência pela qual cada um defende suas bandeiras de escolhas. Há tantas paixões alienantes, que, facilmente, se percebe o grau de cegueiras pelas lavagens cerebrais tão difundidas nos quatros cantos do país, por meio dos mais diversos veículos de comunicações que disputam seus espaços culturais e financeiros, obviamente. E tome interesses pessoais ou grupais em disputas que, tão longe, de fato querem o melhor para a sociedade brasileira no geral.
E a História revela que situações semelhantes se repetem, conforme aponta Bobbio, pois basta se analisar sob dois prismas para perceber que a humanidade avançou muito pouco no campo da moral. Na Revolução Francesa, em 1789, tida como uma “Revolução Burguesa”, vários radicais foram decapitados; e, na Revolução Russa, em 1917, com a ascensão da classe camponesa, instalou-se uma ditadura do proletariado. Logo, sempre que as relações com o Poder mudam de lado, segue-se a máxima de Freud, mais aprofundada por Carl Jung, ao vaticinar acerca de que “acuse o outro daquilo que você é”.
As premissas reflexivas acima se confirmam, quando o escritor inglês George Orwell cita o personagem do Porco Napoleão, na clássica obra Revolução dos Bichos, que tanto criticava o Sr. Jones na administração da “granja”, mas assim que assumiu o “poder”, após a “Revolução” se concretizar, começou a regrar a comida e agir com mãos de ferro tal qual aqueles que criticava anteriormente, isto é, seus gestores do passado.
Numa análise do atual contexto político partidário brasileiro, um colega advogado também amante da História, citando o historiador Marc Block, pontuou que este já tivera sido muito feliz quando registrou que “um historiador precisa ser frio e não se apaixonar pela fonte”. Assim, arrematou que “o problema do Brasil não são os políticos, mas seu povo que não enxerga o ideal, porque se alimenta da venalidade e egoísmo doentio ao ponto de se esquivar para não enxergar o coletivo, em detrimento de seus interesses pessoais”. Perfeita conclusão, parece-me muito familiar, portanto.
Nesse sentido, extrai-se que é preciso analisar os fatos dentro de uma lógica fria, calculista e com muita racionalidade, por meio de necessários filtros, pois em períodos pré-eleitoral e eleitoral, propriamente ditos que estamos vivenciando, é bem de se perceber que no Brasil eleição é um grande negócio e o voto é uma mercadoria mais cara, ou seja, quem gastar mais, leva. Simples assim.
Claro que chamarão de covardes, omissos ou apolitizados àqueles que adotarem opção de não se envolverem com o sistema partidário político nacional ou com as questões das más políticas, pois existe atualmente uma cartilha massificada, onde só é tido como democracia aquilo que um lado pensa e, pasmem, quando alguém ousar pensar diferente, logo recebe rótulos de adeptos a autoritarismo, ditador ou até mesmo “antidemocrático”.
O mais patológico é que alguns chegarão a romper históricas amizades ou se distanciar entre si, pelo simples fato de optarem por uma das vertentes opcionais acima e as declarar publicamente nas suas relações interpessoais.
Num enredo preciso, a absoluta falta de respeito a outrem pela condição humana que deveria ligar-se no dia a dia, dentro da mais salutar civilidade respeitosa possível. Mas o inverso é o que se impõe costumeiramente no cenário nacional, nesses últimos anos de polarizações políticas e institucionais, especificamente. Vide disputas de espaços ou supressões deles bastantes ocorridas nos cenários dos Poderes da República, nesses últimos meses que se agonizam em autoafirmações, ainda que se rasguem ou rompam com a Carta Política do país em vigência, sob o manto da hermenêutica ou exegese da ordem jurídica em vigor.
É interessante notar que o bordão utilizado costumeiramente pelos políticos em nosso país, diante de seus concorrentes nos períodos eleitorais, é que na “Política não se deve existir inimigos, mas adversários” e quando acabarem as eleições todos devem se unir em prol do povo como um todo. Se não há falácia nisso ou discursos dos chamados “sepulcros caiados”, a prática em nosso combalido Brasil, é de ingênuos se digladiarem entre si por causa de suas opções partidárias assumidas e depois, decepções em retorno, são os resultados maiores. Por conseguinte, em matéria de política partidária no Brasil e em tantos “brasis” de hoje, o que se percebe na prática é que “os inimigos de hoje poderão ser os aliados de amanhã”, eis o porquê do Florentino do Século XV haver aconselhado o “Príncipe” a dosar as palavras para evitar contradições futuras e perdas irreparáveis na condução dos objetivos pessoais, sobretudo.
Assim, “besta” é quem discute por “eles”. Oxalá proteja o nosso amado Brasil na senda de sua evolução sócio-política-econômica-legal, já que o presságio do presente, é de grandes turbulências não tão distante, amém!
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