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E volta à tona a polêmica da Lei de Anistia: Brasil precisa é de paz!

SEBASTIÃO UCHOA
Advogado do escritório Uchôa & Coqueiro Advocacia, delegado de Polícia Civil aposentado.

O Brasil, geralmente, mergulhado em emoções negativas, acostumou-se a produzir lei ou leis e até mesmo decisões judiciais, no afã dos sentimentos ora de revolta, ora de angústia, ora por sonhos de um país harmônico e mais justo para todos, ou ainda por receios quanto aos efeitos midiáticos. Nesse contexto, possivelmente, o país voltará a discutir os efeitos da Lei de Anistia, que foi sancionada no ano de 1979, sob “novos” argumentos tendo como prisma, a saber: questões relacionadas à primazia da violação de preceitos universais de proteção aos Direito Humanos, durante o regime militar, que governou o Brasil por vinte e um anos.

Tivemos o caso clássico da Lei dos chamados Crimes Hediondos, concebida durante a luta pela criminalização dos crimes bárbaros contra a vida humana, em especial como acontecido no caso da saudosa atriz Daniela Perez, onde sua genitora, a autora, escritora e produtora Glória Perez, conseguira aprovação da lei no cenário do ordenamento jurídico do Brasil com muita luta. Tudo, em prol do combate à impunidade e busca de um maior controle da violência criminal, pela via do endurecimento das leis penais dentro do território nacional.

Hoje, em face do filme “Ainda estou aqui”, que ganhou o Oscar de 2025, na categoria de melhor filme internacional, vem produzindo efeito além da arte, ou seja, provocando eventual discussão acerca da vigência da lei de anistia, decretada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo então presidente João Figueiredo nos idos do final da década de 70, qual seja, a lei 6.831/79. Isto é, vem à tona debates acerca de que precisa ser revista, a fim de se buscar a responsabilidade criminal dos autores de bárbaros crimes cometidos durante mencionados governos militares, mais precisamente com focos nos agentes do Estado, que teriam cometido delitos comuns conexos com crimes políticos ou de motivação política, naqueles horrendos tempos por quais passou o país para todas as bandeiras de segmentos sociais em dialéticas de interesses afins.

Interessante que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, aproveitando a inovação constitucional na Carta de 1988 com a criação do instituto de direito constitucional do controle da constitucionalidade concentrado chamado Arguição do Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, ingressou com a ADPF nº 153, em 21 de outubro do ano de 2009, sob argumento pontual que o parágrafo § 1º do artigo 1º da mencionada lei, deveria ser declarado inconstitucional, justamente por estender anistia aos chamados crimes conexos aos crimes políticos ou de motivação política, assim, deveria ser declarado inconstitucional à luz da nova ordem constitucional assentada na Constituição de 1988. Para tanto, pleiteava-se que os autores de tais delitos fossem responsabilizados criminalmente pelas condutas delitivas cometidas durante a maior parte do período dos governos militares, pois por serem crimes contra a humanidade, seriam imprescritíveis, num enredo de interpretação sucinto e maior.

A conclusão do referido julgamento foi pela não procedência da mencionada ação, numa votação de 4×2, onde os ministros Eros Graus, Gilmar Mendes, Celso de Melo e Carmem Lúcia, em fundamentações bastantes convincentes, tecnicamente falando, foram os votos vencedores aos dos ministros Ricardo Lewanddowski e Ayres Brito, naquele julgamento, cuja tramitação processual durou dois anos.

O que me chamou a atenção, sobremaneira, foram os votos dos ministros Gilmar Mendes e da própria ministra Carmem Lúcia, quando aquele se reportou a ambos os lados de possíveis autorias delitivas ocorridas sob graves acusações, sejam agentes estatais, sejam os cometidos pelos opositores ao regime de gestão dos militares naquilo que ele chamou de “anistia de mão dupla”; enquanto esta última vaticinou que o acordo político travado entre os lados dos militares e altíssimos representantes da sociedade civil, tais como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e o Comitê Brasileiro pela Anistia e o Instituto dos Advogados do Brasil, deram sua concordância com o documento que viria a se tornar a mencionada Lei de Anistia, firmando seu voto numa frase até polêmica “goste-se ou não do que nele se contém ou que dele resultou”. Ou seja, é que a anistia deveria ser ampla e irrestrita, sob a égide de uma irretroatividade legal, bem como de alcance a todos e todas envolvidos nos crimes cometidos durante mencionado período.

Penso que também resguardaram a segurança na normatização da ordem jurídica do país, notadamente na preservação da independência dos poderes, reservando a não intervenção de um poder sobre o outro, naquilo que chamam de vedação a uma situação de o Poder Judiciário evitar se tornar legislador negativo já que invadiria a competência do legislativo nacional, sobretudo.

A sensação que se extrai daquele julgamento é que o pacto nacional ali travado e normatizado na Lei de Anistia buscou, sobretudo, abrir caminhos para o Brasil de hoje, especialmente plural e alinhado como um verdadeiro Estado Democrático de Direito, doa a quem doer, embora feridas incicatrizáveis no campo das emoções decorrentes pelos vínculos das perdas ocorridas para todos os lados.

Num espectro maior, independentemente, dos autores dos bárbaros crimes ali cometidos (acredito que vários já mortos), sejam agentes estatais, sejam os cometidos pelos opositores ao tão questionado regime militar da época, todos deveriam estar sob a égide da anistia concedida pelo Congresso Nacional de então. Afinal, a anistia é, em essência, um instituto de natureza de política criminal correlato a extinção de punibilidade, possuindo principalmente, nas palavras do advogado e historiador Demetrius Silva Matos: “a finalidade de se fazer ‘esquecer’ de um crime”. Essa conceituação é bem pontuada em sua obra “Direito na Ditadura – O uso das leis e do direito durante a ditadura militar”, cuja leitura recomendo, embora com as reservas críticas construtivas necessárias, mas por oferecer um grande apanhado dos contextos passados e suas repercussões no presente, ante a difusão de que estaria a atual composição do Supremo Tribunal Federal, disposta a rediscutir a matéria, ainda que sumulada com efeito vinculante, nos idos de 2010.

No fundo, ante o atual contexto nacional, diante de uma caixa de pandora, as estruturas da República podem estar a se arriscar, onde novas feridas têm sido abertas dentro de um clima de polarização alimentado 24 horas por ódios de todos os lados de representação social constituem uma verdade às claras cotidianamente no cenário nacional, inclusive com caracteres institucionais. Só cegos ou incautos politicamente, não podem bem isso enxergar.

Assim, voltar à tona a polêmica da Lei de Anistia é esquecer ou esquecerem que o Brasil precisa é de paz, salvo se outros interesses obscuros pessoal ou grupal estejam isso a alimentar, quiçá com vista a 2026, especialmente. Tomara Deus que não!…

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