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Boatos, factóides e fake news na história da República

O imperador D. Pedro II cai; o marechal Deodoro da Fonseca, num piscar de olhos, proclama a República


A República brasileira foi proclamada no dia 15 de novembro de 1889. Com certeza, não é novidade para ninguém, embora haja quem, por aí, indague, de vez em quando: que República? Acredito, porém, que de uma coisa muitos não sabem. É que o acontecimento deveria ter sido proclamado no dia 20 de novembro e não no dia 15.
Isso significa que a nossa República já nasceu sob o efeito de uma grande mentira, fato que, pela sua própria natureza, ela não tem conseguido desmentir, através dos anos.
O Brasil, na sua destinação histórica, parece ter sido marcado por beatos e boatos. A República teve a seu favor, desde o início, os boatos. E contra ela alguns beatos. Mas a verdade dos boatos, mais do que a dos beatos, vem prevalecendo ao longo dos tempos. É só a gente atentar para os registros históricos e constatar os fatos. Vejamos:
Fundado o Partido Republicano, dentro da inquietude geral em que se achava o país, alguns republicanos começaram a sondar os militares no sentido de que estes se colocassem à frente de um movimento contra o governo. Assim, “no dia 11 de novembro, Rui Barbosa, Benjamim Constant, Aristides Lobo, Quintino Bocaiúva e Francisco Glicério procuraram o Marechal Deodoro da Fonseca (que se destacara nos incidentes da Questão Militar, ganhando popularidade) e tentaram convencê-lo a participar de uma conspiração contra a monarquia.
No entanto, ele hesitou, não querendo trair o imperador. Mesmo assim, os conspiradores levaram avante os planos de um golpe contra o governo, que seria desfechado no dia 20. Entretanto, na madrugadado dia 15, quando muitos dos conspiradores dormiam tão placidamente quanto a família imperial, surgiu grande inquietação nos quartéis do Rio de Janeiro ante o boato de que Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo teriam sido presos, e de que os próximos seriam Benjamim Constant (o grande líder republicano entre os militares) e Deodoro da Fonseca.Tomando os boatos por verdadeiros, o 1º Regimento colocou-se em rebeldia contra o governo.
Avisado, Ouro Preto comandou a resistência, seguindo para o Quartel General e convocando todo o Ministério. Mas os conspiradores também eram avisados. Os alunos da Escola Militar (onde Benjamim Constant era um professor muito considerado) aderiram ao movimento dos rebeldes.
Benjamim Constant saiu às ruas apoiado pelas tropas do Quartel de São Cristóvão. Encontrou-se com Deodoro que, embora adoentado, colocou-se à frente dos rebeldes. E o Quartel General foi rapidamente cercado”.
Nasceu, então, a República, por assim dizer, antes do dia marcado pelos próprios conspiradores. Veio antecipadamente, por força de boatos surgidos nas caladas da noite, numa predestinação perfeitamente adequada ao espírito brasileiro que sempre viu a República viver mais de boatos do que de atos autênticos.
Portanto, nesta segunda-feira (dia 15), nós não vamos mesmo festejar os 132 anos de República. O que vai, na realidade, ser comemorado é o aniversário de um boato, de um extraordinário boato que desencadeou uma série imensa de outros e que não se sabe nunca onde vai acabar.
Todo o nosso universo político se resume numa completa e profunda boatice. Se boato, como diz o dicionário, é “notícia anônima que corre publicamente sem confirmação”, se é “atoarda, balela, falaço, ruído, rumor, zunzum, zunzunzum”, não sei de nada que defina melhor o cenário das pré-candidaturas que estão surgindo à sucessão do governador Flávio Dino.
A coisa anda de tal maneira que há muitas candidaturas de boato e muitos boatos de candidatura.
O falaço, o ruído, o rumor, o zunzum, tudo está na linguagem dos políticos que começam a se insinuar como pretendentes à principal cadeira do Palácio dos Leões.
De um modo geral, quanto maior e quanto mais sofisticado seja, em nossos dias, o boato, mais o brasileiro passa a acreditar nele.
Eis um exemplo do que aconteceu na semana passada: surgiu o boato de que um tal general Tácito Cavalcanti seria o novo ministro da Defesa a ser nomeado pelo presidente Bolsonaro e que este novo ministro já anunciava que iria “enquadrar” o Supremo Tribunal Federal (STF).
A história, por incrível que pareça, começou a ser compartilhada como “verdade absoluta” em grupos bolsonaristas e em segmentos a favor de uma intervenção militar no Brasil. Porém, não é verdade que o tal general Tácito Cavalcanti seria o novo ministro da Defesa.
Quem não se limita a consumir notícias apenas em grupos do WhatsApp ou em redes sociaispercebeu que a história estava um tanto quanto estranha. A troca repentina de um ministro de governo viraria notícia em todos os principais veículos de mídia. Porém, não havia qualquer informação sobre o assunto em fontes confiáveis.
Ao buscar em sites oficiais do governo sobre a tal nomeação, nada se encontrava. Detalhe: ao buscar pelo nome Tácito Cavalcanti entre servidores públicos. Ou seja: não só o general não foi nomeado como também não existe nenhum general com este nome.
Tudo se tratava de uma mentira. Uma pessoa escreveu uma peça de ficção em uma rede social. O conteúdo foi muito compartilhado e, em algum momento, a autoria se perdeu. A partir daí, muita gente começou a pensar que a história era verdadeira. Resumindo: não é verdade que um general chamado Tácito Cavalcanti assumiria o Ministério da Defesa. Nem há um general com esse nome. Tudo não passou de um tremendo boato, de uma magnífica fake news, bem ao sabor da nossa República. Viva Deodoro da Fonseca!

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