Somos reconhecidos pelo que somos?

JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Corregedor-geral da Justiça
E-mail: [email protected]
Muitas vezes, não. Aliás, raramente. E, quando isso acontece, pode ocorrer – e ocorre mesmo – de sermos analisados muito mais em face dos nossos defeitos do que em razão das nossas virtudes.
Penso que o ideal mesmo seria que, quando nos “julgassem” – e estamos sempre submetidos ao escrutínio do semelhante –, o fizessem a partir de um combo, ou seja, pelas nossas virtudes e pelos nossos defeitos.
Não é assim, entrementes, que as coisas funcionam, disso resultando que, não raro, somos julgados pelo que, rigorosamente, não somos, na medida em que os nossos defeitos são destacados, quase sempre em detrimento das nossas virtudes.
A verdade é que não há como controlar o pensamento e as ações das pessoas em relação ao semelhante, pela singela razão de que não há mesmo como mudar a concepção que cada um forma do próximo, pelo que só nos resta mesmo aceitar, com serenidade, os julgamentos aos quais somos submetidos, me conduzindo a lembrar da Oração da Serenidade, escrita em 1934, pelo teólogo Reinhold Niebuhr, nesses termos: “Deus, conceda-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar; a coragem para mudar as coisas que posso; e sabedoria para saber a diferença”.
Não temos, como dito acima, nenhum controle sobre o comportamento do semelhante; quando muito, com esforço e determinação, controlamos as nossas próprias pensamentos, buscando reconhecer nas pessoas as virtudes que elas têm e evitando não julgá-las por aquilo que não são ou apenas em face dos seus defeitos.
Nesse sentido, é preciso reconhecer que há, sim, situações que passam à margem do nosso controle. Não é o caso, contudo, dos julgamentos a que submetemos os nossos semelhantes, que poderiam, sim, ser mais justos, se essa for a nossa predisposição.
Se, ao acordarmos, introjetamos em nós o sentimento de que as pessoas com as quais vamos lidar durante o dia são arrogantes, prepotentes, desonestas, invejosas e ranzinzas, por exemplo, dificilmente reconheceremos nelas suas virtudes, nos levando, nesse passo, por óbvio, a não reconhecê-las pelo que realmente são.
As pessoas que iniciam sua jornada diária pré-julgando o semelhante são também incapazes de distinguir a beleza da feiura, a maldade da bondade, a luz da escuridão, razão por que, do mesmo modo, são incapazes de verem as pessoas como elas realmente são.
A mente obliterada pelo preconceito torna as pessoas incapazes de reconhecer o ser humano como ele efetivamente é, na medida em que as nossas pré-compreensões são limitadoras da nossa capacidade de ver o que deve ser visto, de sentir o que deve ser sentido.
Importa lembrar, aqui e agora, a propósito dessas reflexões, a lição de Marco Aurélio, segundo a qual, se não temos poder sobre os eventos externos, temos, sim (ou deveríamos ter, digo eu), sobre a nossa mente, porque a partir dela encontramos o caminho para avaliar o que deve ser avaliado e como deve ser avaliado, para julgar o que deve ser julgado e reconhecer o que deve ser reconhecido; assim agindo, seríamos capazes de ver o semelhante como ele efetivamente é.
É de Epicteto a lição comezinha: “A principal tarefa na vida é simplesmente esta: identificar e separar assuntos de modo que eu possa dizer claramente para mim quais são os aspectos externos que não estão sob meu controle e quais têm a ver com as escolhas que eu realmente controlo”, ensinança que, aplicada ao tema que elegi para essas reflexões, pode assim ser traduzida: reconhecer as virtudes do semelhante é apenas uma questão de escolha, tudo está a depender apenas de nós mesmos, desde que, claro, não nos deixemos levar pelos nossos preconceitos e pré-compreensões.
É isso.
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