Envelhecer (Parte final)

JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Corregedor Geral da Justiça
E-mail: [email protected]
Envelheci, sim. Não dá para negar. As dificuldades com escadas e ladeiras, o andar quase trôpego, o raciocínio lento, a falta de destreza, a dor na lombar, a fala quase pausada, a dificuldade para levantar e para compreender uma piada mais elaborada, entre outras, são manifestações de uma realidade que se impõe.
E que bom que envelheci, na medida em que a outra opção não é aquela a que almejamos.
E que bom, ademais, que, apesar de tudo, preservo a minha lucidez. Daí a minha obsessão de estar vivo quando a morte chegar, como diz o sábio. E estar vivo, por óbvio, é estar no gozo das faculdades mentais, com a preservação da clareza de pensamento, compreensão e comunicação, sem confusão ou distorção do que é real.
Já vivi muito, sim; quero viver mais um pouco, entrementes, pois, olhando adiante, sinto que parte da minha missão ainda não cumpri.
Hoje, já tendo vivido tanto, constato que agora doem-me as costas, os joelhos, os cotovelos; às vezes, o corpo inteiro, tornando uma simples caminhada e qualquer exercício de força, que faço obstinadamente, um quase sacrifício.
Dói-me quase tudo, sim. Mas não me dói a alma, não me dói a consciência, pois fiz o que devia ser feito, com cuidado, zelo e determinação, especialmente como filho, como pai, como avô, como marido e como profissional. Conquanto admita que, durante a jornada – marcada por tempestades e calmarias – cometi muitos os erros, os quais, conquanto me tenham atormentado, serviram, no mesmo passo, de inspiração para correção de rota.
As dores no corpo são próprias de quem envelheceu sem saber envelhecer, sem se cuidar como devia, sem pensar no porvir. Mais por descuido do que pelos prazeres da vida, muitos dos quais me foram negados pelas circunstâncias da vida, sobre as quais não tive nenhum controle. E quem podia minimizá-las, torná-las mais suaves, covardemente se omitiu, infligindo a mim e à minha família um sofrimento que não merecíamos. Isso reafirma que, como ensinam os estoicos, há coisas na vida sobre as quais não temos controle, dentre as quais, destacadamente, as decisões das outras pessoas.
Tento, apesar de tudo, envelhecer com dignidade, sem deixar que as coisas incontroláveis infernizem a minha vida, fazendo opção pelas boas escolhas, pelas boas ações, neutralizando, na medida do possível, os eventos ou situações diante dos quais não tenho controle, afinal, dia após dia, o que você escolhe, o que você pensa e o que você faz é quem você se torna (Heráclito).
Definitivamente, não desejo enfrentar a velhice como um castigo. Todavia, dela não exijo mais do que mereço, pois muito do que vivo hoje é resultado das minhas escolhas.
Da velhice quero, agora, como uma lisonja de quem acha que fez por merecer, poder colocar no meu regaço os filhos dos meus filhos, com eles brincar e deles cuidar, na medida das minhas possibilidades e nos limites da minha responsabilidade, como cuidei — e cuido — dos que coloquei no mundo para dar à minha vida outra dimensão.
Olho para trás e vejo a longa estrada percorrida; longa e íngreme estrada, cujas asperezas forjaram o meu caráter, conduzindo-me, fruto também das minhas escolhas, pelo melhor caminho, sem tergiversações morais pelas quais eu pudesse me envergonhar.
Assumo, com humildade, os muitos erros que cometi nessa trajetória, dos quais não me ufano, mas me orgulho de ter com eles aprendido e mudado a direção.
Nesse trajeto, nessa direção, nas estradas por onde passei, é verdade, deixei parte dos meus sonhos por realizar, tamanhas foram as dificuldades, intercorrências e consequentes frustrações.
Nesse longo trajeto, olhando para trás, vejo que também realizei muito.
No caminho, recheado de dificuldades, como sói ocorrer, construí a minha história, permeada de contradições, de tristezas e alegrias – e, principalmente, de desejos reprimidos.
Nessa mesma estrada, forjei a minha personalidade e aprendi muitas lições, dentre as quais a de que nunca estive preparado para entender e enfrentar o mundo, onde pontifica o ser humano e sua complexa maneira de ser. Muito por incapacidade mesmo, e muito mais ainda por me assumir frágil e, até, covarde diante das adversidades e dos desafios, para os quais nunca estive preparado.
A única certeza que tenho é que não tardará o dia em que deixarei a ribalta e serei apenas uma lembrança remota de um personagem complexo e falível – como todos somos –, mas que viveu para fazer o bem, e que nunca se quedou diante das injustiças, ainda que, muitas vezes, não tenha reagido com a intrepidez que se esperava, premido pelas circunstâncias, como tenho admitido com humildade.
Importa dizer, agora, em arremate, que, para mim, o que realmente importa são as páginas escritas e deixadas como legado para os que virão depois, nas quais estão consignados os meus erros e acertos, as minhas virtudes e os meus defeitos. Através delas, revelo o que verdadeiramente sou: apenas mais um sobrevivente que um dia ousou acreditar ser possível mudar as pessoas apenas pelo exemplo, que acredita que só o amor é capaz de promover uma revolução, pois, como ensina o poeta, “ninguém poderá fazer o amor morrer, pois o amor é como grão: morre, nasce, trigo; vive, morre, pão” (Drão, Gilberto Gil).
É isso.
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