O Rio de Janeiro de Dom Pedro I, pelo olhar do inglês William John Burchell (1781 – 1863)
PEDRO HENRIQUE MIRANDA FONSECA
Andarilho, sábio, artista, botânico, desenhista exímio, pintor, profundo observador da natureza, meticuloso e detalhista, este inglês aportou no Rio de Janeiro em 18 de julho de 1825, integrando a comitiva do embaixador Charles Stuart que veio com a finalidade de negociar o reconhecimento da nossa independência por Portugal, transportado pelo almirante Graham Eden Hamond, que deixou um diário onde registrou suas vivências e impressões da cidade, que foi objeto de estudo por nós em publicação anterior. (O Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX: O testemunho do almirante inglês Graham Eden Hamond (1779 – 1862. Jornal Pequeno, São Luís – MA., quarta-feira,17 de setembro de 2025, página 11).
O que o trouxe foi a fama da exuberância da flora brasileira e a cidade e seus arredores foram os primeiros temas dos seus desenhos minuciosos, precisos e rigorosos. É de seu pincel um belíssimo panorama em 360 graus tomado do Morro do Castelo que é, com razão, reconhecido como “o mais belo panorama do Rio de Janeiro.”
Permaneceu na cidade até setembro de 1826, resultando desse período quarenta desenhos e aquarelas. Daqui embrenhou-se pelo interior do país, visitando Minas Gerais, São Paulo, Santos, Cubatão, Jundiaí, Campinas, Franca, Goiás, Pirenópolis, Porto Nacional chegando até Belém.
Uma vez que o seu diário se perdeu resta-nos apenas cartas a familiares e amigos, onde registra suas vivências na cidade. Na endereçada ao botânico Sir William Jackson Hooker (1785 – 1865) desabafa: “Neste país de iletrados, não se encontra alguém que se interesse por ciência. Aqui a natureza fez muito – o homem, nada.” Antes, em muitos casos, não tivessem realmente feito nada, pois aqui a obra humana geralmente agride a da natureza. Em outra carta dirigida ao botânico Richard Anthony Salisbury (1761 – 1829) declara o deslumbramento com a natureza: “… estou na América do Sul e tenho, pelo menos, a satisfação de encontrar a natureza, sob todos os seus aspectos sempre interessante. … aqui você passeia numa das maiores estufas da natureza. Montanhas, penhascos, florestas, riachos e plantas de formas as mais variadas, se entrelaçam de maneira a mais pitoresca e tenta-nos, muitas vezes, a deixar a História Natural pela Pintura.” Na verdade, ele acabou cultuando as duas, talvez pela dificuldade de escolher uma e assim saiu ganhando, pois a escolha sempre representa uma perda. Em carta ao pai queixa-se que apesar de sua viagem ter despertado grande interesse entre os europeus, o mesmo não aconteceu entre os brasileiros, que ele chama de iletrados, que a ignoraram completamente. Devemos lembrar que era um país jovem lutando com questões políticas de reconhecimento da sua independência, ainda buscando por um lugar no concerto das nações, além de possuir uma população imensa de analfabetos, onde saber ler e escrever era um luxo acessível a poucos e a dedicação às ciências e artes um verdadeiro heroísmo. Destaca também em carta a abundância de palmeiras na flora brasileira, dando razão aos que se referem ao país como Pindorama, isto é, terra das palmeiras, afinal como disse o poeta Antônio Gonçalves Dias “Minha terra tem palmeiras …” e eu acrescento, muitas e infindas.
Como, infelizmente, dispomos de poucos registros escritos nos resta, no entanto, uma importante e realista documentação iconográfica que ele nos deixou, onde merece destaque o Panorama de 360 graus da cidade tomado do Morro do Castelo, que, a meu ver, ainda não encontrou rival na vasta e expressiva iconografia oitocentista da cidade.
Fonte:
FERREZ, Gilberto – O Brasil do Primeiro Reinado visto pelo botânico William John Burchell 1825/1829, Rio de Janeiro, Fundação João Moreira Salles; Fundação Nacional Pró-Memória, 1981.
Rio de Janeiro, sábado, 20 de setembro de 2025, às 8:13 horas.
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