“Se eleito, eu vou apresentar um projeto de lei de responsabilidade social”, diz Dino
Quando era presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (de 2000 a 2002), Flávio Dino conheceu Sergio Moro. Teve a impressão de que era um profissional comprometido com a magistratura. Contudo, a “lava jato” mudou a opinião de Dino sobre o ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.
“Lembro que (Moro) era um juiz do Paraná, parecia técnico. Mas sua atuação na ‘lava jato’ provou o contrário, mostrou que ele tinha objetivos políticos. E sua entrada, logo após as eleições de 2018, no governo de Jair Bolsonaro comprovou isso”, recorda Dino, criticando a glorificação de Moro pela imprensa e por setores da sociedade durante o auge da autodenominada força-tarefa: “É lamentável. Juiz não tem de ser herói”.
Dino, que é candidato a senador pelo Maranhão pelo PSB, escreveu dissertação de mestrado sobre a proposta de criação do Conselho Nacional de Justiça, em 2001 — o órgão foi instituído pela Emenda Constitucional 45/2004. Posteriormente, foi secretário-geral do CNJ. Dezessete anos após sua implementação, o conselho tem uma função importante na fiscalização do Judiciário, mas precisa aprimorá-la, avalia o ex-juiz federal.
Ele tem visão semelhante a respeito do Conselho Nacional do Ministério Público. “O CNMP demorou muito a agir diante dos abusos de integrantes do MP na ‘lava jato’. Teve o show do PowerPoint (apresentado pelo ex-procurador Deltan Dallagnol para explicar a denúncia contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex no Guarujá), outdoor, louvor e até a criação de uma fundação privada para gerir recursos que a Petrobras devolveu para a União. Isso é inacreditável”.
Após 12 anos como juiz federal da 1ª Região (que engloba estados das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, além do Distrito Federal), Flávio Dino largou a magistratura para entrar na política. Ele se filiou ao PCdoB e foi eleito, em 2006, deputado federal pelo Maranhão.
Por sugestão do ministro Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal, apresentou o projeto que foi convertido na Lei 12.019/2009. A norma permite a convocação de juízes auxiliares por ministros de tribunais superiores. Para Dino, a medida “ajudou bastante” o STF e o Superior Tribunal de Justiça a lidarem com o aumento de ações penais, especialmente na “lava jato”.
Depois de governar o estado do Maranhão por dois mandatos, Flávio Dino busca uma cadeira no Senado. Se eleito, ele pretende apresentar uma proposta de “lei de responsabilidade social”, assim como existe a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000).
“O objetivo é instituir metas para a educação e a saúde. Por exemplo, os estados teriam de destinar um certo percentual de seus recursos para a educação. Se um estado aplicasse mais recursos do que o exigido, receberia incentivos da União. É uma forma de reconhecer que tal estado está comprometido com a educação”, explica ele.
Professor de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Federal do Maranhão, Flávio Dino é mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Também foi presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) no governo Dilma Rousseff.
Leia a seguir a entrevista:
ConJur — Por que o senhor decidiu se candidatar a senador?
Flávio Dino — Eu já havia sido deputado federal entre 2006 e 2010. Depois concorri três vezes ao governo do Maranhão — perdi a primeira, em 2010, mas fui eleito em 2014 e reeleito em 2018. Então agora o caminho natural é retornar ao Congresso, por meio do Senado, e voltar a participar dos debates legislativos.
ConJur — De modo geral, como avalia a qualidade das leis produzidas no Brasil?
Flávio Dino — Em geral, as leis brasileiras são muito boas. O Código de Processo Penal, por exemplo, é de 1941, mas tem uma ótima técnica legislativa. O Código de Defesa do Consumidor também é excelente. Ele ajudou a concretizar os direitos do consumidor no país e promoveu uma grande transformação nos mais de 30 anos em que está em vigor.
ConJur — A qualidade da Justiça se subordina à qualidade das leis?
Flávio Dino — Sim. Se as leis são bem elaboradas, as decisões dos magistrados tendem a ser mais justas. Mas isso não garante que não haja abusos, é certo.
ConJur — Em sua opinião, é possível criar parâmetros objetivos para aferir o impacto econômico e social das leis?
Flávio Dino — Sim. É preciso ter uma visão consequencialista, prever os efeitos da lei na sociedade.
ConJur — Em sua opinião, a advocacia, a academia e demais profissionais do Direito deveriam ter maior participação no processo legislativo? Se sim, como?
Flávio Dino — Acredito que já há uma participação suficiente. Quando fui deputado federal, constantemente tive a participação de profissionais do Direito na propositura e relatoria de projetos de lei. Por exemplo, no projeto que apresentei que virou a Lei 12.019/2009, que permite a convocação de juízes auxiliares por ministros de tribunais superiores, tive o auxílio de diversos especialistas da área penal.
ConJur — Uma vez eleito, o senhor apresentaria um ou mais projetos logo no início do mandato? Se sim, quais?
Flávio Dino — Se eleito, eu vou apresentar um projeto de lei de responsabilidade social, assim como existe a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000). O objetivo é instituir metas para a educação e a saúde. Por exemplo, os estados teriam de destinar um certo percentual de seus recursos para a educação. Se um estado aplicasse mais recursos do que o exigido, receberia incentivos da União. É uma forma de reconhecer que tal estado está comprometido com a educação.
ConJur — Como avalia o legado da “lava jato”?
Flávio Dino — No começo, a operação “lava jato” foi importante. Mas, com o passar do tempo, seus abusos foram ficando mais claros. A operação começou em 2014. No ano seguinte, eu já estava criticando seus abusos. Foi ficando claro que a operação tinha objetivos políticos.
ConJur — O senhor foi acusado na delação premiada da Odebrecht, mas o inquérito foi arquivado por falta de provas — assim como vários outros do tipo. Como avalia o uso da delação premiada na “lava jato”?
Flávio Dino — O problema não é a colaboração premiada, mas como ela foi usada na “lava jato”. Poderia haver um aprimoramento da legislação, para deixar claro que é preciso que o acusado opte pelo acordo voluntariamente, e não forçado. Mas não penso que a colaboração premiada deva ser suprimida do ordenamento jurídico. É um instrumento relevante, se for utilizado corretamente.
ConJur — O senhor foi presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e juiz federal, tal como Sergio Moro. Como avalia a atuação dele na “lava jato” e sua posterior entrada na política, assim como a de Deltan Dallagnol?
Flávio Dino — Eu conhecia Sergio Moro da época que fui presidente da Ajufe. Lembro que era um juiz do Paraná, parecia técnico. Mas sua atuação na “lava jato” provou o contrário, mostrou que ele tinha objetivos políticos. E sua entrada, logo após as eleições de 2018, no governo de Jair Bolsonaro comprovou isso.
ConJur — Nos últimos anos, magistrados como Joaquim Barbosa, Sergio Moro e Marcelo Bretas viraram “heróis nacionais” para certos estratos da população. Como avalia essa glorificação de magistrados?
Flávio Dino — É lamentável. Juiz não tem de ser herói.
ConJur — A implementação do juiz das garantias, suspensa por liminar do ministro Luiz Fux, ajudaria a reduzir os abusos da “lava jato”?
Flávio Dino — Olha, se você me perguntasse há dez anos se era necessário ter juiz das garantias, eu diria que não. Mas com a “lava jato” e demais operações, penso que hoje é necessário, sim. Dessa forma, espero que o Supremo Tribunal Federal julgue logo a ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema e autorize a implementação do juiz das garantias.
ConJur — Como avalia o atual estado do Judiciário no Brasil?
Flávio Dino — O Judiciário mais acertou do que errou na história do país. É claro que houve vários erros, mas o saldo é positivo. Campos Salles dizia que o STF é o maior responsável pela democracia no país. Já Mangabeira Unger afirma que o STF é o principal culpado pelos desmandos no Brasil. Eu fico no meio termo entre eles.
ConJur — O senhor foi secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça e escreveu dissertação de mestrado sobre a proposta de criação da instituição. Acredita que o órgão fiscaliza a magistratura de forma eficaz?
Flávio Dino — Eu participei intensamente desse processo. Além de escrever minha dissertação de mestrado sobre o assunto, fui juiz auxiliar do ministro Nelson Jobim na época que ele presidiu o STF e apresentou a proposta que virou a Emenda Constitucional 45/2004, que criou o CNJ. Na época, a proposta de criar o CNJ gerou muita polêmica na magistratura, por causa do corporativismo. Dezessete anos após sua implementação, penso que o CNJ tem uma função importante na fiscalização do Judiciário. Mas ainda não é o ideal. É preciso aprimorar a fiscalização.
ConJur — E como avalia o Conselho Nacional do Ministério Público?
Flávio Dino — O CNMP demorou muito a agir diante dos abusos de integrantes do MP na “lava jato”. Teve o show do PowerPoint (apresentado pelo ex-procurador Deltan Dallagnol para explicar a denúncia contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex), outdoor, louvor e até a criação de uma fundação privada para gerir recursos que a Petrobras devolveu para a União. Isso é inacreditável.
ConJur — Como governador, o senhor moveu ação direta de inconstitucionalidade por omissão para pedir a criação do imposto sobre grandes fortunas, que foi negada pelo STF. Pretende apresentar projeto de lei para isso? Por que tal medida seria importante?
Flávio Dino — Já há diversos projetos de lei que criam o imposto sobre grandes fortunas. O primeiro deles foi apresentado pelo então senador Fernando Henrique Cardoso. Também há um projeto bom da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Então vou apoiar esses projetos. É engraçado que, quando se fala de imposto sobre grandes fortunas, é preciso explicar para as pessoas das classes média e alta que elas não serão alcançadas por esse tributo. Ele só vai alcançar quem tem centenas de milhões de reais. É preciso explicar para os juízes e promotores que eles não terão de pagar o imposto sobre grandes fortunas — a não ser que tenham construído seu patrimônio de forma ilegal.
ConJur — Como deputado federal, o senhor foi autor do projeto que virou a Lei 12.019/2009, que permitiu ao relator, nos processos penais de competência originária do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, delegar poderes instrutórios a desembargadores e juízes convocados. Como avalia o impacto dessa lei diante do aumento de processos penais no STF e no STJ causado pela “lava jato” e outras operações?
Flávio Dino — Essa lei acabou se provando de grande importância com as grandes operações, especialmente a “lava jato”. Eu apresentei o projeto por sugestão do ministro do STF Gilmar Mendes. E foi algo que ajudou bastante o STF e o STJ a lidarem com o aumento de ações penais.
ConJur — O senhor foi um dos principais articuladores pela aprovação da Lei dos Juizados Especiais Federais. Como a avalia, 20 anos após a sua promulgação?
Flávio Dino — Eu fiz essa articulação na época em que era presidente da Ajufe. Foi um projeto importante, que ampliou o que já havia sido estabelecido pela Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995). Tanto que o então presidente Fernando Henrique Cardoso fez questão de assinar a lei no Palácio do Alvorada.
ConJur — Recentemente, a 1ª Vara Criminal do Termo Judiciário de São Luís foi transformada em Vara Especial Colegiada dos Crimes Organizados. Como avalia as varas especializadas em determinados tipos de crime?
Flávio Dino — Como deputado federal, eu fui relator da lei que permitiu julgamentos colegiados em primeiro grau em caso de delitos praticados por organizações criminosas (Lei 12.694/2012). Então acho a especialização uma boa prática. O conhecimento humano está em um estágio muito avançado. Não é mais possível dominar tantas áreas do saber. Então é melhor ter juízes especializados em uma área, isso pode aumentar a qualidade das decisões.
ConJur — O senhor escreveu o artigo “A função realizadora do Poder Judiciário e as políticas públicas no Brasil”. Até que ponto o Judiciário pode interferir em políticas publicas?
Flávio Dino — Esse artigo foi meio que a minha despedida da magistratura. E permanece atual. Em algumas situações, o Judiciário fica entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade, conforme Max Weber. Na epidemia de Covid-19, o Judiciário, especialmente o STF, teve de priorizar a ética da responsabilidade, especialmente da omissão do governo Bolsonaro em combater o coronavírus. E se mostrou algo necessário. Se não fosse a atuação do Judiciário, teríamos um cenário ainda pior no país.
ConJur — O senhor já afirmou que “a esquerda não deve fugir do tema da corrupção”. Como balancear o combate à corrupção e o respeito ao direito de defesa e às garantias fundamentais?
Flávio Dino — Respeitando a Constituição. Se os agentes estatais respeitarem o contraditório, a ampla defesa e demais garantias constitucionais, poderão promover um combate à corrupção eficaz e que assegure os direitos dos acusados.
ConJur — Nos primeiros anos de seu governo, de 2014 a 2019, o índice de homicídios caiu 33% no Maranhão, conforme o Atlas da Violência. Contudo, as mortes voltaram a subir em 2020 (30,9%, segundo o Monitor da Violência, do G1) e, embora tenham tido queda pequena em 2021 (1,5%), também cresceu o número de latrocínios (28%). Como combater o crime sem estimular a violência policial?
Flávio Dino — Da mesma forma: respeitando as garantias constitucionais. No meu governo, o número de homicídios na região metropolitana de São Luís caiu de cerca de 900 por ano para 300, 400. Além disso, São Luís deixou de ser uma das 50 cidades mais violentas do mundo. Então é possível combater o crime com o aumento do policiamento e a valorização da carreira e com o respeito às garantias dos suspeitos de praticar delitos.
Da Revista Consultor Jurídico
O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.