Lockdown – a literatura da solidão
Os horrores do coronavírus no Brasil e no mundo e o estrondoso volume de ódio que passou a circular no país com a eleição de Jair Bolsonaro servem de tema ao livro “Lockdown – a literatura da solidão”, de JM Cunha Santos, escrito pelo poeta em confinamento quase total nos cinco primeiros meses da pandemia.
Dividido em duas partes, a primeira constituída de poemas e a segunda de contos e crônicas que, em geral, são variações sobre um mesmo tema, o livro, ainda sem data prevista de lançamento, assim como todos nós, talvez ainda espere pela vacina salvadora que nos libertará do patógeno maldito que crucifica a humanidade para entrar no prelo e explicar as razões da existência de poetas e doenças de escritores e ditadores no planeta Terra.
Em “Lockdown – a literatura da solidão”, enquanto passeia pela genialidade de escritores como Walt Withman, Nikolai Gogol, , Edgar Allan Poe, Carlos Drummond de Andrade, Florbela Espanca e Albert Camus. JM Cunha Santos traz à luz a imprescindibilidade da poesia social, política, arrastada ao hermetismo desenfreado pelos tufões da modernidade. E, enquanto conta histórias de pestes e pandemias, de autoritarismo e tirania, pela enésima vez, grita pelo amor ao próximo e pela liberdade. Um exemplo é o poema…
LOCKDOWN
Talvez eu possa sair
talvez me deixem passar
achar motivos pra ir
e ver do lado de lá
se tem alguém que eu morri
se tem alguém que eu salvar
alguém pra distribuir
alguém que eu possa tomar
Talvez se eu sair daqui
a dor possa me ajudar
somando o meu frenesi
ao de quem não quis ficar
e sabendo que eu perdi
ainda insista em trancar
a porta que eu não abri
porque ninguém quis fechar
E se hoje eu não dormir
o rei virá me acordar
dizendo: saia daí!
que a ordem já vai chegar
e quem passar do porvir
nem mesmo Deus achará
está no livro que eu li
quem não viver morrerá
Não tenho pra onde ir
não tenho aonde chegar
não tenho aonde cair
e nem por onde sangrar
só tenho as mãos do faquir
a querer me vergastar
a por os pingos no I
que não me deixa escapar
E se alguém me seguir
por onde caminhará?
virá comigo ao não vir
talvez fique em meu ficar
talvez parta o meu partir
em partes que soldará
e quem sabe estando ali
parta e fique sem cessar
Só preciso me vestir
com a roupa de não chorar
calçar as botas, sumir
e dar as costas pro mar
correr o mundo, induzir
outros a me acompanhar
e lá no céu que eu poli
ver o mundo escorregar
Se um falcão me conduzir
se um corvo me fuzilar
se o rei quiser reduzir
o tanto que não me dá
o nazista há de me ferir
com sua sede de matar:
se fui eu quem quis sair
sou eu quem devo ficar
pois se a febre me punir
e se a tosse me entalar
se eu ficar sem colibri
nem hospital pra deitar
terei pra onde fugir
onde o todo não estará
praquele sol que eu cerzi
com morbo e falta de ar
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