Pontualidade: virtude ou defeito?

JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Corregedor-geral da Justiça
E-mail: [email protected]
Todos temos uma visão particular do mundo. Nesse sentido, o que aos meus olhos parece virtude, aos olhos dos outros pode ser, sim, um defeito, afinal, a vida é assim; a vida é dual, binária, enfim. Nas nossas relações assumimos, com clareza, essa dualidade.
O poeta popular já ensinava: “Não existiria som, se não houvesse o silêncio. Não haveria luz, se não fosse a escuridão. A vida é mesmo assim: dia e noite, não e sim” (Certas Coisas, Lulu Santos).
Dito isso, lembro, mais uma vez, sem temer pela exaustão, que todos vivemos a angústia da aceleração da vida. Diante dessa realidade, não existe nada mais deselegante, por exemplo, do que não respeitar a hora previamente ajustada em face de um compromisso assumido.
Nessa linha de pensar, destaco que, ao cumprir um compromisso na hora ajustada, reafirmamos o nosso respeito ao tempo do outro, nos mostramos mais confiáveis nas nossas relações e contribuímos, até, para maior êxito nas nossas atividades, na medida em que a pontualidade ajuda a aumentar a produtividade e a eficiência, sem perder de vista que o tempo perdido não se recupera (“Todos os dias, quando acordo, não tenho mais o tempo que passou”, Legião Urbana).
Cada minuto que perdemos em face do tempo de espera de alguém que não respeita a hora marcada é como se nos roubassem parte da nossa vida, da nossa própria existência, daí por que não me permito deixar de cumprir um compromisso na hora marcada, sempre na perspectiva de que haja reciprocidade.
Tenho sido assim, desde sempre. Mas não vejo, de muitos, a mesma determinação. O que tenho testemunhado, ao contrário, é que pontualidade é uma virtude sem testemunha e que, quem se esmera em cumprir a hora marcada, é, de rigor, um chato aos olhos dos que se acostumaram a fazer tábula rasa do compromisso assumido, disso resultado que a pontualidade, nesse cenário, é quase um defeito.
Dia desses assisti a uma entrevista com o consagrado ator Tony Ramos. Num dos trechos, ele falou de elegância. Disse, na oportunidade, que ser elegante não é se apresentar, por exemplo, com um terno bem cortado ou uma bolsa de grife. Elegância, segundo a sua compressão, é, sobretudo, respeitar o ser humano, tratá-lo com cortesia, respeito e dignidade.
Digo eu, em adição: ser elegante é, também, honrar a hora marcada; é não deixar o outro esperando, indefinida e desrespeitosamente, pois, definitivamente, quem chega atrasado a um evento, justificada ou injustificadamente, presta-se apenas a constranger e a atrapalhar.
A propósito, dia desses, num evento marcado para as 9 horas, no Fórum Sarney Costa, a solenidade já estava atrasada em meia hora, causando em mim a costumeira inquietação.
Diante do atraso, fui aos organizadores e indaguei o que estava faltando para começar a solenidade. A resposta que me foi dada causou em mim estupefação:
– Está faltando chegar o representante de determinada autoridade.
Diante da resposta, redargui:
– Mas foi justificado o atraso?
Resposta do organizador do evento:
– Não. Mas começar a solenidade sem ele seria uma falta de consideração.
A indagação que importa fazer, em face do acima narrado, é a seguinte: falta de consideração por parte de quem? De quem não honrou a hora marcada ou dos que, como eu, se esforçaram para chegar antes do horário, em respeito ao que constava no convite para a solenidade?
De minha parte, em face do acima relatado, só me resta concluir que, infelizmente, fruto de uma cultura nefanda e terceiro-mundista, a mim, e a tantos que pensam como eu, só nos resta suportar, calados e elegantemente, como quem ouve uma sinfonia, a falta de elegância dos que não se preocupam em honrar a hora em face de um compromisso assumido.
Diante do que tenho testemunhado, indago aos recalcitrantes, inspirado no poeta popular: será que é tempo que lhes falta para perceber? Será que temos esse tempo a perder? Ou será que não se deram conta de que a vida não para, que a vida é tão rara? (Paciência, Lenine).
É isso.
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