Sarney dita as regras em Brasília, independente da década e do governo
Por Helena Borges (The Intercept Brasil)
O REAPARECIMENTO DE José Sarney nas manchetes evidenciou que o ex-presidente está bem longe de sair dos bastidores do poder. O senador aposentado é apontado como principal nome por trás da escolha de Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha de Roberto Jefferson, para chefiar o ministério do Trabalho. Sarney nega, no entanto, ter influenciado a decisão do presidente Michel Temer.
Para o cientista político Rafael Moreira, pesquisador da USP cujo principal foco de estudos é a história e a estratégia do PMDB (agora rebatizado de MDB), essa postura do ex-presidente reflete bem o modus operandi do partido, de ocupar as coxias da cena política para se beneficiar ao máximo do presidencialismo de coalizão. O especialista explica que, após 20 meses na boca de cena do poder, com Temer na presidência, o partido deve procurar voltar aos fundos do palco, ambiente que a legenda domina como nenhuma outra no país, neste ano eleitoral que se inicia. Ainda segundo ele, Roberto Jefferson (PTB) começou o ano tornando a própria filha ministra do Trabalho e pode encerrá-lo se elegendo a um cargo parlamentar.
Como você interpreta o retorno do nome Sarney às manchetes?
Este caso torna claro que ele se aposentou, mas não perdeu o poder. Esse peso dele vem aparecendo em diversas entrevistas que fiz recentemente com políticos para minha pesquisa. Ele consegue pautar quem quer e barrar quem ele não quer. Foi esse o caso agora, ao indicar alguém do PTB, que nem é seu partido, para um cargo no governo.
A negação do próprio Sarney sobre essa influência na escolha do nome para o ministério do Trabalho é algo surpreendente?
O comportamento do Sarney nesse caso se assemelha muito ao comportamento histórico do próprio MDB, de buscar o plano de fundo. Então não surpreende.
A tendência de 2018 para o MDB é o retorno ao plano de fundo da política brasileira, elegendo uma bancada grande mais uma vez, aquilo que tem sido a tônica das últimas eleições. O partido age de maneira estratégica quando entende que essa é a melhor forma de se beneficiar do presidencialismo de coalizão, e o Sarney demonstra saber disso. O MDB atravessou o governo do PSDB com Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e depois passou por um ciclo de governo com o PT, também fazendo parte da base. E desembarca apenas no momento em que a opinião pública começa a se movimentar em torno do campo da direita e de um antipetismo. E o Sarney também o faz.
Ou seja, fisiologismo. Certo?
Sim, um fisiologismo. O MDB vem sendo descrito pela literatura da ciência política brasileira por características negativas e elas, às vezes, se estendem aos seus quadros. O Sarney é um exemplo disso. São figuras que parecem só existir enquanto estiverem atreladas ao governo e ao Estado. O partido DEM também é um exemplo disso. Ele vinha em uma trajetória de queda no número de filiados e, agora que volta ao governo em 2016, parece voltar à vida.
Mas seria o governo que depende do MDB ou o MDB que depende do governo?
Todos os governos que foram eleitos entenderam como é que funciona o presidencialismo de coalizão brasileiro. E todos sacaram que precisariam do MDB para governar. O MDB, da sua parte, percebeu como se beneficiar desse sistema: não lançando candidato próprio à presidência da República, compondo chapa com aquele que eles acreditam ter a maior chance de ganhar e, ao mesmo tempo, lançando o máximo de candidatos ao legislativo, garantindo uma bancada grande. Esse último faz com que qualquer governo a ser eleito, independente de ser a sua chapa ou não, acaba tendo de recorrer a você.
Em que ponto o Lula percebeu isso?
No primeiro mandato do Lula (2003-2006). A entrada do MDB se dá depois do Mensalão. Ali foi a sacada, quando ele [Lula] percebeu: “Olha, a gente vai ter que governar com esses caras, independente de quem seja, para aprovar minimamente a nossa agenda”.
E agora, que é presidente, Temer não pensaria em se lançar candidato?
No momento em que ele se torna interino [maio de 2016], sim. Mas hoje acho muito difícil. Esse é o tipo de mosca azul, de ambição pessoal que passa pela cabeça de muitos políticos brasileiros, mas alguns percebem que não têm a força e o apoio popular que acham ter. E, para o Temer, isso deve ter ficado bem claro quando saíram as pesquisas apontando a rejeição a ele. Deve ter pensado: “Não, eu estava viajando, mesmo”.
O [João] Doria é outro que achou que teria uma ascensão meteórica da prefeitura de São Paulo direto para a presidência da República. Esse tipo de ambição passa pela cabeça de certos políticos, mas em determinado momento eles caem na realidade.
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