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Repouso e bebida não combinam

RUY PALHANO
Psiquiatra, Membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).

Habitualmente, se associa os finais de semana, especialmente sextas à noite, sábados e, menos frequentemente, aos domingos, com atitudes de se beber e, frequentemente, de forma regular e exagerada. Esse tipo de comportamento, lamentavelmente, já está incorporado a um padrão psicológico, social e cultural de consumir bebidas alcoólicas, de tal forma que, há muitos anos, isso é considerado como sendo expressão legítima do se promover repouso.

Paradoxalmente, o conceito tradicional de repouso, quando aplicado a momentos como os finais de semana — sábados e domingos, especialmente — pode ser compreendido de maneira mais ampla e profunda do que simplesmente a ausência de atividade. Repouso, nesse contexto, não é apenas um estado físico de não fazer nada, mas sim uma condição existencial de alívio, distanciamento e reconexão com aquilo que está para além do labor, da produtividade e das exigências do cotidiano.

Etimologicamente, a palavra “repouso” vem do latim repausare, que significa “tornar a pausar”, ou seja, retornar à pausa, fazer uma suspensão das ocupações habituais para restaurar o corpo, a mente e, sobretudo, o espírito. É uma interrupção do automatismo diário, que permite ao ser humano reencontrar-se consigo mesmo, com os outros e com os sentidos mais profundos da vida.

O repouso, portanto, pode ser visto como um espaço-tempo simbólico em que a pessoa se permite desacelerar, abandonar as pressões externas, reequilibrar suas forças e, muitas vezes, cultivar o lazer, a contemplação, a convivência, a espiritualidade, o afeto e até mesmo o ócio criativo. Não se trata apenas de não fazer nada, mas de fazer diferente — com mais liberdade, com mais prazer e com mais autenticidade.

Do ponto de vista antropológico e cultural, dias como o domingo, considerados tradicionalmente dias de descanso, carregam também uma dimensão ritualística e social. São momentos em que a sociedade — ao suspender temporariamente a lógica do trabalho — valoriza a existência para além da produção, reconhecendo a necessidade humana de pausa, de respiro e de reumanização.

Em resumo, repouso é o ato deliberado de desacelerar para se recompor, é o direito de não ser apenas função ou desempenho, mas de ser plenamente humano. Ele caracteriza os momentos em que nos afastamos das atividades obrigatórias, para retornar a nós mesmos e aos sentidos mais profundos da vida — e é, justamente, por isso que ele é tão necessário quanto o próprio trabalho.

Se repouso, como acabamos de caracterizar, é um tempo de reconexão, restauração e reequilíbrio, a prática de beber excessivamente aos finais de semana — até a embriaguez frequente — está, na verdade, muito distante desse ideal. Mais do que isso, ela frequentemente revela uma fuga, uma tentativa de silenciar dores internas, ansiedades, frustrações ou vazios existenciais acumulados ao longo da semana.

O que se observa nesse comportamento é um equívoco socialmente normalizado: o fim de semana, em vez de ser espaço de descanso real, torna-se um tempo de compensação, muitas vezes destrutiva, para suportar uma vida insatisfatória durante os dias úteis.

A embriaguez repetida pode até parecer, superficialmente, um “relaxamento”, mas na verdade é uma forma de alienação — uma espécie de anestesia emocional, em que a pessoa abdica do encontro consigo mesma e com os outros em profundidade. Além disso, ao contrário de restaurar, o consumo abusivo de álcool compromete a saúde física, emocional, social e espiritual.

Isto é, ao invés de permitir que o corpo e a mente se recomponham, o excesso de bebida, ao ponto de se embriagarem, muitas vezes intensifica conflitos internos, deprime o sistema nervoso, gera sentimento de culpa, afasta relações autênticas e pode até agravar quadros psíquicos latentes, como depressão e ansiedade.

Portanto, não, não há compatibilidade entre o verdadeiro repouso e a embriaguez habitual. O repouso verdadeiro nos reconstrói; a embriaguez reiterada nos fragmenta. O repouso nos aproxima de nós mesmos e dos outros de maneira lúcida e sensível; a embriaguez nos distância e nos embrutece. É como se estivéssemos chamando de “descanso” aquilo que, no fundo, é uma forma de esgotamento camuflado, um desespero travestido de prazer.

Talvez, o que precisemos repensar como sociedade é o porquê de tanto sofrimento represado que leva tantos a buscarem alívio no excesso, e por que o repouso autêntico — aquele que acolhe, que cura, que humaniza — tem sido cada vez mais raro. Abaixo, apresento-lhes dez itens que demonstram que repouso não combina com o uso de bebida alcoólica.

  1. O álcool não restaura, ele desgasta o organismo. Enquanto o repouso visa recompor o corpo e a mente, o álcool provoca efeitos contrários: sobrecarga hepática, desidratação, alterações cardiovasculares e fadiga. O organismo sai mais exausto do que entrou, contrariando o objetivo do descanso.
  2. O repouso promove lucidez; o álcool, entorpecimento. Descansar é também estar presente, atento a si e ao outro. O álcool afasta a consciência e a clareza mental, dificultando qualquer forma de reconexão profunda consigo mesmo. Ao invés de centramento, produz alienação.
  3. O álcool favorece conflitos; o repouso, reconciliação. O verdadeiro repouso aproxima as pessoas, gera convivência saudável e fortalece os afetos. A embriaguez, por sua vez, está associada a explosões emocionais, discussões, agressividade e afastamento relacional.
  4. O repouso fortalece a saúde mental; o álcool a fragiliza. O tempo de descanso é terapêutico para a mente, reduzindo o estresse e prevenindo transtornos. O álcool, especialmente em uso recorrente, piora quadros de ansiedade e depressão, além de potencializar sofrimento psíquico.
  5. 5. O descanso favorece escolhas conscientes; o álcool afasta da responsabilidade. A pausa lúcida leva à reflexão e a decisões mais prudentes. O álcool compromete o juízo, favorecendo comportamentos impulsivos, promíscuos ou perigosos. O que deveria ser um tempo de reequilíbrio vira, muitas vezes, motivo de arrependimento.
  6. Prejuízo na qualidade do sono. Apesar da falsa impressão de relaxamento, o álcool fragmenta o sono, impede o repouso profundo e prejudica a recuperação física e mental. Acorda-se mais cansado e com sensação de desgaste.
  7. Associação com acidentes e violências. Fins de semana com uso abusivo de álcool estão fortemente ligados a acidentes de trânsito, quedas, agressões físicas e violência doméstica. O que era para ser um tempo de paz transforma-se em risco.
  8. Impacto negativo nos vínculos familiares. O excesso de álcool interfere nas relações familiares, com falas descontroladas, atitudes constrangedoras e negligência afetiva. Ao invés de fortalecer os laços, corrói a confiança e mina a convivência.
  9. Falsa ideia de prazer imediato com alto custo posterior. A euforia alcoólica é passageira e quase sempre seguida de mal-estar físico, emocional e moral. O que se vive como “diversão” muitas vezes termina em culpa, brigas, ressaca e sensação de vazio.
  10. O repouso genuíno é um gesto de cuidado consigo e com o outro. Por outro lado, enquanto o uso abusivo de álcool é, muitas vezes, um grito de exaustão não escutado, que fragiliza ainda mais o que se desejava curar.

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