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Waldir Maranhão, o breve – e confuso

Revista Época – Waldir Maranhão é um homem confuso. O deputado federal do PP do Maranhão era, até dia desses, primeiro vice-presidente da Câmara dos Deputados. Foi nessa condição que ele proferiu seu voto sobre o impeachment de Dilma Rousseff, no dia 17 de abril. Nas vésperas, ele espalhara por Brasília que havia mudado de ideia e votaria contra o impeachment, desobedecendo à decisão de seu partido. No sábado, sob os boatos de que voltara atrás, marcou um almoço em seu apartamento funcional e recebeu até Jaques Wagner, então escudeiro-mor de Dilma. No domingo da votação, quando chegou sua vez, antes que abrisse a boca ornada pelo bigodão, Maranhão foi vaiado pelos oposicionistas do plenário. “Todos nós estamos emocionados”, disse o deputado, estendendo seu servilismo a Eduardo Cunha, “meu presidente querido”, e a Flávio Dino, governador do Maranhão “que sonhou com a mudança”. É missão ardilosa servir a dois deuses tão distintos. Maranhão se embaralhou na hora H: “Em defesa da democracia: Não! Sim!”. Suspense de milissegundos. “Contra o impeachment!”

Waldir Maranhão presidente da cãmara (Foto: ANDRESSA ANHOLETE/AFP)

Na segunda-feira passada, Waldir Maranhão decidiu derramar sua confusão pela República. Ele já era presidente da Câmara – catapultado ao posto depois do afastamento de Eduardo Cunha do cargo e do mandato de deputado pelo Supremo Tribunal Federal. Coisa de 72 horas depois de assumir o comando, Maranhão deve ter intimamente pensado, nos termos daquele locutor esportivo: “Agora eu vou ‘se’ consagrar”. A semana que culminaria no afastamento de Dilma começou com Maranhão anulando o processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Anulando. Àquela altura do jogo. Maranhão chamou para si um protagonismo que não tem a menor condição de sustentar. Ao acolher os argumentos do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, de que “ocorreram vícios no processo de votação” porque os partidos orientaram os votos de suas bancadas, Maranhão, que desobedecera a sua legenda, argumentava em causa própria:  “No caso, (os deputados) deveriam votar de acordo com suas convicções pessoais e livremente”, dizia a nota do presidente interino.

Foi uma mixórdia. Numa crise em que não há dia tranquilo, aquele lance parecia uma convulsão. Como assim? E agora? Oi? Maranhão quem? A troco de quê? Nossa… O que Maranhão não explicitou foi a verdadeira razão de tamanha carambolice. Todos que conhecem a grandeza do pensamento do deputado sabem que a ideia de conflagrar a nação não partiu dele. Maranhão andou balbuciando posteriormente, afogado em constrangimento, que agira a pedido da própria presidente Dilma, que o recebeu na biblioteca do Planalto. No final de semana que antecedeu a manobra, Maranhão voou com Flávio Dino, governador maranhense do PCdoB, de São Luís a Brasília, num avião da Força Aérea Brasileira. Depois, ceou com Cardozo – em sua versão, quem intermediou o encontro com Dilma. Em troca do voto contra o impeachment e do cavalo de pau subsequente, foi-lhe prometida a candidatura ao Senado em 2018 na chapa de Dino. Maranhão, aos 60 anos e com baixíssima expressividade política, seduziu-se. Acabou por desagradar a todos os lados possíveis.

Os repórteres passaram a examinar a vida de Maranhão com mais carinho. Surgiram denúncias frescas e saborosas sobre o homem que, naquele momento, representava, sozinho, as mazelas da nossa República. ÉPOCA mostrou que Maranhão é suspeito de receber propina para fazer a prefeitura de Santa Luzia, no Maranhão, investir em um fundo de investimento controlado por uma quadrilha de doleiros. Seu filho, Thiago, é um médico que exercia uma função comissionada (por R$ 6.500) em um gabinete do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão enquanto dava expediente e fazia pós-graduação em São Paulo. Foi exonerado. Maranhão corre o risco de perder a própria casa, num bairro nobre de São Luís, por ter dado um calote numa conta de R$ 1,3 milhão da campanha de 2010 que o elegeu deputado federal. Descobriu-se ainda que Maranhão passou dois anos recebendo salários de R$ 16 mil por mês como professor-fantasma da Universidade Estadual do Maranhão. Fora a referência constante ao fato de que ele é investigado na Lava Jato, por ser apontado pelo doleiro Alberto Youssef como um dos beneficiários de dinheiro desviado da Petrobras. A fina flor do Legislativo.

Com o voto contra o impeachment no dia 17, Maranhão já perdera o comando do diretório estadual do PP. Com a presepada da segunda-feira, foi ameaçado de expulsão do partido. Agravou sua situação o fato de que o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, escolheu solenemente ignorar a decisão de Maranhão. Num discurso naquela tarde, Renan classificou a patacoada de Maranhão como “uma brincadeira com a democracia”. Maranhão conseguiu a proeza de fazer Renan Calheiros parecer um estadista. Não é para qualquer um.

Maranhão recebeu uma romaria do PP. O deputado Júlio Lopes, do Rio de Janeiro, foi direto. “Ô Maranhão, você foi ridicularizado: o Renan nem leu sua decisão. Você tem de renunciar a esse cargo, não tem condição de permanecer. Ninguém vai ser seu interlocutor. Vai cair uma avalanche na sua cabeça.” Maranhão, obviamente, não gostou. “Você não tem o direito de vir aqui me pedir isso”, replicou. “Tanto tenho que estou aqui te pedindo.” Ao séquito, Maranhão confessava que o governo lhe havia garantido que Renan embarcaria na manobra que ele promovesse. Poucos correligionários saíram em sua defesa: Eduardo da Fonte, o Dudu, considerado seu criador no partido, e Nelson Meurer, do Paraná. Dudu esteve no gabinete de Maranhão para convencê-lo a ficar no posto de presidente da Câmara – afinal, em sua posição, Maranhão tem cargos para preencher na máquina administrativa. Embora o deputado esteja dizendo que não renuncia ao posto, a pressão do Parlamento é enorme. Querem limá-lo dali para botar alguém mais previsível em seu lugar. O reconfortante é imaginar que, caso não haja novas eleições, quem assume é o deputado Fernando Giacobo, do PR do Paraná. No currículo de Giacobo: 12 bilhetes premiados da loteria em duas semanas, em 1997. Ele atribuiu a incrível coincidência a Deus e à sorte. Um cara sortudo assim na presidência da Câmara dos Deputados, depois de Cunha e Maranhão, pode ser muito alvissareiro.

Naquela mesma noite da anulação do impeachment, Maranhão surpreendeu a nação novamente. Perto da meia-noite, avisou Renan Calheiros que revogara sua decisão. Maranhão revogou a decisão de revogar o impeachment. Anulou a anulação. Em menos de 24 horas, irritou o Planalto, que se assustou ao ver o tamanho do rebuliço. Irritou os adversários de Dilma, que sentiram que ele podia melar a coisa toda. Irritou os correligionários do PP, que querem expulsá-lo da legenda. Irritou Tiririca, que decidiu raspar o bigode para parar de ser confundido com o colega. Fez o filho perder a boquinha. Fez a imprensa revisar sua capivara. Não é exatamente um gênio do cálculo político. E pode ter marcado sua passagem pela presidência da Câmara como Maranhão, o breve confuso.

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