Gritos de Bolsonaro e de Dom Pedro I na Semana da Pátria
Nem se sabe mais se ainda é lícito falar em Semana da Pátria, com o mesmo sentido que a isso se dava outrora. Acho que não. O 7 de Setembro, alongando-se por sete dias da semana, nos leva de logo a pensar hoje nos sete pecados capitais que tomaram conta da capital de nossa República.
Lá hoje estão, sob o comando do presidente Bolsonaro, aqueles que outrora se chamavam pais da Pátria e que atualmente vivem pintando o sete, em qualquer mês ou semana.Também pátria é uma palavra tão já defasada, tão oca, tão jogada fora ou, por si mesma, tão expatriada que quase não pertence mais ao nosso vocabulário.
Mas houve um tempo em que, se tínhamos de um lado os pais da pátria, tínhamos de outro a pátria-mãe, a mãe gentil, mãe dos filhos deste solo. Os pais da pátria tornaram-se uns filhos-da-mãe, e a mãe gentil não passa, em nossos dias, de uma madrasta cruel para a maioria dos brasileiros. Muitos filhos deste solo não têm solo. Logo, não é possível falar em pátria como antes.
Além disso, o outro brado retumbante de que fala o Hino Nacional parece ter perturbado apenas as margens plácidas do riacho Ipiranga e lá mesmo se dissipou. Além do mais, um grito de “independência ou morte” não dá para fazer assim facilmente uma escolha, porque a morte é sempre mais certa do que a independência, escolha-se ela ou não.
Basta ver que continuamos morrendo independentemente do que aquele grito nos tenha dado como uma opção para enfrentar o nosso destino. E afinal de que é que somos independentes, se optamos por ser mentalmente colonizados?
Tal é o descalabro a que chegamos que, na Semana da Pátria, como homenagem a ela, só podemos contar com uma frase grotesca do presidente Bolsonaro, que chamou de “idiota” quem diz que precisa comprar feijão. Para o presidente, “tem que todo mundo comprar fuzil”.
Bolsonaro deu as declarações ao conversar com apoiadores no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. No diálogo, transmitido em redes sociais, um simpatizante questionou se havia novidade para caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs. O presidente, então, respondeu:
“O CAC está podendo comprar fuzil. O CAC que é fazendeiro compra fuzil 762. Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar.”
Bolsonaro se elegeu com discurso a favor de facilitar o acesso da população a armas e munições. Já no governo, editou uma série de decretos para viabilizar a medida. Em setembro de 2019, por exemplo, o presidente sancionou uma lei que ampliou a posse de arma dentro de propriedade rural.
Pelas regras anteriores do Estatuto do Desarmamento, o dono de uma fazenda só poderia manter uma arma dentro da sede da propriedade. Com a nova norma, ele pode andar armado em toda a extensão do imóvel rural.
Bolsonaro tem como hábito chamar de “idiota” pessoas que o criticam ou que o cobram pela situação do país. Em março, por exemplo, usou a palavra ao se referir às críticas pelo atraso na compra de vacinas contra Covid-19.
“Tem idiota que a gente vê nas redes sociais, na imprensa, dizendo ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua mãe. Não tem vacina para vender no mundo”, disse na ocasião. Bolsonaro também chamou um jornalista de “idiota” durante uma entrevista na Bahia.
É de se lamentar esta postura do chefe da Nação e, mais ainda, que a pátria não merecia estar sujeita a tão deprimente situação, com tanto homens públicos se digladiando em CPIs, como verdadeiros palcos servindo a uma teatralização imoral que deveria ser proibida para crianças.
Mas, o quê comemorar nesta Semana da Pátria? Falei em comemorar. Eis um verbo que nos dá muito o que pensar, num país como o nosso, notadamente nestes dias que vivemos.
Comemorar é trazer à memória, fazer recordar. Mas recordar o quê? O grito de Dom Pedro I? E foi para assistir a toda essa grossa vergonha que tanto lutamos por uma independência?
E comemorar é também um verbo que já lembra em si outros dois – comer e morar – sem os quais não é justo dar-lhe o sentido de festejar ou celebrar. Pois a verdade é que há muito brasileiro ainda sem pão e sem abrigo, isto é, muito brasileiro que não come nem mora e, portanto, não comemora nada, numa semana que poderia ser de muitas comemorações.
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