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Se Dilma fosse capaz de pôr limite à crise, já teria feito, diz FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na sede se seu instituto, em São Paulo

Às vésperas do lançamento do primeiro volume do livro “Diários da Presidência”, em que narra seu cotidiano no poder, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que a obra ajudará o país a entender “como o jogo político se dá”. “Qualquer sistema implica em distribuição de poderes. A questão é: para quê?”, afirma.

Num paralelo com o cenário atual, diz que o país está “ladeira abaixo” e que se a presidente Dilma Rousseff fosse “capaz de botar o limite” à crise, “já devia ter posto”. Ele ressalta que “não trabalha para isso”, mas que vê o hoje vice-presidente Michel Temer (PMDB) com mais condições de reunir apoio do que a petista. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

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Folha – Muita gente se pergunta por que o sr. decidiu publicar esses diários agora…

Fernando Henrique Cardoso – Não é agora, esses dias, essa semana. É em vida. Acho que está na hora do Brasil entender mais diretamente o jogo político, como ele se dá, quais são as dificuldades, o que significa governar. Está tudo tão desarticulado que não custa dar um testemunho sincero, em que não estou escondendo nada, nem a mim mesmo. Não é uma coisa para se tomar como a verdade. É a minha reação sob aquelas circunstâncias.

O vice-presidente Michel Temer procurou o sr. para negar que tivesse atuado para nomear gente no seu governo?

Não foi ele quem me pediu. Eu digo isso [no livro]. O Luís Carlos disse que ele queria… Até faço referências elogiosas a ele: que tem boa construção jurídica, que é discreto. Ele não nomeou ninguém.

O sr. diz também no livro que há ‘similitude’ entre o cenário de 20 anos atrás e o de hoje.

Nossos costumes evoluíram muito pouco. A herança cultural brasileira é corporativista. E isso evoluiu pouco. Aliás, regrediu recentemente. Eu tinha uma agenda. O tempo todo tentei fazer reformas. Havia uma coalizão para isso. Evidentemente, isso tinha um certo preço.

Qual o preço?

Qualquer sistema implica em distribuição de poderes. A questão é: para quê? Quando se tem uma agenda, você se justifica. É uma justificativa pessoal. ‘Por que eu estou cedendo nisso? Porque eu preciso daquilo e aquilo é mais importante. Quando o Executivo está forte, o sistema funciona. Quando está fraco, como hoje, fica paralisado.

A queda da presidente Dilma seria suficiente para resolver a crise?

Vou responder de outra maneira: se o Aécio tivesse ganho a eleição, a situação seria a mais ou menos a mesma, mas haveria um horizonte de esperança. Agora estamos indo ladeira abaixo e alguém vai ter que pôr um limite. Se fosse capaz de botar o limite, já devia ter posto.

Acha que num eventual impeachment o PSDB deveria dar sustentação a Temer?

Não estou dizendo que vai acontecer ou que estou trabalhando para isso, mas acredito que o Michel teria a sensibilidade para ter um apoio mais amplo.

O sr. conta no livro que barrou a nomeação de Eduardo Cunha para um cargo.

Eu não o conhecia. Tinha o registro do tempo do Itamar [Franco]. Sabia que ele não tinha sido reconduzido… Enfim, boatos, que não se comprovam, mas existiam.

E como vê a aproximação do seu partido com ele hoje?

Um lado precisa interagir com o presidente da Câmara. Outra questão é o que ele está sendo acusado, aparentemente com muitas provas. Tem que responder.

A posição do PSDB com relação a ele é satisfatória?

O PSDB fez o que tinha que fazer: pediu o afastamento.

O sr. reclama muito da imprensa no livro, à exemplo do que fazem aliados do governo hoje. É uma prerrogativa de quem está no poder?

Mesmo fora do poder! Vou reclamar já. Outro dia, vi um relato do livro dizer que alguém veio até mim falar que a Petrobras era um ‘verdadeiro escândalo’. O escândalo ali se referia à gestão, não era roubalheira. Depois eu resolvi. Como colocaram, parece que eu estava falando de corrupção. Essas coisas, quando se está no governo, isso tudo te deixa bastante chateado.

O sr. não temeu esse tipo de questionamento?

Não. Os diários são um documento histórico. Os chamados escândalos estão lá no livro, Sivam, Pasta Rosa… Nunca fui transigente com essas questões.

O sr. diz que os amigos dão mais trabalho que os inimigos no governo.

Isso é do poder. Ali, entre os ministros, havia cinco ou seis de alta qualidade e muito amigos. São pessoas fora de série e, como é normal, pessoas fora de série são difíceis umas com as outras. Eu arbitrava, com jeito.

O sr. chega a dizer que o ‘mal’ está no grupo mais próximo…

Eu pedia comedimento, ‘não falem tanto’. Mas, no balanço, é uma injustiça que fiz com meus amigos. Uma reação subjetiva, que registrei.

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