O Regimento Interno do STF no topo da pirâmide Kelseniana

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.
O presente artigo consiste numa tentativa simples de fazer algumas reflexões acerca das diversas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) à luz do ordenamento jurídico assentado na Constituição Federal de 1988. Observa-se, em muitas dessas decisões, a aplicação do seu Regimento Interno numa completa inversão da linha hierárquica das normas jurídicas a partir da Constituição Federal em vigência no país. Sem quaisquer crivos dos poderes constituintes originário e derivado, a Suprema Corte tem, mediante uso de técnicas de interpretação das normas constitucionais, substituído os Poderes da República cotidianamente no cenário político-jurídico do país. São sensações destacadas recorrentemente no campo jurídico do país.
Sabe-se que o Poder Judiciário, como um dos poderes do Estado brasileiro, possui, assim como os demais, suas competências descritas na Constituição Federal de 1988, mas de natureza eminentemente técnica e sem qualquer vínculo com a chamada legitimidade social, típica dos Poderes de força popular mediante o exercício do sufrágio eleitoral, sobretudo. Contudo, assiste-se, nesses últimos tempos, a profundas avocações de competências dos outros poderes por parte do Judiciário, e até, restaurando e assumindo o epitetado Poder Moderador do Império, numa confusão no manejo jurídico dantesco e preocupante para todos que operam no ramo do Direito. Essa preocupação abrange todos os operadores do direito, isto é, advogados, magistrados, membros do Ministério Público, das Defensorias Públicas, das Advocacias Públicas e até autoridades policiais que lidam nas chamadas polícias judiciárias existente no país (Polícia Federal e polícias civis estaduais), nos exercícios de seus munus públicos.
No fundo, há um rosário de decisões proferidas ao longo desses últimos cinco anos, que têm impactado a sociedade brasileira nos mais diversos segmentos. De maneira que essas decisões têm passado ou gerado uma sensação de estarmos vivendo não mais no chamado Estado Democrático de Direito, no qual os poderes da República e a própria sociedade estão vinculados ao fiel e literal cumprimento das leis no Brasil e, em especial, a Lei Constitucional que se trata da mãe de todas as leis infraconstitucionais que regem o sistema jurídico nacional.
A sensação diante dos diálogos tidos com vários profissionais do ramo, é que estamos vivendo um dos momentos mais difíceis na ordem constitucional do país, notadamente diante de várias sensações de usurpações escancaradamente das funções públicas dos poderes republicanos por parte do Judiciário nacional. Parece que estamos atravessando um período de alta complexidade ante a perda de credibilidade da justiça brasileira em todo o país, inclusive com baixíssima aprovação institucional, conforme último censo extraído no final do ano passado, salvo engano. Em suma, vive-se numa impressão permanente de que o país, no âmbito da expressão jurisdicional constitucional, enfrenta um momento de estado de coisa inconstitucional promovido por quem mais deveria proteger a Carta Política do país. Ainda assim, espero que esteja profundamente equivocado quanto a essa assertiva.
Acolá, ouvem-se ministros da Suprema Corte asseverarem que estão aplicando o Regimento Interno da Corte para decidirem lides nacionais que lhes são submetidas. Todavia, tentam repassar às massas brasileiras que tudo estar dentro da autorização contida na Constituição Federal ainda em vigor no país. Entretanto, aos segmentos esclarecidos, a conclusão é que a Corte Suprema do país, estar colocando o seu Regimento interno no topo da pirâmide Kelseniana, ou seja, aquele passou a ser a própria Constituição Federal em efetividade de aplicação no Brasil nesses últimos tempos.
E os acontecimentos do estilo não param de acontecer, pois do inquérito das fake News, também chamado de “Inquérito do fim do mundo” pelo ministro aposentado do STF Marcos Aurélio reiteradamente em entrevistas diversas, à nova decisão do caso IOF. Nesse último caso, o Supremo Tribunal Federal, em evidente supressão de instância judicial, trouxe para si, uma competência que seria do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao convalidar o aumento do IOF, sem seguir a extrema reserva legal que rege a matéria tanto no âmbito de competência dos poderes Legislativo como do próprio Executivo. Ainda que tenha sido provocado pela Advocacia-Geral da União, diante do impasse nacional eclodido em face da necessidade de o governo federal necessitar aumentar receita para cobrir as enormes despesas que não param de crescer e tem causado prejuízos deletérios na economia do país com grandes reflexos na reprovação de mais de 50% do método de governança do Brasil em curso.
Recentemente, o ex-ministro da Defesa nos governos pretéritos ao atual presidente da República, Aldo Rabelo, em uma entrevista, registrou que “no país tem vigorado onze constituições”, reportando-se aos onze ministros do Supremo Tribunal Federal na atual composição. Essa observação sugere que cada ministro teria uma “Constituição” ditada por si mesmo. O que preocupa em demasia a segurança jurídica do país, uma vez não muito longe, tem-se deparado com decisões díspares mesmo que sob sistemas de votações entre os pares de formas afins, dando azos de meras legalidades cumpridas.
Ainda, não muito distante só falta se chegar ao absurdo de membros da Corte Máxima do país assumirem outras funções públicas, desta feita administrativas, a exemplo de policiais penais para vigiarem se os condenados de 8 de janeiro, realmente estarão cumprindo as famigeradas penas que tanto tem comovido a grande parte sensível da nação brasileira ante todo o ocorrido. Nesse contexto, é oportuno citar as palavras do ex-presidente José Sarney, ao vaticinar que “tudo não se passou de mera baderna ao epiteto tentativa de golpe de Estado”. Oxalá impeça isso de acontecer já que seria simplesmente o fim do Estado Democrático de Direito no Brasil, uma vez abolidos estariam por definitivos os Poderes Legislativos e Executivo do Estado brasileiro e a democracia que tanto dizem estranhamente proteger e preservar, AMÉM!
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