A desfaçatez em afirmarem a inexistência de facções criminosas estilo terrorista no Brasil

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.
Há quase 32 anos, havia lido “Comando Vermelho”, de lavra do jornalista Percival Souza. A partir dessa leitura, fui buscar outras do estilo em diversos ramos do conhecimento literário, mais especialmente, nos estudos da Criminologia Tradicional e Crítica acerca das teorias que melhor explicassem a origem das facções criminosas, à luz das ciências afins, sobretudo.
Recordo-me de que, numa passagem do mencionado livro, há o registro de como se organizou o pensamento criminoso na espécie de facção criminosa por excelência no Brasil. Ou seja, há um indicativo de que, por absoluta falta de inteligência de alguns membros dos governos militares ou da Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, misturaram criminosos comuns com os presos políticos de então, justamente, os chamados “revolucionários” que tentariam implantar o modelo comunista cubano no país, em face de rezarem nas cartilhas de Moscou, durante a chamada Guerra Fria; ou, na outra faceta, diante das narrativas históricas afins, estariam lutando pela epitetada redemocratização do Brasil, buscando o retorno dos governos civis em detrimento dos governos militares, que administraram o país por vinte e um anos.
O fato concreto é que, diante dessa mistura, notadamente ocorrida, a princípio, no estado do Rio de Janeiro, inúmeras técnicas de guerrilhas e contraguerrilhas foram transmitidas aos citados criminosos comuns que, assimilando tais modalidades, conseguiram criar a primeira e mais organizada facção criminosa do Brasil: o Comando Vermelho. Não se sabe, ao certo, se a denominação tem origem na bandeira vermelha defendida pelos referidos revolucionários ou se faz alusão ao intenso derramamento de sangue, que seria provocado quando de sua operacionalidade na disputa pelo mercado de tráfico ilícito de entorpecentes, nos morros da capital carioca; ou na demonstração de forças sob quaisquer espécies no estilo de organizações terroristas, portanto.
O mais grave foi a ramificação dela para com a criação de outras concorrentes, embora a mais destacada foi e é a chamada Primeiro Comando da Capital, gestada também nos presídios, porém do estado de São Paulo. Essa facção tomou corpo no país inteiro, especialmente, a partir da implosão do horrendo presídio do Carandiru e da regionalização da execução penal naquele estado, salvo melhor pontuação histórica. O mais aterrorizante foi a sua expansão por todo o país, mais precisamente para os estados do Norte/Nordeste, ante suas vulnerabilidades dos sistemas penitenciários respectivos. Fato.
Não é de longe relembrarmos os tempos horrendos de enfrentamentos às facções no estado do Maranhão, quando içaram bandeiras, no final do ano de 2010, com, salvo memória, dezenove assassinatos de custodiados, no então Presídio São Luís, situado no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em uma demonstração de extrema fragilidade do sistema penitenciário local que já estava tomado por representações das facções acima. Foi nesse contexto que surgiu uma facção local, criada como forma de resistência àquelas: hoje escancaradamente alcunhada por “Bonde dos 40”. Essa facção se ramificou por todo o estado do Maranhão, tem bandeiras de braços na prática de diversos crimes, dentre os quais em atitudes bárbaras de delitos de homicídios entre seus rivais na disputa de territórios criminógenos correspondentes ou também firmamento de espaço de poder territorial, basta folhear as páginas jornalistas para se constatar tal assertiva.
O mais grave, contudo, é o governo brasileiro vir a público no sentido de difundir falácias acerca da inexistência de facções criminosas estilo terroristas no país, ou seja, uma desfaçatez. Ao sustentar tal proposição, subestima dos incautos aos esclarecidos da sociedade brasileira, numa verdadeira afronta à memória da população que vive encurralada em suas residências que se tornaram “presídios”, em razão da insegurança pública que assola todo o país nesses últimos anos.
É óbvio que o Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mais precisamente do Pacto de San José da Costa Rica de 1969, cujos princípios ali insculpidos estão no ordenamento jurídico brasileiro, assim como fazem parte das chamadas cláusulas pétreas, uma vez que disciplinam questões inalienáveis da pessoa humana nos mais diversos aspectos de sua dignidade a serem garantidas e preservadas pelo Estado brasileiro, ainda que tenham, um criminoso ou seu bando, cometido crimes bárbaros contra a humanidade, a exemplo do que o país tem assistido quando das ocorrências envolvendo faccionados entre si ou deles para com a população no geral. Dessa forma, o modelo de resposta estatal à contenção ou erradicação de tais delitos, jamais poderá assumir o exemplo do pequeno país salvadorenho que adotou uma política de contenção e erradicação de todas as formas de facções, isto é, de forma severa e com resultados dignos de aplausos de sua população que vivia sobre os sobressaltos das inúmeras facções que dominavam os espaços sociais urbanos e rurais daquela pequena nação.
Contudo, o Brasil precisa de alguma forma apresentar algo concreto, objetivo, sem delongas e promessas vazias ou tendenciosas para atender superficialidades governamentais de plantão, ainda que precise alterar sua legislação, a fim de parar de produzir políticas públicas deficitárias e desencorajadoras dos seus sistemas de segurança pública como um todo, no sentido de promover respostas com políticas públicas de Estado com inteligência transversalizada e contundente.
Na realidade, o crime, seja promovido pelas facções criminosas ou individualmente, é uma expressão instintiva e, portanto, atávica por excelência. Sendo assim, o Estado deve reagir de maneira igualmente “instintiva”, porém sob as égides de coerência, responsabilidade legal, promoção e defesa da vida de qualquer ator envolvido, mas de preferência a quem merece toda a proteção estatal: o povo brasileiro, que agoniza por dias melhores e sem qualquer esperança em tempos atuais. Que o Pai nos aponte uma sensação diferente, AMÉM!
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