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Ainda sobre os donos desta terra

OSMAR GOMES DOS SANTOS
Juiz de Direito na Comarca da Ilha de São Luís (MA). Membro das Academias Ludovicense de Letras, Maranhense de Letras Jurídicas, da Academia Literária do Maranhão (Alma) e da Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras (Amcal)

Em minha última crônica, tomei a liberdade de falar sobre o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Usei, por ocasião, a passagem do dia 9 de agosto, data estabelecida pela ONU em homenagem àqueles que habitavam esta terra antes de nós.

Coincidência ou não, nesta semana, que ora se encerra, tomei conhecimento de uma grande mobilização realizada pela Corregedoria do Foro Extrajudicial no município de Grajaú. Não se tratou, porém, de uma ação realizada na sede do município — daí a importância de se destacar tal mobilização.

O recém-lançado projeto Registro Cidadão Indígena levou serviços de cidadania para dentro de uma aldeia indígena. Trata-se do povoado Matos Além, situado na região do Bananal, distante quase 70 km da sede municipal — cerca de 50 deles percorridos em estrada de terra, em mais de uma hora de deslocamento.

Sobre a mobilização desta semana, obtive informações com pessoas envolvidas na ação, consultei publicações a seu respeito e busquei dados sobre a região e a população que lá reside. Tudo o que li apenas confirma a grandeza da iniciativa encampada pelo desembargador José Jorge, à frente da Cogex.

O atendimento e a entrega de serviços e documentos são, sem dúvida, necessários e essenciais. Com a documentação em mãos, é possível acessar uma rede de políticas públicas, programas de transferência de renda e outros benefícios sociais.

No entanto, muito além da cidadania proporcionada, penso que o projeto lança luz sobre os povos originários e suas causas legítimas. Traz visibilidade e estimula a reflexão sobre tantos outros problemas que afligem os indígenas e que precisam de solução urgente.

O mais importante deles refere-se à própria terra e às disputas geradas pela ocupação indevida, pelas fraudes e pela grilagem — problemas que carregam consigo a violência no campo, cobrindo o solo com o sangue daqueles que ousam protegê-lo.

Em meio a essas disputas, encontram-se pessoas que, como costumamos dizer, abdicaram da própria vida em favor da causa indigenista. Penso ser algo paradoxal, uma vez que a dedicação a tal propósito se confunde com a própria essência de quem a abraça: a vida dessas pessoas consiste na luta pela causa em que acreditam.

Por falar em terra, estas estão cada vez mais reduzidas ou já se encontram invadidas para exploração de garimpo, extração de madeira, tráfico de animais e outras riquezas naturais. As áreas que restam já não proporcionam caça suficiente, o plantio é limitado e o incentivo, quando existe, não chega ou é insuficiente.

Em contrapartida, surgem ações assistencialistas que se concentram na transferência de renda, sem enfrentar a origem do problema. Tais programas são importantes, mas não podem ser a tábua de salvação permanente para aqueles que estão sendo espoliados em seus próprios territórios.

Diferentemente do que quiseram fazer crer os colonizadores, nossos indígenas são trabalhadores, exímios na criação e no cuidado com a terra. Por isso, é preciso ir muito além do “dar o peixe”: é necessário oportunizar a pesca com suas próprias ferramentas.

Mais uma vez, enalteço a ação da Cogex, que contou com a parceria do Comitê de Diversidade do TJMA, não apenas pela oportuna realização do projeto, mas por possibilitar o rescindimento da discussão em torno dos povos indígenas e de suas necessidades reais e urgentes.

A problemática é ampla e os desafios, extremamente complexos. Todavia, é preciso buscar soluções concretas que assegurem crescimento econômico e exploração de recursos naturais em perfeita harmonia com a proposta sustentável — e, de tal forma, que se inclua nessa conta o que cabe aos verdadeiros, e ainda resistentes, donos deste solo.

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