Entre a Justiça e o Espetáculo: tristes notícias do Processo Penal no Brasil Contemporâneo

DANILLO SOUSA E SEBASTIÃO UCHÔA
Advogados
Há muito o processo penal deixou de ser apenas um instrumento técnico de apuração da verdade e aplicação da lei. No Brasil, ele passou a ocupar as páginas centrais dos jornais, os noticiários de televisão e, sobretudo, as arenas digitais. Hoje, o cidadão acompanha uma operação policial como quem assiste a uma novela: há personagens, vilões, mocinhos e um enredo carregado de emoção. Mas será que a Justiça pode se render ao espetáculo?
Há evidências que, nos últimos tempos, a resposta à indagação acima, parece mais concreta à abstrata, infeliz e tristemente se podem assim admitir tal desfaçatez para com o devido processo legal assentado ainda na Carta Política de 1988, sobretudo.
A história recente nos mostra que não estamos diante de simples coincidência. A Política e o Direito Penal se entrelaçaram de forma tão profunda que as decisões judiciais, muitas vezes, parecem responder mais ao clamor das ruas do que às garantias constitucionais. Um exemplo claro são os pedidos de prisão preventiva baseados em argumentos frágeis, muitas vezes sustentados pela ideia de “manutenção da ordem pública” – conceito aberto que, nas mãos erradas, transforma-se em justificativa para o encarceramento arbitrário ao arrepio da própria mãe de todas as leis: a Constituição Federal em vigor no país.
O problema maior surge quando os tribunais passam a atuar sob pressão midiática. O juiz que deveria decidir à luz da lei, e apenas dela, se vê compelido a dar uma resposta “exemplar” para a sociedade. Nesse contexto, não importa tanto a prova, mas sim a narrativa construída e a necessária “resposta” jurisdicional. É o triunfo da opinião sobre o direito, da vaidade política sobre o garantismo jurídico, este último cada vez mais próximo de seu próprio naufrágio. Basta observar o indigitado processo da horrenda baderna de 8 de janeiro, como bem colocou o ex-presidente José Sarney num de seus pronunciamentos, quando instado a falar e o resultado das condenações anunciadas pela Corte máxima de Justiça do Brasil nesses últimos dias.
O que se esconde por trás disso é um paradoxo perigoso: enquanto se clama por mais rigor penal para políticos, empresários e figuras públicas, o cidadão comum – invisível para as câmeras – continua encarcerado em massa, sem defesa efetiva, sem audiência de custódia célere, sem direitos respeitados. A seletividade penal, nesse sentido, não é novidade; apenas ganhou novas roupagens e mais holofotes.
Diante desse cenário, precisamos retomar uma noção elementar: o processo penal não é palco de vaidades, mas arena de garantias. É um dique de contenção ao Leviatã, nas palavras dos doutrinadores penais, muito comum na literatura de processo penal presente nos corredores das faculdades de Direito, especialmente.
Na realidade, cada acusação deve ser analisada com rigor probatório; cada prisão, fundamentada na estrita legalidade; cada decisão, sustentada pelo equilíbrio entre segurança pública e direitos fundamentais. Sem isso, o arbítrio se instala e o Estado de Direito se sucumbe, para a triste ciência dos jurisdicionados no geral.
O papel da mídia, embora essencial à democracia, não pode ditar os rumos de uma investigação. A política, por sua vez, precisa aprender que não há democracia sólida quando se instrumentaliza a Justiça para derrotar adversários. O direito penal deve permanecer como última ratio do Estado, e não como primeira ferramenta de disputa política ou de quaisquer políticas públicas, seja para prevenir ou fazer a repressão à criminalidade em qualquer vertente de abordagem.
Em tempos de incerteza, cabe aos operadores do direito reafirmar valores que parecem óbvios, mas são constantemente esquecidos: presunção de inocência, devido processo legal e imparcialidade judicial. São esses os pilares que separam a Justiça do espetáculo, o Estado de Direito da barbárie por que tem vivenciado o Brasil nesses últimos tempos.
No fim das contas, o que está em jogo não é apenas o destino de um réu famoso ou de um político envolvido em escândalo. O que se decide, silenciosamente, é o futuro das nossas próprias garantias. Porque quando o processo penal vira espetáculo diante de qualquer tipo de investigado ou indiciado e até acusado, o próximo personagem pode ser qualquer um de nós. Daí, chorar pela omissão sem denunciá-la, já será tarde demais. Oxalá que nos assevere o contrário, AMÉM!
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