Crime de mando em cidade do sul do Maranhão ressuscita os tempos da Chicago de Al Capone
Fonte: Do site ucho.info
Desde priscas eras, o Brasil é conhecido por ser terreno fértil para o descumprimento da lei. O conjunto legal em vigência no País é tão vasto e complexo, que em muitos casos a impunidade prevalece, seja por prescrição penal, seja por investigações malfeitas, sem desfecho e corroídas pelo tempo. Nos últimos cinquenta anos, o crescimento e o desenvolvimento do País foram enormes, mas em alguns rincões nacionais parece que a vida acontece em séculos passados.
Da primeira morte provocada pelo novo coronavírus – já são mais de 610 mil – até agora, a sociedade verde-loura, em sua maioria, teve tempo mais que suficiente para se dar conta do inestimável valor da vida. Cada brasileiro conhece alguém que tombou diante da Covid-19, que como atirador experimentado foi fazendo vítimas aqui e acolá, sem um grama de piedade. Longe da devastadora ação do implacável vírus, este introdutório faz eco ao valor vil que a vida humana tem onde impera a pistolagem, que comete crimes de encomenda com frieza.
Ao longo de décadas, a cidade de Imperatriz, no Maranhão, carregou o epíteto de “capital da pistolagem”, ou seja, conquistou péssima reputação na esteira dos chamados “matadores de aluguel”, que até hoje atuam na região como se fossem a versão tropical dos gangsteres da Chicago de Al Capone.
Próspero município localizado na porção sul do território maranhense, Imperatriz viu os “fora da lei” avançarem em outras direções, a exemplo do que fazem as ervas daninhas. O mesmo aconteceu em várias unidades da federação, movimento que ganhou força com a marginalização da população e com o inegável contrabando de armas de fogo. Em suma prevaleceu a tese de que a necessidade (sic) não tem limites.
O início de tudo
No final da década de 70, em viagem pelo interior do Maranhão, o editor do UCHO.INFO já ouvia ruídos sobre a fama de Imperatriz. Não se trata de fazer juízo de valor a respeito do município, mas de reverberar no presente a voz corrente de então. Se o que diziam era verdade suprema é difícil afirmar, mas faz-se necessário destacar que muitos fatos colaboraram para essa fama.
O provérbio “contra fatos não há argumentos” (“a facto ad jus non da tur consequentia”, em latim) não anula o direito ao contraditório e ao devido processo legal, mas ganha força quando crimes não são esclarecidos por causa da inoperância oficial.
Há um ano, o portal “Amazônia Hoje” resgatou matéria publicada em 1977 no jornal paraense “O Liberal”. O jornalista Lúcio Flávio Pinto escreveu: “Pistoleiros começaram a ser atraídos em grande escala para o Maranhão no início da década de 1960, com a inauguração da rodovia Belém-Brasília. Criadores de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Rio Grande do Sul levaram consigo, ao migrar, homens rudes e violentos, alguns dos quais eram pistoleiros, para ajudá-los a se estabelecer na nova terra. Nessa época, surgiu, na Pré-Amazônia maranhense, o mais perigoso grileiro e aliciador de pistoleiros, Pedro Ladeira. Ele foi acusado de mandar assassinar dezenas de lavradores.”
“Os proprietários rurais recrutavam pistoleiros nos municípios de Dom Pedro, Tuntum, Esperantinópolis, Joselândia, Barra do Corda e Presidente Dutra. Mas os principais centros eram Imperatriz e Presidente Dutra. De 60% a 70% dos homicidas que se encontravam presos na penitenciária do Maranhão na segunda metade da década de 1970 eram oriundos de Imperatriz”, completou o jornalista.
Banditismo deliberado
Muitos crimes cometidos na região que tem Imperatriz como polo centralizador não foram investigados adequadamente, talvez pela dificuldade em coletar provas ou, então, pela espúria falta de empenho das autoridades. Esse quadro de malemolência dos órgãos estatais, que se repete há décadas, alimenta o sincretismo do crime e incentiva o surgimento de novos pistoleiros, emprestando à região um cenário que remete ao histórico “Massacre do Dia de São Valentim”, ocorrido em Chicago em 1929, durante a Era da Lei Seca, e que contrapôs gangues rivais, uma delas comandada por Al Capone.
O mais recente crime de mando foi cometido há semanas em Cidelândia, município localizado no Sul do Maranhão e que faz fronteira com as cidades de Imperatriz e Açailândia e com os estados do Pará e do Tocantins. A vítima foi o empresário da construção Weliton Rodrigues, conhecido como “Júnior Secretário”, contabilista e diretor da Associação Comercial e Industrial de Imperatriz (ACII), alvejado por um pistoleiro quando deixava a sede da prefeitura municipal, após participar de processo licitatório. Em matérias subsequentes abordaremos alguns dos crimes cometidos em Cidelândia e cujas investigações ficaram para as calendas. É estarrecedora a inação do poder público diante de mais um crime de mando no Maranhão.
Toda investigação tem uma espinha dorsal, sempre baseada na lógica, mas não se deve ignorar o fato de que a cena do crime fala por si só. E não fazer a devida leitura é no mínimo prevaricação, talvez malfazejo, como dizia-se no passado.
O crime de que foi vítima “Júnior Secretário” tem sua linha do tempo, algo que as autoridades, por enquanto, parecem ignorar. O UCHO.INFO já iniciou a montagem do quebra-cabeça e questionará os representantes do Estado sobre tal situação.
Duas semanas após o crime, testemunhas já deveriam ter sido intimadas a depor. Se o crime foi de encomenda, há um mandante e um executor. E nessa relação há envolvimento de valores. Como reza a máxima da investigação, “siga o dinheiro”.
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