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A Lei de Responsabilidade Social

Flávio Dino

“As leis não bastam, os lírios não nascem da lei”, disse Drummond. Parece ser verdade, ainda mais em um país que possui a singular categoria das leis que “não pegam”, fato que alimenta a visão de que o Brasil já tem leis demais. Contudo, há muitos exemplos de leis de alta eficácia, que geraram inclusive profundas mudanças culturais. Inserem-se nesse rol o Código de Defesa do Consumidor, a legislação que criou o SUS e as leis do FUNDEF/FUNDEB. Vale dizer: existem leis que, excepcionalmente, fazem nascer lírios.
Em 2000, o Brasil aprovou a Lei Complementar 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Este diploma normativo sistematizou regras de grande utilidade sobre receitas, despesas, dívidas, controle e fiscalização. Decorridas duas décadas do advento da LRF, a pandemia do coronavírus sublinhou terríveis aspectos da vida nacional, mormente o peso das desigualdades sociais e regionais.
Entre as questões daí derivadas está a concernente aos limites de uma gestão pública aferrada ao conceito de responsabilidade fiscal e insensível a outros parâmetros. Isso poderia ser considerado um bom governo, compatível com os ditames constitucionais? E mais: é fiscalmente responsável a manutenção de milhões de brasileiros afastados de direitos básicos?
Para responder a esta pergunta, basta que consideremos que a legião de trabalhadores atualmente precarizados, despossuídos de direitos trabalhistas e previdenciários, se constituem em futura clientela de programas assistenciais como o benefício de prestação continuada, isto é, o Estado vai arcar com ônus sem ter recebido as contribuições inerentes a vínculos formais de trabalho.
Na última sexta-feira, em debate com centenas de pessoas organizado pelo MST, assisti ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, defender a adoção de uma Lei de Responsabilidade Social (LRS). A ideia me parece valiosa, especialmente na atual conjuntura. Em primeiro lugar, há o efeito de frisar que a verdadeira responsabilidade fiscal não está apartada de outros objetivos. Em segundo lugar, a proposta dialoga com o que vimos na pandemia: sem ações estatais, o mínimo de justiça social é rigorosamente impossível, como se constata com o poderoso efeito do auxílio emergencial de R$ 600 aprovado pelo Congresso Nacional.
Há precedentes em estados e municípios, bem como no mundo empresarial e dos movimentos sociais, que podem ajudar na reflexão sobre o tema. A LRS deve fixar metas sociais a serem cumpridas pelos gestores públicos, fixando parâmetros novos para os órgãos de controle e um sistema de sanções.
Demais disso, a LRS deve instituir balizas para a atuação do Banco Central, das agências reguladoras e dos fundos públicos. Por exemplo, é razoável que bilhões de reais estejam retidos em fundos enquanto milhões de estudantes não tem acesso à internet e estão impossibilitados de acompanhar modalidades de educação não presencial?
A LRS pode também estabelecer rankings mais justos para as gestões governamentais, na medida em que resultados sociais sejam avaliados conjuntamente com os resultados fiscais, por exemplo para fixação dos ratings que permitem acesso a operações de crédito.
Dessa maneira, serão atendidos os princípios constitucionais da economicidade e da eficiência, que não se confundem com a ideia tosca de corte de gastos como a “virtude suprema”. Afinal, é um bom gestor aquele que corta gastos ao ponto de levar à paralisação de serviços essenciais e a graves danos para centenas ou milhares de pessoas?
De outra face, a LRS pode estabelecer orientações para ações de responsabilidade social das empresas e de organismos da sociedade civil, além de melhor incentivar ações de voluntários. Institutos novos, como as PPPC (parcerias público-privadas comunitárias), podem também ser regulados pela LRS.
Os artigos 3º e 170 da Constituição Federal determinam que é dever do Estado e da ordem econômica combater as desigualdades sociais. E para isso só existe uma forma autêntica, qual seja, combinar responsabilidade fiscal com social.
Uma não vive sem a outra, a não ser em visões puramente ideológicas e descomprometidas com a Constituição Federal. Um bom governo se guia por metas fiscais e sociais, para que tenhamos equilíbrio das contas públicas e verdadeiro progresso.

Flávio Dino, governador do Maranhão, ex-juiz federal e ex-deputado federal

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