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Uma sinfonia para a eternidade

SÔNIA ROSITA DA COSTA MUNIZ*

Maestro João Carlos — homem que, como o som do pistom que o imortalizou, ecoa ainda hoje no coração da cultura maranhense.
Salve, Mestre! Sua bênção.

Ao cumprir o rito de elogio ao patrono, uma das exigências para ser reconhecida pela Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares (Amclam) como uma de suas acadêmicas, em 5 de dezembro de 2023, estou certa de que essa foi uma das maiores missões acadêmicas a que me submeti, pois, como artista plástica, expresso minhas ideias, emoções e visão de mundo através da pintura como arte visual, e assim exerço a minha habilidade em transmitir mensagens e provocar reflexões.

Naquela oportunidade, 5 de dezembro de 2023, em verdade, ocorreu um verdadeiro encontro entre o passado e o presente, pois invoquei o espírito da Fazenda Aliança, em Cururupu, onde, em 10 de abril de 1911, nasceu João Carlos Dias Nazareth — filho de Anastácio e Assunção — e onde também nasceu o gênio que soube transformar a dureza da vida em poesia sonora.

Ainda menino, aos 12 anos, perdeu o pai e ganhou o peso de ser homem antes do tempo. E foi assim, entre a cana cortada e os camarões pescados, que forjou seu caráter e sua sensibilidade.

Tropeçando entre ferragens de oficina e garrafas de leite, encontrou na música um abrigo — e com 100 mil réis, suados centavos por centavos, comprou o primeiro pistom. Um pequeno gesto, uma grande revolução. De aprendiz a maestro. De Cururupu ao Rio de Janeiro. De entregador de leite ao compositor do hino da Polícia Militar do Maranhão. Uma trajetória feita de perseverança, notas musicais e amor incondicional pela arte.

Entrou na Polícia Militar do Maranhão em 1935, e ali também ergueu sua história: trinta e um anos de dedicação, entre compassos e contratempos. Comandou a banda da corporação, regeu a Escola Técnica Federal do Maranhão com precisão e alma, levando a música maranhense ao reconhecimento nacional.

E como não se emocionar com “Cajueiro Velho”, “Etelvina, minha nega”, “Gracinha” ou “Assumpção”? São melodias que não envelhecem, que se instalam na memória afetiva do nosso povo. E se a música já não bastasse, João Carlos ainda nos deu seu coração em palavras: escreveu memórias que narram tragédias, lições e ternuras. Recordo aqui um trecho de seu livro, onde descreve, com lágrimas nos olhos, o incêndio que consumiu a casa de sua infância. Um episódio simples, mas marcado de dor e humanidade.

Na tela da vida, o maestro também atuou no cinema, no filme “Uirá, um Índio em Busca de Deus”, e fundou a Orquestra Jazz Guarani, símbolo de talento e resistência artística. No folclore, viveu o Bumba Meu Boi como um menino brincante, apaixonado pela zabumba da nossa cultura.

João Carlos não foi apenas um homem de palco — foi também pai de onze filhos, companheiro de Dona Felipa, avô de netos que ainda hoje carregam a tocha da sua herança. E nesta noite, ao som de trompetes e declamações, sua memória dança novamente entre nós.

E se a Cadeira nº 12 da Amclam, que carrega o seu nome como patrono, também honrou quem veio depois: o economista, radialista e homem de letras, o inesquecível poeta Pedro Ivo de Carvalho Viana, que nos deixou em 2020, vítima da Covid-19, mas cuja presença e voz ainda ecoam em poemas, memórias e na homenagem que o sodalício lhe prestou titulando com o seu nome um Concurso Nacional que já se encontra em sua quinta edição e oportunizou que inúmeros brasileiros tivessem a oportunidade de mostrar seus maravilhosos poemas e os publicassem com o beneplácito da Amclam.

Celebramos dois grandes homens, dois maranhenses de valor, dois exemplos de humanidade e talento.

E, ao fim, como quem se despede com reverência e gratidão, em pinceladas, não propiciei aos inúmeros amigos que me prestigiaram uma palestra, mas pintei com palavras na tela do maestro:

“Que isso sirva de aviso aos jovens, para não se precipitarem quando sentirem qualquer obstáculo em seu caminho, procurem removê-lo com bastante sabedoria e astúcia.”

— João Carlos Dias Nazareth, Memórias, 1977.

Foi uma oportunidade incrível homenagear a família Nazareth e, de alguma forma, especialmente Ivone e Wilson, aos netos, aos que guardam a história de seu patriarca com muito amor.

*Artista plástica, ocupante da cadeira nº 12 da Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares (Amclam), patroneada pelo maestro João Carlos Dias Nazareth.

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