A dificuldade de falar “me desculpe”: como o contexto molda nosso jeito de reconhecer erros

ISABELA THALIA
Psicóloga e professora de Psicologia da UniFacimp Wyden
Quando falamos em orgulho e humildade, percebemos como a cultura ocidental tende a atribuir essas atitudes a características internas ou traços fixos de personalidade. Assim, quem tem facilidade em pedir desculpas costuma ser visto como uma pessoa humilde, enquanto quem evita reconhecer erros ou apresenta dificuldade em se desculpar é frequentemente considerado orgulhoso. No entanto, é necessário olhar para o ambiente em que o sujeito está inserido, compreendendo-o como um espaço que envolve sua história, cultura e formas de aprendizado. É a partir desse contexto que conseguimos descrever os comportamentos observados, identificar os antecedentes que os evocam e as consequências que os mantêm. Dessa forma, obtemos um panorama que permite entender em quais condições o orgulho se torna um obstáculo e de que maneira a humildade pode ser desenvolvida como repertório comportamental, favorecendo o convívio social.
Considerando isso, chamaremos de orgulho as situações em que o sujeito comete um erro, seja em relações pessoais ou profissionais, mas apresenta dificuldade em assumir a responsabilidade, atribuindo culpa a terceiros, evitando iniciar conversas sobre o ocorrido ou desviando o assunto sempre que alguém tenta falar a respeito. Tais respostas podem ser entendidas como comportamentos de esquiva, que trazem consequências como receio de críticas, perda de status ou punições sociais. Como efeito, os conflitos se mantêm e o fortalecimento de vínculos se torna de difícil acesso, o que nos leva a refletir sobre a ausência de habilidades de comunicação assertiva.
Quando a dificuldade em se desculpar se repete com frequência, podemos considerar que uma das possibilidades esteja relacionada a questões emocionais de difícil acesso para a pessoa, bem como à forma como aprendeu a se comunicar ao longo da vida. Nota-se, então, uma resistência em admitir falhas, mesmo em situações pequenas, acompanhada de reações desproporcionais diante de críticas, o que leva à repetição do comportamento em diferentes contextos. Provavelmente, o sujeito não teve acesso a modelos de comunicação assertiva que favorecessem a instalação do repertório de desculpar-se, ou foi exposto a ambientes coercitivos nos quais assumir erros resultava em perdas significativas. Esse histórico contribui para o estabelecimento de um padrão rígido de esquiva em situações que demandam esse comportamento.
Diante disso, é importante diferenciar quando a resistência em pedir desculpas cumpre uma função adaptativa e quando está ligada ao “orgulho excessivo”. Avaliamos que o ato de recusar-se a pedir desculpas pode ser saudável quando há uma análise crítica da situação, sustentada por evidências, evitando assumir culpas indevidas. Já o orgulho excessivo se manifesta em um comportamento inflexível de não pedir desculpas mesmo diante de provas do erro. Nesse caso, o comportamento exerce outras funções, como evitar o contato com o desconforto.
O treino de habilidades sociais pode ser uma estratégia prática para desenvolver um repertório de comunicação mais efetivo, incluindo o ato de pedir desculpas. Quando o ambiente valoriza de forma genuína o reconhecimento de erros, favorece-se o processo de modelagem desse comportamento. Além disso, a exposição gradual a situações de baixo risco reduz a função aversiva de admitir falhas. Práticas baseadas em aceitação e mindfulness permitem que a pessoa entre em contato com sentimentos desconfortáveis, facilitando a mudança.
Dessa forma, tanto o orgulho quanto a humildade para pedir desculpas podem ser compreendidos como padrões de resposta mantidos por contextos específicos. O objetivo não é eliminar o orgulho, mas ampliar o repertório para que a pessoa consiga agir de maneira mais flexível, preservando vínculos sociais e favorecendo relações mais saudáveis.
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