Tornozeleira virou ‘símbolo indelével’ de culpa, diz desembargador maranhense
Autor da decisão judicial que autorizou o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB) a cumprir prisão domiciliar, o desembargador maranhense Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), defendeu, em entrevista ao G1, a medida que liberou o peemedebista do Complexo Penitenciário da Papuda antes mesmo de ser instalada uma tornozeleira eletrônica.
Na visão do magistrado, o dispositivo de monitoramento de presos virou no Brasil um “símbolo indelével de culpado”, como um “ferro de gado”.
Acusado de tentar obstruir as investigações da Operação Cui Bono, da Polícia Federal, Geddel foi preso preventivamente, em 3 de julho, por ordem do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília.
Depois de ter um pedido de liberdade negado pelo juiz de primeira instância, a defesa de Geddel recorreu ao TRF-1, tribunal responsável pela análise de recursos da Justiça Federal de Brasília.
A Cui Bonno apura fraudes na liberação de créditos da Caixa Econômica Federal. Geddel comandou a Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da instituição financeira entre 2011 e 2013, no primeiro mandato da então presidente Dilma Rousseff.
Ney Bello foi o relator do recurso apresentado pelo ex-ministro da articulação política do governo Michel Temer.
Em 12 de julho, o magistrado acolheu o pedido dos advogados de Geddel e deixou o peemedebista trocar a Papuda pela prisão domiciliar em Salvador. Na decisão em que autorizou o ex-ministro a sair da cadeia, o desembargador do TRF-1 havia determinado o uso de tornozeleira eletrônica para monitoramento. Mas os governos do Distrito Federal e da Bahia não tinham o equipamento disponível.
Na terça-feira (18), a 3ª Turma do TRF-1 confirmou a decisão individual de Ney Bello que liberou Geddel a cumprir prisão domiciliar. Sem tornozeleiras disponíveis, o tribunal determinou que o monitoramento – para garantir que ele não saia de casa – poderá ser feito por outros meios, mas não especificou quais. Geddel está sem tornozeleira desde que deixou a prisão na última quinta-feira (13).
“Ocorre que a leitura difusa do senso comum passou a ver na tornozeleira um símbolo, um ferro de gado, uma marca indelével de culpado. Algo como as placas que a Santa Inquisição impunha aos hereges para que desfilassem admitindo a culpa reconhecida pela Igreja”, afirmou o desembargador do TRF-1 na entrevista ao G1.
Bello ainda comentou as críticas a sua decisão de autorizar Geddel a ficar em prisão domiciliar. O magistrado disse que fez uma análise “técnica” do caso.
“A prisão domiciliar de Geddel foi rechaçada pelo senso comum, pelo desejo da população pelo encarceramento, e não por ser contrária à lei e ao direito.”
Medidas cautelares
Na terça-feira (18), a 3ª Turma do TRF-1 confirmou a decisão individual de Ney Bello que liberou Geddel a cumprir prisão domiciliar. Como não há tornozeleiras eletrônicas disponíveis para o ex-ministro, o tribunal determinou que o monitoramento – para garantir que ele não saia de casa – poderá ser feito por outros meios, mas não especificou quais.
Ao G1, Bello explicou que, diante da indisponibilidade do equipamento, caberá a um juiz federal de primeira instância definir como Geddel terá a prisão domiciliar monitorada. “A medida imposta é o recolhimento domiciliar, não é portar tornozeleira”, enfatizou.
Na entrevista ao G1, Bello afirmou que casos como o de Geddel “são quase diários” na “realidade judiciária brasileira”.
Quando não há tornozeleiras disponíveis no sistema penitenciário, ressaltou o magistrado, o monitoramento pode ser feito como ocorria antes da criação do equipamento, por meio de visitas esporádicas ou outra medida definida pelo juiz responsável pela execução penal.
“A Polícia Judiciária, neste caso a Polícia Federal, é que deverá fazer o monitoramento com os instrumentos que possuir. [O monitoramento] também poderá ser feito pela estrutura penitenciária”, ponderou Bello.
Volta para a prisão
Na entrevista, o desembargador observou que a decisão do TRF-1 proíbe que Geddel saia de casa, use telefone e entre em contato com qualquer outro investigado ou parentes de qualquer investigado.
Segundo Ney Bello, até o momento, não há registro de que o ex-ministro tenha descumprido as medidas cautelares desde que deixou a Papuda.
O magistrado destacou, entretanto, que, caso o peemedebista descumpra qualquer das medidas determinadas pela Justiça, “haverá retroação imediata e encarceramento”.
“Mesmo sem monitoramento eletrônico, ele [Geddel] nunca saberá se há um policial periodicamente à sua porta, ou em visitas não avisadas, ou se os sinais telefônicos estão monitorados”, observou o desembargador.
Para ele, a falta de tornozeleiras não pode barrar a autorização da prisão domiciliar.
“Alguém pode deixar de ser solto porque falta salário ao carcereiro para trabalhar e abrir a cela? Ou porque não há gasolina no camburão para retirar o preso do presídio?”, ironizou.
“Não faz sentido deixar de decretar a prisão domiciliar ou deixar de proibir qualquer acusado de se afastar de determinado local por incapacidade do Estado de fiscalizar a decisão judicial”, disse o desembargador. (G1)
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