Quem governará o Maranhão? Discutindo coalizões subnacionais
Ananda Marques, Mestra em Ciência Política (UFPI)
Hesaú Rômulo, Doutorando em Ciência Política (UnB) e Professor de Ciência Política (UFT)
Quem será o próximo governador do Maranhão? A pergunta que só pode ser respondida pelas urnas suscita discussões sobre coalizões políticas subnacionais, pois o caso maranhense é bastante ilustrativo do que a Ciência Política tem buscado analisar e explicar ao longo de décadas. Flávio Dino (PSB), que desbancou o grupo Sarney em 2014 e 2018, é a liderança de uma mudança significativa, mas não definitiva, na composição de poder no Estado. Em 2022 será candidato ao Senado e recentemente viu sua base de apoio dividir-se na disputa pela sucessão. Competem pelo espólio de seu governo o então vice-governador, Carlos Brandão (PSDB), e o senador Weverton Rocha (PDT), eleito com apoio de Dino em 2018.
Daniel Chasquetti, cientista político uruguaio, postulou que uma coalizão é “um conjunto de partidos políticos que acordam metas comuns, reúnem recursos para alcançá-las e distribuem os benefícios decorrentes do cumprimento dessas metas”, é esse o marco conceitual de discussão de coalizões na América Latina. Porém, quando lançamos o olhar para as realidades locais, é preciso diferenciar o cenário e a posição dos atores numa perspectiva multinível, analisando verticalmente em duas direções, de cima para baixo e de baixo para cima, e horizontalmente, mapeando as diferentes arenas de interação.
Na era Sarney, a formação de coalizões eleitorais estava associada à articulação de interesses familiares oligárquicos e não necessariamente partidários, vide as inusitadas composições que já aconteceram. Nesse novo momento, a disputa no Maranhão está inserida em um contexto mais amplo de formação da coalizão pré-eleitoral nacional. O PT de Lula sinalizou apoio a Flávio Dino em sua candidatura ao Senado e resistência a uma candidatura de seu vice-governador, então no PSDB, além da preferência por Weverton, histórico aliado.
O movimento de cima para baixo reposicionou os jogadores. No último dia 31 de janeiro, Carlos Brandão anunciou sua filiação ao PSB e o discurso de base unida se modificou para a definição de quem será o candidato governista. Em resposta, Weverton Rocha reafirmou em coletiva de imprensa, dia 07 de fevereiro, sua candidatura, com Eliziane Gama (Cidadania) – senadora eleita também em 2018 com apoio de Dino, Othelino Neto (PDT) – presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão, e Jefferson Portela – que entregou o cargo de secretário de segurança pública no mesmo dia da coletiva. Na esteira das trocas, Othelino, que foi ator importante nos trâmites legislativos durante os dois mandatos de Dino, deixou o PCdoB para acompanhar Weverton no PDT.
O que se observa em fevereiro de 2022 é que o Maranhão vive um momento-chave da disputa e é um caso particularmente interessante para testar hipóteses. O que nos ensinam os trabalhos sobre coalizões subnacionais? Primeiro, coalizões que incluem o incumbente têm maiores chances de manter-se estáveis e de funcionar harmoniosamente. Segundo, coalizões cruzadas (quando partidos que são oposição nacionalmente se aglutinam na esfera subnacional) são mais prováveis de acontecer quando as unidades subnacionais têm maiores competências na formulação e implementação de políticas públicas. E terceiro, a congruência de coalizões nos diferentes níveis tende a ser maior quanto mais nacionalizado for o processo eleitoral.
A coalizão que elegeu Dino em 2014 tinha 9 partidos; a coalizão que o reelegeu em 2018 tinha 16. É bastante improvável que um grupo tão grande se mantenha alinhado por muito tempo, seja pela escassez de recursos políticos a serem distribuídos, seja pela sobrevivência diante do timing dos acordos feitos ao final de um ciclo político de 8 anos. Era esperada uma disputa por hegemonia interna, com as principais forças políticas que compuseram a base dinista em atrito por espaço. Restaram alguns pré-candidatos e dois grupos que possuem maiores chances de êxito eleitoral.
Carlos Brandão tem a seu favor o fato de que será o governador a partir de abril e com o apoio de Flávio Dino, pode transformar uma candidatura ainda incipiente em vencedora. Mas, para isso, será necessário um fenômeno que no Brasil não é tão simples, a transferência eleitoral. Aqui cabem algumas perguntas. Primeiro, Dino conseguirá transferir seus votos para Brandão? Segundo, existe um grau de homogeneidade na coalizão eleitoral liderada por Brandão para que seja capaz de agregar atores suficientes, aos moldes do que Dino fez em 2014 e 2018? E por fim, o eleitorado reconhece Brandão como um candidato que representa a continuidade deste projeto político? A migração de Brandão para o PSB garante alinhamento à coalizão nacional do PT, porém, isso não impede que na prática, aconteça uma coalizão cruzada ideologicamente. E por fim, a formação de seu governo de fim de mandato será um termômetro de para onde vai sua candidatura, já que 14 dos atuais secretários de Dino anunciaram disputar as eleições em outubro e, portanto, sairão de seus cargos em abril, a amplitude e a diversidade do secretariado de Brandão vão dar o tom da coalizão pré-eleitoral.
Já Weverton Rocha é favorecido pela máquina de um partido historicamente ramificado, com apoios eleitoralmente vitoriosos na última eleição. Em 2018 o PDT foi o partido mais votado na disputa para o legislativo estadual, seguido do PCdoB, que atualmente está tentando sobreviver institucionalmente. Além disso, Weverton teve mais votos para o Senado que Dino para o governo estadual.
Junta-se a isso o desenho mais robusto de uma candidatura publicamente fundamentada em bases sociais, que auxilia na elaboração de um discurso que alcance o eleitorado local; e a capilaridade do PDT, cujo apoio garante prefeituras estratégicas no Estado. Weverton demonstrou, pelo menos de início, que vai disputar esse eleitorado dinista, por reivindicar a si próprio como o candidato progressista com mais condições de dar continuidade ao projeto de centro-esquerda iniciado por Dino.
No meio disso tudo, emerge uma ambivalência interessantíssima. Até aqui a disputa esteve organizada sob uma gramática política sarney e anti-sarney, de forma que a coalizão local era formada a partir do ordenamento de interesses oligárquicos, como anteriormente apontado. Para vencer o grupo Sarney, Flávio Dino precisou montar uma frente ampla, uma coalizão de forças capaz de vencer as eleições e governar, porém, essa mesma coalizão vencedora é incapaz de manter-se estável por mais tempo que seu próprio mandato.
A estabilidade de coalizões depende de diversos fatores. Um deles é a capacidade de distribuição dos recursos políticos coletivamente conquistados e é justamente com a saída de Dino do Palácio dos Leões e a chegada de um novo incumbente que expõe as disputas internas por espaço e poder. A ruptura na base dinista permite questionamentos sobre o futuro, a dicotomia anterior foi realmente superada? Não há espaço para competição entre três forças políticas e as regras institucionais limitam o segundo turno a dois antagonistas. A depender de quem vencer a primeira etapa da contenda eleitoral, pode haver uma mudança substancial na composição de poder no Estado, e, consequentemente, a relação com a coalizão nacional. Porém, para chegar ao segundo turno é preciso montar uma coalizão pré-eleitoral forte o suficiente.
Diante dos últimos desdobramentos, a movimentação dos atores em concorrência pelo comando do executivo estadual se desenhou de maneira mais nítida, inclusive para o eleitorado maranhense. De um lado, fraturas cada vez mais expostas no bloco governista se valem da transição de governo e do crepúsculo do comando de Dino no Palácio dos Leões. De outra parte, a disputa pelo protagonismo de conduzir o bloco vitorioso abre margem para o crescimento de uma oposição, apostando em um eleitorado mais conservador.
O debate perpassa o legislativo maranhense, isto é, a composição regional de lideranças políticas tradicionais em torno da continuidade ou ruptura de um projeto de governo. A taxa de renovação/manutenção das cadeiras da Assembleia Legislativa do Maranhão será decisiva para contabilizar os novos rumos do executivo em 2023. Movimentam também aspectos importantes como a legitimidade política e a capacidade de aglutinar diferentes interesses sob uma mesma plataforma eleitoral.
Ao contrário do que aconteceu, de maneira bem-sucedida em 2014 e 2018, não encontraremos um bloco maior (ao menos no primeiro turno) para disputar a corrida. Estima-se um pleito mais aberto, heterogêneo e recheado de contradições. O próximo deslocamento importante é o de consolidação de alianças pré-eleitorais diante da conjuntura e que indicarão o fôlego de cada uma das candidaturas. A iminente indicação de quem será vice de Brandão e Weverton é um parâmetro a se observar, principalmente porque sinaliza a amplitude e os limites dos acordos políticos em construção.
Em torno de uma nova órbita, a disputa pelo Palácio dos Leões colocará frente a frente novos protagonistas, marcando de maneira decisiva uma fase da política pós-Sarney e agora pós-Dino. Quem governará o Maranhão? A Ciência Política nos mostra que não é suficiente olhar a para o vencedor das urnas, mas observar se a coalizão política que obtiver êxito eleitoral terá também governabilidade para o exercício do poder. Quanto mais precoce e coesa for a coalizão, menor será o custo de um acordo pós-eleitoral e mais estável será um mandato majoritário. A pergunta a ser respondida é esta: os atores conseguirão aproveitar as oportunidades políticas para consolidar um grupo de sucesso na política maranhense? A cada dia que passa ficamos mais próximos do desfecho.
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