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A ganância e o cinismo de mãos dadas

RUY PALHANO
Psiquiatra, Membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).

Duas facetas humanas fortemente presentes na vida moderna apesar de ambas serem das mais repudiadas desvirtudes. Tais traços, são expressões notórias da deterioração profunda da moralidade e dos vínculos sociais e pessoais. Estás particularidades, apresentam manifestações comportamentais distintas, embora tenham certa similitude caracterológicas, tais como: excentricidade, egoísmo, desamor e rejeição aos outros. Tais pessoas são aversas aos princípios morais e ao sofrimento alheio.

O cinismo, se manifesta como um padrão comportamental desde cedo, predominantemente na adolescência   e se notabilizam como vimos pelo desprezo das normas, regras e valores sociais, considerando-os como falsos e hipócritas. São pessoas desconfiadas e acreditam que as ações dos outros são dissimuladas, egocêntricas e encobrem más intenções. São sarcásticos e irônicos e utilizam da zombaria como ferramenta para expressar sua maldade, crítica e suposta superioridade intelectual.

O individualismo e a autopreservação são posturas defensivas que priorizam acima de tudo, afastando-os do envolvimento com os outros para se protegerem de desilusões. Em casos extremos, isso pode levar a um prazer com a indeterminação alheia, superando a insegurança através do desdém. Na realidade trata-se de uma forma de autoproteção afetiva, na qual o sujeito, muitas vezes ferido, frustrado e/ou desencantado com o mundo, passa a agir com ironia, desprezo e zombaria.

O cínico não se compromete com nada que faz, são indiferentes e disfarçados. Em geral, como vimos, se comportam através de sarcasmo, da indiferença e da ironia. Tais características, são explicadas pela frustração crônica pela hipocrisia social. Psicologicamente, os cínicos são desconfiados, apresentam rigidez emocional e afetiva e têm uma visão distorcida da realidade, marcada por pessimismo e inutilidade das ações éticas.

São indivíduos que aparentam se relacionarem e o fazem por serem incapazes de estabelecer vínculos afetivos profundos, pois temem a entrega emocional e afetiva. Como vimos, são também sarcásticos, zombeteiros como forma de controlar seu ódio pelos outros e devida sua vulnerabilidade emocional. São também calculistas, desconfiados, agressivos, especialmente quando contrariados. Além do mais são defensivos, refratários, frios, autossuficientes e resistente à escuta verdadeira.

Quanto aos gananciosos, estes são insaciáveis, vorazes, fominhas, possessivos seja por dinheiro, bens materiais, poder ou prestígio. Querem se dá bem em tudo que fazem. São em geral arrogantes e pernósticos, carreiristas e aproveitadores. São gulosos e apetitosos pelas coisas dos outros e quase sempre se comportam de forma voraz.

Nos gananciosos, seus desejos se transformam em verdadeiras obsessões, por isto mesmo se tornam insensíveis e indiferentes aos interesses dos outros. Em geral não conhecem limites são sedentos por abundância. Não querem apenas o necessário para viver bem, mas sim tudo que o outro tem e mais um pouco. São invejosos e isto representa uma falência moral e afetiva, uma desconexão com o valor da partilha, com o senso de justiça e com a solidariedade. Além do mais se alimentam da desigualdade e da gana de possuir o que é dos outros.

São inseguros e carentes de si mesmos e camuflam esta condição exibindo arrogância, petulância e da obsessão por controle de tudo exibindo uma tendência a utilizar os outros para obter seus ganhos.  Tais pessoas, a rigor, apresentem um traço narcísicos elevado, são antipáticos, apresentam rigidez moral seletiva e uma visão carreirista e utilitária, onde tudo e todos podem ser transformados em objetos de uso e de troca.

São necessitados de sentimentos de pertencimento, de afirmação e de validação social externa, vivem se comparando com os outros, e experimentam ansiedade profunda e mal-estar psicossocial difuso, diante da ideia de perda ou de ausência de crescimento. A busca pelo acúmulo se torna algo obsessivo, revelando um profundo vazio existencial e de uma ausência de sentido interior.

Modernamente, tanto o cínico quanto o ganancioso tornaram pessoas comuns e se enfurecem quando não são admirados, aceitas ou se forem contrariados, pois se julgam merecedores de todos os encômios. De modo preocupante, esses dois “tipos humanos” parecem se destacar na modernidade, à medida que os vínculos psicológicos e sociais se fragilizaram ou se fragmentam, a competitividade se exacerba, o egoísmo se acentua e as relações humanas se banalizam.

Outros fatores parecem colaborar com o incremento destas pessoas no mundo moderno. O avanço do neoliberalismo econômico e cultural, dando ênfase ao individualismo, no mercantilismo incentivando comportamentos gananciosos sob o disfarce da eficiência, na produtividade e/ou na proatividade. O predomínio das famigeradas redes sociais, com sua lógica de comparação permanente, performance emocional e culto à imagem e tudo isto juntos favorecem o cinismo como proteção contra frustrações e a ganância como desejo de visibilidade constante.

Soma-se a isso a crise de confiança nas instituições, a banalização da corrupção e a degradação inegável do discurso público, que criam um ambiente propício à descrença generalizada, à frieza afetiva e à indiferença moral e as narrativas. O resultado é um mundo cínico, dissimulado e mentiroso, onde as pessoas se sentem confortáveis para ironizar, mentir e premiar o arrogante, o dominador e o astuto arrogante.

A relação entre cinismo e ganância no mundo atual é íntima e recíproca. O cínico, ao descrer em valores e princípios sociais, abre espaço para a ação desinibida do ganancioso, que, por sua vez, ao acumular sem limites e explorar sem pudor, retroalimenta a descrença no bem comum, na justiça e nos valores sociais e humanos. Provocando uma situação em que ambos se retroalimentam.

As implicações sociais dessa banalização do cinismo e da glorificação da ganância são devastadoras. Tais atitudes corroem a confiança pública, fragilizam os laços comunitários, dilaceram a moralidade e criam um ambiente coletivo baseado no medo, na inveja e na indiferença e na descrença.

Quando o ganancioso e o cínico são premiados com status e poder, as desigualdades se acentuam, a injustiça prospera e a solidariedade humana se torna rara. Quando o cinismo domina o diálogo perde força, as relações humanas se desconfiguram e a esperança se esvai.  O pior de tudo é que o mundo moderno está repleto de cínicos e gananciosos.

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