Fechar
Buscar no Site

Separação: um dos dramas humanos

RUY PALHANO
Psiquiatra, Membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).

O drama das separações permeia a existência humana como uma ferida primordial, uma ruptura no tecido das conexões que nos definem. Desde o nascimento, quando o cordão umbilical é cortado, até os inevitáveis adeuses da vida adulta, as separações nos confrontam com a fragilidade dos laços que tecemos com pessoas, animais e até objetos inanimados.

Elas não são meros incidentes; são experiências que ecoam nas profundezas da psique, da sociedade e da essência existencial, revelando camadas de dor, crescimento e questionamento. Do ponto de vista psicológico, a separação pode ser definida como uma interrupção abrupta ou gradual nos laços de apego, que, segundo a teoria do apego de John Bowlby, são instintos evolutivos projetados para garantir sobrevivência e segurança emocional desde a infância.

Bowlby postulava que os comportamentos de apego — como chorar ou buscar proximidade — são respostas adaptativas à separação, mas quando essa ruptura é prolongada ou traumática, surge a angústia de separação, manifestando-se em sintomas como ansiedade, depressão e desregulação emocional.

No contexto de separações entre pessoas, como divórcios ou rompimentos românticos, o indivíduo enfrenta uma extensão do luto, onde a perda não é apenas do outro, mas de uma parte do self construída na relação. Para separações com animais, como a perda de um pet, o apego é igualmente intenso, pois os animais frequentemente servem como figuras de attachment seguras, oferecendo amor incondicional; sua ausência pode evocar um luto comparável ao humano, com estágios semelhantes aos descritos por Elisabeth Kübler-Ross: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Já as separações de coisas — objetos sentimentais como uma casa de infância ou um relicário — envolvem o conceito de “apego a objetos transicionais”, conforme Donald Winnicott, onde esses itens simbolizam segurança e identidade; perdê-los pode desencadear uma crise de identidade, pois representam extensões do eu. Psicologicamente, todas essas separações ativam o sistema de attachment, levando a uma “dor de separação” que, se não processada, pode evoluir para patologias como transtornos de apego desorganizado ou depressão crônica. Reflexivamente, isso nos convida a questionar: em um mundo de conexões efêmeras, como curamos as feridas invisíveis que as separações deixam na psique, transformando dor em resiliência?

Socialmente, as separações são experiências coletivas que reverberam nas redes interpessoais, alterando dinâmicas familiares, comunitárias e culturais. Elas podem levar ao isolamento social, onde a perda de um laço central — como um parceiro ou um animal de companhia — fragmenta o suporte emocional, aumentando o risco de solidão e declínio na saúde mental.

Em separações entre pessoas, como o divórcio, há um impacto cascata: redes sociais se dividem, com amigos e familiares frequentemente “escolhendo lados”, o que agrava o senso de alienação e pode resultar em estigma cultural, especialmente em sociedades onde o casamento é visto como pilar da estabilidade.

A perda de animais, por sua vez, é frequentemente minimizada socialmente — “era só um cachorro” —, o que inibe o luto público e força o indivíduo a processar a dor em silêncio, exacerbando o isolamento. Quanto às coisas, separações como a venda de uma herança familiar podem romper tradições culturais, afetando o sentido de pertencimento a um grupo étnico ou comunitário.

Estudos indicam que múltiplas separações cumulativas — como perdas sucessivas de entes queridos e objetos — levam a um “sobrecarga de luto”, onde o indivíduo se retira socialmente, impactando relações laborais e cívicas. No entanto, há um potencial transformador: comunidades de apoio, como grupos de luto, podem retecêr laços, promovendo resiliência coletiva.

Reflexivamente, as separações nos forçam a confrontar a interdependência humana: em uma era de migrações e pandemias que amplificam isolamentos, como redefinimos o “nós” após o “eu” ser despedaçado?

Existencialmente, as separações confrontam-nos com a finitude e a absurdidade da vida, ecoando as angústias descritas por filósofos como Martin Heidegger, que via a morte como o horizonte que dá autenticidade ao ser, o “ser-para-a-morte” que nos impulsiona a viver plenamente.

A separação é uma micro-morte: uma perda que nos lembra da impermanência, evocando a angústia de Søren Kierkegaard, onde o indivíduo, perante o vazio, deve escolher o “salto de fé” para encontrar significado. Entre pessoas, a separação questiona a liberdade sartreana — somos condenados à liberdade, mas perdemos o outro como espelho do self, levando a um isolamento ontológico.

Com animais, a perda destaca a conexão com o não-humano, desafiando antropocentrismos e convidando a uma ecologia existencial, onde o luto por um pet revela nossa vulnerabilidade compartilhada com o mundo vivo.

Separações de coisas, por outro lado, simbolizam a transitoriedade material, como em Camus e o absurdo: perdemos objetos que ancoravam nosso sentido de permanência, forçando-nos a abraçar o efêmero.

O existencialismo propõe que o luto não é mero sofrimento, mas uma oportunidade para autenticidade, transformando perda em busca de propósito. Reflexivamente, as separações nos lançam ao abismo: se a vida é uma série de adeuses, como encontramos sentido no efêmero, tecendo narrativas que transcendam a dor?

Quanto à distinção entre separações entre os vivos e aquelas por morte, sim, há diferenças profundas e nuançadas. Separações entre vivos — como rompimentos ou afastamentos — carregam ambiguidade e reversibilidade: o outro persiste no mundo, permitindo fantasias de reconciliação ou rancor contínuo, o que pode prolongar o sofrimento em um limbo emocional, sem fechamento definitivo.

Elas envolvem escolhas ativas, gerando culpa ou raiva direcionada ao vivo, e podem ser processadas como “perdas não-finitas”, onde o luto é contínuo e ambíguo. Em contraste, as separações por morte impõem irreversibilidade e finitude: o outro cessa de existir, evocando um luto mais “puro”, focado na ausência absoluta, sem possibilidade de interação futura, o que acelera a aceitação, mas intensifica o confronto com a mortalidade própria. Culturalmente, a morte é ritualizada (funerais), oferecendo suporte social, enquanto separações vivas podem ser estigmatizadas. Psicologicamente, perdas por morte ativam vigilância evolutiva para distinguir vivos de mortos, evitando erros fatais.

Existencialmente, a morte amplifica o absurdo da existência, enquanto separações vivas destacam a liberdade relacional. Reflexivamente, ambas nos convidam a abraçar o impermanente: na distinção reside a chave para um luto autêntico, onde perdas vivas ensinam resiliência relacional e as mortais, a urgência de viver.

Em suma, o drama das separações é um espelho da condição humana: psicológico em sua dor instintiva, social em sua onda de isolamento, existencial em sua busca por sentido. Que este texto inspire um livro onde as perdas não sejam fins, mas capítulos de uma narrativa maior, convidando o leitor a dançar com o vazio e emergir transformado.

O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.

mais / Postagens