O sentido de vida e a sociedade contemporânea

RUY PALHANO
Psiquiatra, Membro da Academia Maranhense de Medicina e Doutor Honoris Causa – Ciências da Saúde – EBWU (Flórida EUA).
Vivemos em uma época complexa e marcada por um paradoxo angustiante: nunca a humanidade teve tantos recursos, tantas possibilidades e tantas liberdades quanto hoje; e, ao mesmo tempo, nunca se enfrentou tamanha crise de sentido existencial. Em meio ao frenesi do consumo, da informação instantânea e das múltiplas opções de escolha, muitos indivíduos se veem mergulhados em uma sensação de um profundo sentimento de vazio existencial, difícil de nomear e de encontrar saídas.
O declínio das grandes narrativas, como a religião, a tradição e a comunidade, deixou o ser humano moderno à deriva, sem timão, sem rumo e sem destino, forçando-o a construir, sozinho, um significado autêntico para sua existência. A promessa de liberdade ilimitada, tão celebrada pela modernidade, revelou-se, para muitos, uma fonte de angústia, desorientação e imensa frustração.
Afinal, como encontrar um propósito genuíno em um mundo onde tudo é efêmero, descartável e fragmentado? Onde tudo é passeiro, rápido e incerto? Percebe-se que, à medida que os pilares tradicionais de sentido foram ruindo, entre estes a ética, pátria, família, o homem contemporâneo viu-se diante de um vazio que precisa ser preenchido de qualquer forma por si mesmo.
Como afirmou Viktor Frankl em Em Busca de Sentido, “o homem é essencialmente um ser em busca de significado”. No entanto, na sociedade líquida descrita por Zygmunt Bauman, onde as relações, os compromissos e até as identidades se tornaram frágeis e instáveis, a construção de sentido tornou-se um processo árduo, doloroso e solitário. O fato de não alcançarmos modernamente o significado desejado, isso nos conduz à solidão, ao desespero, transtornos psiquiátricos e à pesada falta de desrealização pessoal.
Byung-Chul Han, em sua crítica à sociedade do desempenho, reforça que o indivíduo moderno, sufocado pela necessidade de se autopromover e se autogerenciar, perdeu o tempo e a disposição para a contemplação interior, fundamental para a construção de um propósito genuíno e para o autoconhecimento.
A modernidade, ao dissolver as estruturas sólidas do passado, ofereceu a liberdade como promessa, mas não ensinou o que fazer com ela. Jean-Paul Sartre, já advertia que a liberdade humana é um fardo, pois ao eliminar todas as determinações externas, lança o sujeito no abismo da responsabilidade total por sua existência.
A crise do sentido, portanto, não é um acidente da história moderna: ela é um sintoma inevitável de uma cultura que valoriza a escolha irrestrita, mas negligência o cultivo interior. Essa crise não ocorre apenas em nível individual; ela é o reflexo direto das condições psicossociais da modernidade.
O mundo contemporâneo impôs um modelo de existência baseado no desempenho incessante, na competição constante e na comparação permanente. As tecnologias digitais, ao mesmo tempo em que ampliaram a comunicação, reforçaram a vigilância social e a necessidade de aprovação pública. A exposição contínua aos ideais inatingíveis de sucesso e felicidade como se observa nas redes sociais provoca inveja e ansiedade.
A identidade, antes construída em processos lentos e profundos, hoje é moldada por curtidas, seguidores e validações momentâneas. O eu moderno tornou-se um projeto de marketing pessoal em busca interminável por relevância. Essa dinâmica impacta diretamente as relações humanas. As relações sociais, antes enraizadas em laços de pertencimento, confiança e história compartilhada, tornaram-se frágeis, breves e utilitárias.
O outro deixa de ser um fim em si mesmo e passa a ser avaliado em termos de sua utilidade emocional, social ou econômica. O amor, a amizade e até mesmo os vínculos familiares são afetados por essa lógica, tornando-se, muitas vezes, relações de consumo: aproximações rápidas, descartes silenciosos e afetos voláteis. A confiança, elemento essencial para qualquer relação significativa, torna-se rara em uma cultura que valoriza a imagem em detrimento da profundidade.
Essa fragilidade relacional intensifica a solidão moderna. Não se trata apenas da ausência física de companhia, mas de uma solidão existencial: o sentimento de estar desconectado dos outros e, em última instância, de si mesmo. As pessoas vivem cercadas de contatos, mas carentes de conexões genuínas.
Como descreve Bauman, estamos numa era de “relacionamentos de bolso”, prontos para serem ativados e descartados conforme a conveniência. Essa impossibilidade de estabelecer vínculos sólidos gera não apenas tristeza, mas também um profundo cansaço emocional. Acrescentaria o desvanecimento, apatia e a sensação de auto desvalia.
A necessidade constante de se expor, de agradar, de manter uma aparência socialmente aceitável esgota as energias psíquicas do indivíduo. O cansaço emocional é o novo mal silencioso da modernidade. Ele se manifesta na apatia, na irritabilidade, na sensação de vazio que invade até os momentos de sucesso e conquista.
Byung-Chul Han chama esse fenômeno de “sociedade do cansaço”, na qual as doenças psíquicas como a depressão, a ansiedade e o burnout se tornam epidêmicas, pois decorrem da exaustão de um sujeito que foi reduzido à sua função de produtor e consumidor de si mesmo.
Diante desse cenário, a necessidade de vínculos autênticos surge como um anseio vital. Mais do que nunca, torna-se urgente resgatar a capacidade de criar relações baseadas na presença, na escuta e no reconhecimento real do outro. Vínculos que não estejam fundados na performance ou na utilidade, mas na aceitação do outro em sua inteireza.
Isso exige tempo, paciência e a coragem de ir contra a correnteza da superficialidade. Em um mundo que prega a felicidade instantânea e a realização permanente, resgatar o valor do silêncio, da contemplação, da profundidade afetiva e da solidariedade tornou-se um fardo enorme e ato de resistência gigantesco.
Encontrar sentido não é uma tarefa fácil, mas continua sendo, como sempre foi, a condição essencial para uma vida verdadeiramente humana. Como bem expressou Viktor Frankl: “A vida nunca se torna insuportável pelas circunstâncias, mas apenas pela falta de sentido e propósito.” Reconectar-se consigo mesmo, reencontrar o outro não como um espelho de validação, mas como um companheiro de travessia, pode ser o primeiro passo para restaurar um sentido autêntico em meio à vertigem do mundo moderno.
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