Quebradeira de coco do Maranhão rompe barreiras e enfrenta gigante da celulose
Dona Eunice da Conceição, de 61 anos, aprendeu o ofício da quebra de coco babaçu com os avós, que diziam que mulher sequer precisava aprender a ler, mas, junto dos pais, lhes deram o maior ensinamento: o respeito ao meio ambiente.
Naquele tempo, as jovens da comunidade eram ensinadas a quebrar o coco e cuidar dos afazeres de casa e da família, sem perspectivas de mudanças. Com a aproximação de movimentos da igreja católica e discussões sobres direitos humanos, Eunice entendeu que poderia ir mais longe, mantendo as suas raízes.
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“No tempo dos meus avós, eles achavam que as mulheres jovens não tinham que saber ler, tinham que ficar sem saber de nada. Mas nós temos nossos direitos sim. Se a gente quiser ser prefeita, vereadora, governadora. O que a gente quiser, a gente tem direito. Como pobre, como quebradeira de coco e como trabalhadora rural. Nada para a gente é tarde”, conta orgulhosa.
Atualmente, Eunice da Conceição cobra os direitos de todas e segue em defesa do meio ambiente. Ela é uma das coordenadoras regionais do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), atuando na região de Imperatriz, no sul do Maranhão.
Cada uma das regionais enfrenta distintos conflitos, mas no sul do Maranhão, os maiores desafios enfrentados pelas quebradeiras estão relacionados aos impactos da empresa Suzano Papel & Celulose, que segundo ela, remanejou famílias do seu lugar de origem e tem desmatado as áreas de babaçuais para o plantio de eucalipto.
Suzano
“Ela [a Suzano] vem acabando com o meio ambiente. Muitas pessoas dizem: ‘não, mas a Suzano chega, faz uma coisa aqui para você’. Ela faz, mas vem por trás e termina prejudicando a companheira, porque ela derruba, desmata para plantar os eucaliptos e na beira dos brejos, não respeita o direito da companheira”, explica Eunice.
Na época de implantação da empresa, o MIQCB foi um dos movimentos que compuseram o Fórum da Estrada do Arroz, que atuou como frente de resistência, mobilização e cobrança pelos direitos dos produtores rurais da região a ser impactada.
A unidade industrial da Suzano em Imperatriz aconteceu no final de 2013 e hoje opera na região com capacidade de produção de 1,65 milhão de toneladas de celulose por ano e mais de 60 mil toneladas de papéis sanitários produzidos.
Desde esse período, lá estava dona Eunice, em audiências públicas, reuniões e mobilizando o grupo de quebradeiras de coco em defesa dos seus direitos.
Com a pandemia, a situação ficou ainda mais difícil, mas elas seguem atentas e usando as ferramentas que têm à disposição.
“Nós temos que estar na luta, temos que estar participando das audiências públicas, temos que estar buscando outros nossos direitos. A gente já não tem, e os que negam acham que estão se dando bem (…) mas a gente, assim mesmo, com muita luta, a gente consegue fazer alguma coisa, não ficou parado totalmente”, conta.
Filha de quebradeira de coco e lavrador, Eunice da Conceição é fruto da Amazônia. É mais uma das milhares de mulheres da mata, que enfrentam multinacionais e grandes projetos de exploração dos recursos naturais que usurpam os modos de vidas tradicionais.
“Nasci e me criei na roça. Não tenho esses estudos, mas fui educada por uma mulher negra, que foi minha mãe. Meus pais me educaram muito bem na questão do meio ambiente e de como proteger a natureza. Tenho orgulho de ser o que eu sou, uma liderança que conheço meus direitos, sei o que quero e ninguém vai chegar e dizer: ‘Eunice, é assim, do meu jeito’. Não! Tem que ser do nosso jeito, aquele jeito que só quem sabe fazer somos nós quebradeiras de coco e trabalhadoras rurais”, explica com orgulho.
Na infância
Era das matas avistadas de longe, pela exuberância dos altos babaçuais, que a família tirava o sustento. Ainda menina, aos 10 anos, Eunice passou a frequentar as tradicionais rodas de quebra de coco, formadas por mulheres da comunidade sentadas ao chão com cacetes e machados afiados.
Elas adentram nas matas com cofos artesanais de fibra do babaçu, onde carregam os frutos coletados. Sentadas ao chão, iniciam o processo de extração convencional da amêndoa, totalmente manual. As mais habilidosas chegam a quebrar até dez cocos em um minuto, que vão dar origem a óleos, azeites, sabonetes, carvão vegetal e peças de artesanato.
Todo esse aproveitamento do babaçu, no entanto, é recente, pois sem organização popular, Eunice conta que as quebradeiras eram exploradas por atravessadores, que compravam o coco como um favor e ainda se serviam de suas comidas. Com organização popular, hoje elas cobram os seus direitos e são capazes de beneficiar os produtos por meio de cooperativas.
“Todo movimento que eu já passei representa uma coisa muito importante na minha vida, que é o conhecimento. Antes a gente não tinha conhecimento dos nossos direitos. A gente quebrava o coco e vendia para o atravessador. Lá ele ficava com o nosso coco, passava o açúcar, o café e até o arroz. Até isso minha mãe cansou de ajudar, na alimentação deles”. Do Brasil de Fato
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