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Vocábulos da comunicação na modernidade

RUY PALHANO
Psiquiatra, membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).

A modernidade tecnológica criou não apenas novos instrumentos de comunicação, mas um novo vocabulário que passou a organizar o modo como as pessoas percebem a si mesmas, aos outros e ao tempo. Termos como engajamento, alcance, likes, visualizações, seguidores e notificações deixaram de ser meras designações técnicas e passaram a funcionar como marcadores simbólicos de valor pessoal, reconhecimento social e pertencimento.

Nesse cenário, a vida cotidiana começa a ser atravessada por uma lógica de expectativa permanente. O sujeito moderno acorda e dorme verificando estímulos digitais, aguardando respostas, validações e sinais de aceitação. A experiência do presente deixa de ser plena e passa a ser fragmentada por pequenas doses de antecipação contínua, como se algo decisivo estivesse sempre prestes a acontecer.

As notificações cumprem, nesse contexto, um papel central. Elas interrompem o fluxo natural da atenção e instauram um estado constante de alerta psíquico. O indivíduo não está mais inteiramente em uma atividade; está sempre à espera de algo que pode surgir a qualquer momento, criando uma relação ansiosa e instável com o tempo.

Os likes introduzem uma métrica empobrecida da aprovação humana. Gestos complexos como admiração, reconhecimento e afeto são reduzidos a um sinal mínimo, rápido e quantitativo. Com isso, relações simbólicas profundas são substituídas por números visíveis, mensuráveis e comparáveis, que passam a definir o valor do que é dito, feito e vivido.

O conceito de engajamento aprofunda essa lógica ao transformar relações em performance. Não basta existir, refletir ou agir; é preciso provocar reação. O silêncio, o recolhimento e a discrição deixam de ser neutros e passam a ser interpretados como fracasso ou invisibilidade, criando uma pressão contínua pela exposição.

A organização do feed, mediada por algoritmos, intensifica esse processo ao selecionar o que merece ser visto e o que será ignorado. Essa curadoria invisível condiciona o olhar, restringe horizontes e reforça bolhas de sentido, moldando expectativas, desejos e crenças sem que o usuário perceba claramente essa interferência.

A viralização acrescenta a essa dinâmica a ilusão do sucesso imediato. Conteúdos que se expandem rapidamente desaparecem com a mesma velocidade, reforçando uma cultura da urgência, da efemeridade e da descartabilidade. O valor passa a ser associado ao impacto rápido, enquanto processos lentos, silêncios reflexivos e construções profundas perdem espaço.

Os stories e os conteúdos temporários aprofundam ainda mais essa lógica ao reforçar a sensação de que tudo é passageiro e precisa ser consumido rapidamente. A vida passa a ser narrada em fragmentos cuidadosamente selecionados, produzindo uma estética da felicidade constante que raramente corresponde à experiência real.

Em número cada vez mais elevado, observa-se hoje um contingente expressivo de pessoas cuja motivação existencial cotidiana passa a gravitar quase exclusivamente em torno das redes sociais e de seus dispositivos simbólicos. Para esses indivíduos, a experiência de viver se confunde com a necessidade constante de acessar aplicativos, acompanhar métricas, responder estímulos e manter-se visível no fluxo digital. As relações, os afetos, as frustrações e até a própria percepção de si tornam-se condicionados à lógica dessas plataformas, de modo que o sentido da vida deixa de emergir da experiência concreta e passa a depender da validação tecnológica. Nesse contexto, o sujeito já não vive para depois compartilhar; ele vive para ser compartilhado, observado e mensurado, convertendo a própria existência em extensão do algoritmo e empobrecendo progressivamente sua autonomia psíquica, seu mundo interno e sua liberdade de estar consigo mesmo.

Esse conjunto de práticas e designações contribui para um progressivo afastamento da interioridade. O sujeito se habitua a medir sua própria existência pelo olhar do outro e se distancia da vivência interna. A pergunta “como estou?” é gradualmente substituída por “como fui visto?”, “como repercuti?” ou “quanto alcance tive?”.

Do ponto de vista psicopatológico, essa expectativa permanente favorece o surgimento e a intensificação de quadros ansiosos. A mente passa a operar em estado de antecipação contínua, semelhante a um alerta permanente sem perigo claramente definido. O organismo permanece mobilizado, o que gera tensão, irritabilidade, dificuldade de relaxamento e prejuízo ao descanso psíquico.

Observa-se também uma proximidade crescente entre o uso compulsivo das redes sociais e mecanismos clássicos de dependência. A alternância entre expectativa, recompensa e frustração reproduz circuitos dopaminérgicos semelhantes aos das adições comportamentais. O sujeito não busca apenas o conteúdo, mas a sensação produzida pela possibilidade de retorno, aprovação ou visibilidade.

Há ainda repercussões expressivas no campo depressivo e na construção da autoimagem. A comparação constante com recortes idealizados da vida alheia aprofunda sentimentos de inadequação, insuficiência e fracasso. A percepção recorrente de estar aquém — de sucesso, de reconhecimento ou de valorização — favorece o empobrecimento da autoestima e uma sensação difusa de vazio existencial.

Na dimensão social mais ampla, essa lógica estimula discursos simplificados, polarizados e emocionalmente apelativos, pois são esses que melhor performam nos mecanismos de engajamento. O pensamento complexo, o tempo de elaboração e o dissenso refletido cedem lugar à reação imediata. Pensar torna-se menos valorizado do que reagir.

É fundamental compreender que essas tecnologias não são neutras. Elas foram desenhadas para capturar atenção, prolongar permanência e estimular retorno contínuo. A expectativa permanente não é um efeito colateral, mas uma engrenagem estrutural desses sistemas, que lucram com a inquietação, a ansiedade e a fragmentação da atenção.

Diante desse cenário, uma postura crítica não implica recusa da tecnologia, mas consciência de seus efeitos. Resgatar o valor do tempo vivido, do silêncio, da presença real e da desconexão voluntária torna-se não apenas uma escolha pessoal, mas um gesto de saúde psíquica e de responsabilidade ética em um mundo que tenta transformar a existência em notificação permanente.

Em razão de tudo isso, torna-se imperativo um exercício contínuo de vigilância sobre a forma como nos relacionamos com essas novas tecnologias de comunicação. O risco não está no uso em si, mas no abuso silencioso, progressivo e muitas vezes inconsciente que transforma ferramentas em princípios organizadores da vida psíquica e existencial. Quando a tecnologia deixa de servir ao humano e passa a conduzi-lo, instala-se uma inversão perigosa, na qual a atenção, o afeto, o tempo e o sentido da própria existência passam a ser regulados por métricas, estímulos e expectativas artificiais.

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