Waldir Maranhão volta ao anonimato
O relógio marcava 18h25 quando o deputado Waldir Maranhão, do PP do Maranhão, se levantou. A televisão do gabinete estava desligada e seu único pertence era uma Bíblia que acabara de ganhar de uma funcionária da Câmara. Deu uma última mordida no biscoito de água e sal que repousava sobre sua mesa e bebeu um gole do suco de caju. Essa refeição o sustentaria pelas próximas seis horas em que conduziria uma sessão completa na Câmara dos Deputados, pela primeira vez desde que assumiu o cargo de presidente interino, em 5 de maio, após o afastamento de Eduardo Cunha, do PMDB. “Errei querendo acertar. Poucos deputados e presidentes se submeteram a tantas humilhações quanto eu. Mas tive de me resignar, recuar para tentar harmonizar a Casa”, disse a ÉPOCA, após a eleição de Rodrigo Maia, do DEM do Rio de Janeiro.
Para um deputado inexpressivo como Maranhão, herdar um período na presidência da Casa deveria ser o nirvana político. Mas tornou-se um inferno após um ato estroina, a “anulação” do impeachment da presidente Dilma Rousseff, 22 dias depois da votação na Câmara. Humilhado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, que ignorou sua decisão, Maranhão voltou atrás menos de 24 horas depois. Mas a política não perdoa. A partir daí, cada vez que Maranhão tentava presidir uma sessão, as vaias ecoavam no plenário. “Vossa Excelência não tem as condições mínimas para conduzir esta sessão”, repetiam os líderes. Maranhão ia-se embora correndo. Os deputados mais cordiais referiam-se a ele como “imbecil”.
Na quarta-feira que marcou o último dia dessa agonia, Maranhão manteve a rotina espartana que segue desde que chegou a Brasília, em 2007. Acordou às 6 horas da manhã, tomou um shake de whey protein e partiu para uma hora de caminhada pela quadra de seu apartamento. Na volta, depois do banho, tomou o café da manhã preparado por dona Maísa, funcionária que há seis anos o acompanha: ovos, café, iogurte e tapioca. Maranhão evita alimentos com glúten, come pouco e complementa a alimentação com cápsulas de nutrição. Passou a manhã assistindo a telejornais. Não leu os jornais – aliás, nunca o faz: prefere a seleção de reportagens que seus assessores mandam por e-mail. Pouco antes do meio-dia, vestiu o terno azul-metálico e almoçou peixe com salada. Ao chegar ao gabinete da presidência da Casa, às 12h30, posou para uma foto com as copeiras. A sessão que elegeria seu substituto estava marcada para as 16 horas.
Mas, com Maranhão, certeza é coisa rara. Sob pressão, ele cedeu e mudou duas vezes o horário – fraqueza, um pecado mortal na política. Ainda que, para Maranhão, recuar seja movimento natural. “Não vejo problema em voltar atrás depois de ouvir as pessoas”, afirma. Primeiro, opositores do afastado Eduardo Cunha queriam tempo para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovar o parecer pela cassação do peemedebista. Maranhão transferiu a sessão no plenário das 16 para as 19 horas. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), candidato à presidência, sugeriu que a sessão no plenário fosse transferida não para as 19 horas, mas para as 17h30, a despeito da situação na CCJ. Jovair Arantes (PTB-GO), outro candidato a presidente, mas aliado de Cunha, entrou no gabinete de Maranhão acompanhado de pelo menos dez deputados, com os olhos vermelhos de raiva. Queria que a sessão no plenário fosse às 16 horas, para evitar o trabalho na CCJ. “É um débil mental que não sabe nem conversar! Perguntamos com base em que ele adiou a sessão, e ele só repetia: ‘19 horas, 19 horas, 19 horas’”, disse Jovair. Depois de hesitar, ouvir esbravejos e protagonizar silêncios desesperadores, Maranhão cedeu de novo e marcou a sessão para 17h30. Às 18h20, chegou ao plenário. “Deixarei esta presidência sem mágoa e rancores e com a consciência limpa e tranquila”, disse.
A chegada de Maranhão à vice-presidência da Câmara foi acidental. Na formação da chapa para a presidência, em 2014, nenhum de seus pares se interessou pelo cargo de vice, porque seria ofuscado por Eduardo Cunha. Maranhão era considerado inofensivo, sem inimizades e com um currículo relativamente pequeno na esfera penal. Contra ele há duas investigações no Supremo Tribunal Federal (STF). A primeira decorre das afirmações do doleiro Alberto Youssef, que conta ter lhe repassado dinheiro. A outra se refere à Operação Miqueias, em que foi acusado de receber propina para levar um fundo municipal a investir em um negócio de doleiros. Seu filho Thiago, médico residente em São Paulo, recebia R$ 7 mil como servidor do Tribunal de Contas do Maranhão, sem trabalhar. Todo o Brasil ficou sabendo disso.
Quando deixou a sessão que elegeu Rodrigo Maia, Maranhão correu para o anonimato, no gabinete da vice-presidência. A fala travada, o andar arredio e a postura tensa não estavam mais ali. Andava rápido e sorria. “Não sei se vou ser lembrado pela história”, disse. “Mas eu terei a lembrança de que tentei fazer o melhor.” O comunista Orlando Silva veio cumprimentá-lo. “Um homem se prova nessas horas. Na época da calmaria, é fácil”, disse Silva. “Difícil é o cabra ter fibra em época de turbulência, em maremoto com um barquinho. Aí o cabra é macho.” Sem perder a piada, Maranhão completou: “E sem saber nadar”. (Época)
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