Improbidade: Promotoria cobra R$ 158 milhões de Roseana
Depois de denunciar criminalmente a ex-governadora Roseana Sarney (PMDB) e mais nove investigados por um suposto rombo de R$ 410 milhões nos cofres estaduais no esquema de fraudes em isenções fiscais, o Ministério Público do Maranhão ingressou com uma ação de improbidade contra a filha do ex-senador José Sarney.
A Ação Civil Pública foi proposta pela 2.ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Tributária e Econômica de São Luís. Da ex-governadora Roseana Sarney Murad foi pedida a condenação ao ressarcimento de R$ 158.174.871,97.
Roseana, dois ex-secretários da Fazenda (Cláudio José Trinchão Santos e Akio Valente Wakiyama), dois ex-procuradores-gerais do Estado (Marcos Alessandro Coutinho Passos Lobo e Helena Maria Cavalcanti Haickel) e outros alvos da Promotoria estariam envolvidos em um esquema de concessão ilegal de isenções fiscais na Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz).
As investigações do Ministério Público do Maranhão, a partir de auditorias realizadas pelas Secretarias de Estado de Transparência e Controle e da Fazenda, ‘apontaram irregularidades como compensações tributárias ilegais, implantação de filtro no sistema da secretaria, garantindo a realização dessas operações tributárias ilegais e reativação de parcelamento de débitos de empresas que nunca pagavam as parcelas devidas’.
“Também foram identificadas a exclusão indevida dos autos de infração de empresas do banco de dados, além da contratação irregular de empresa especializada na prestação de serviços de tecnologia da informação, com a finalidade de garantir a continuidade das práticas delituosas”, afirma a Promotoria.
Segundo o Ministério Público, ‘o esquema irregular de compensações tributárias baseou-se em um acordo, em 2003, entre o Estado do Maranhão e a empresa Construções e Comércio Camargo Corrêa S/A’.
Dos mais de R$ 147 milhões devidos à empresa, cerca de R$ 108 milhões deveriam ser utilizados na quitação de tributos estaduais, ficando permitida a cessão de créditos a terceiros. A Lei Estadual n° 7.801/2002, que permitia a operação, no entanto, foi revogada em 2004, pela Lei Estadual n° 8.152.
Entretanto, mesmo sem lei autorizadora, que é imprescindível nesses casos, a compensação de débitos tributários com créditos da Construções e Comércio Camargo Corrêa tornou-se prática constante na Sefaz a partir de abril de 2009. Somente de 17 de abril de 2009 a 31 de dezembro de 2014, foram efetuadas 1.913 compensações.
De acordo com as investigações, as compensações e alterações no sistema da Sefaz eram feitos diretamente por Akio Valente Wakiyama. A negociação dos créditos, por sua vez, era realizada pelo advogado Jorge Arturo Mendoza Reque Júnior e os valores desviados eram depositados em contas bancárias de Euda Maria Lacerda. Os três eram sócios na empresa Centro de Tecnologia Avançada (CTA).
“Sem a abertura de processos administrativos de memória de cálculo e com a implantação do filtro, ocorria tranquilamente a liberação da compensação sem previsão legal e, pior ainda, sem qualquer crédito, mesmo que amparado em acordo homologado judicialmente, mas questionável. Com isso, as empresas compradoras dos créditos realizavam transferências bancárias ou entregavam cheques para Euda Maria Lacerda para o pagamento das transações aos integrantes do grupo com o claro objetivo de desviar receitas do Estado do Maranhão, oriundas dos tributos compensados, em proveito próprio ou de terceiros”, afirma, na ação, o promotor de justiça Paulo Roberto Barbosa Ramos.
FILTRO
Contribuía para a prática ilegal a instalação de um filtro no sistema Siat, da Secretaria de Estado da Fazenda, que mascarava as operações, limitando a visualização das transações. Com esse artifício, qualquer usuário que utilizasse o sistema encontraria R$ 12.183.532,48 em compensações realizadas. O valor real era de R$ 232.575.3012,11, muito superior, inclusive, aos pouco mais de R$ 108 milhões em créditos devidos à Camargo Corrêa.
“Portanto, Jorge Arturo Mendoza Reque Júnior negociava créditos inexistentes da empresa Construções e Comércio Camargo Corrêa S/A, uma vez que o filtro mascarava a informação real de que não existia mais créditos a serem compensados”, observa Paulo Roberto Barbosa Ramos.
O promotor de justiça destacou, ainda, que, no período de 14 de abril de 2009 a 31 de dezembro de 2014, os gestores ignoraram os procedimentos administrativos característicos da administração pública ou simplesmente deram sumiço a eles após praticarem atos ilícitos.
REATIVAÇÃO DE PARCELAMENTO
Outra prática que trouxe sérios prejuízos aos cofres do Estado do Maranhão foi a constante reativação de parcelamentos de débitos junto à Receita Estadual. Em apenas um caso, o impacto foi superior a R$ 34 milhões.
Os envolvidos aproveitavam-se e contribuíam para a inércia no aperfeiçoamento dos recursos tecnológicos da secretaria, além da inexistência de uma rotina de controle interno, para reativar parcelamentos de empresas em débito com o Estado. De acordo com a auditoria, o sistema da Sefaz cancelava os parcelamentos com mais de dois meses de atraso, com a consequente inscrição do débito na dívida ativa.
“Após esse cancelamento automático, a única forma de parcelamento é através de intervenção humana na base de dados da Sefaz – Siat. Esse tipo de intervenção não possui amparo legal e constitui flagrante burla ao Fisco Estadual, uma vez que acarretam a suspensão da exigibilidade de créditos tributários e eximem o contribuinte do efetivo pagamento dos valores por eles devidos. Foi justamente isso que fizeram Cláudio José Trinchão Santos e Akio Valente Wakiyama”, explica o autor da ação.
EXCLUSÃO DE AUTOS DE INFRAÇÃO
Além da reativação ilegal de parcelamentos, era prática comum à época dos gestores acionados à frente da Sefaz a exclusão de autos de infração do banco de dados da secretaria. Nesse ponto, é difícil a mensuração do prejuízo ao erário, pois a exclusão dos dados não deixou qualquer menção a valores nas trilhas de auditoria do banco de dados.
É importante notar, no entanto, o crescimento desse tipo de prática. No período de 8 de janeiro de 2010 a 1° de abril de 2014, durante a gestão de Cláudio Trinchão, foram detectadas 43 exclusões de autos de infração. Entre 2 de abril e 31 de dezembro de 2014, gestão de Akio Wakiyama, portanto, esse número cresceu vertiginosamente, alcançando 1.831 exclusões não justificadas.
EMPRESAS
O Ministério Público enfatizou que o esquema foi aperfeiçoado a partir de 15 de outubro de 2013 quando a empresa Auriga Informática e Serviços Ltda. foi formalmente substituída em “um nebuloso processo licitatório” pela empresa Linuxell Informática e Serviços Ltda. Apesar disso, a primeira continuou a prestar os seus serviços, por meio de aditivo contratual, ao mesmo tempo que a outra empresa estava formalmente contratada para o mesmo trabalho.
A Promotoria aponta, ainda, que alguns funcionários da terceirizada Linuxell Informática e Serviços Ltda. eram, ao mesmo tempo, comissionados da Sefaz, demonstrando “a grande ousadia da organização criminosa, respaldada pela convicção de que todos os crimes praticados permaneceriam impunes”, segundo o promotor de justiça.
Além disso, a execução do contrato também apresenta irregularidades como a não utilização de certificados digitais exigidos, colocando em risco o sistema de informação da secretaria, e a realização de pagamentos mensais superiores ao quantitativo de horas máximo previsto no termo de referência, sem que houvesse qualquer controle da Sefaz em relação às horas efetivamente trabalhadas pelos profissionais contratados.
O Ministério Público aponta, na ação, que o valor pago a mais à Linuxell Informática e Serviços Ltda. é de quase R$ 3,6 milhões.
PENALIDADES
Na ação, o Ministério Público pede a condenação de todos os envolvidos por improbidade administrativa, estando sujeitos à perda da função pública eventualmente exercida, suspensão dos direitos políticos por oito anos, pagamento de multa de duas vezes o valor dos danos causados ou 100 vezes a remuneração recebida à época, proibição de contratar ou receber qualquer tipo de benefício do Poder Público, mesmo que por meio de empresa da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos, além do ressarcimento integral dos danos.
No caso de Cláudio José Trinchão Santos, o valor a ser ressarcido é de R$ 180.394.850,97. Para Akio Valente Wakiyama, o Ministério Público cobra o ressarcimento de R$ 181.006.405,31. No caso de Raimundo José Rodrigues do Nascimento o total é de R$ 221.601,86, enquanto de Edimilson Santos Ahid Neto cobra-se a devolução de R$ 303.612.275,55.
De acordo com o pedido do Ministério Público, Jorge Arturo Mendoza Roque Júnior e Euda Maria Lacerda deverão ressarcir, cada um, ao Estado, R$ 245.599.610,97. Da ex-governadora Roseana Sarney Murad foi pedida a condenação ao ressarcimento de R$ 158.174.871,97.
Helena Maria Cavalcanti Haickel e Ricardo Gama Pestana deverão retornar ao erário, individualmente, R$ 153.905.456,57, enquanto Marcos Coutinho Passos Lobo teve apurada a quantia de R$ 42.684.154,40 a ser devolvida aos cofres públicos. Todos os valores deverão ser acrescidos dos devidos juros e correções monetárias.
O Ministério Público do Maranhão requer, ainda, que a Justiça determine à Secretaria de Estado da Fazenda a abertura imediata de um novo processo licitatório para a contratação de empresa para a prestação de serviços de tecnologia da informação, com a posterior rescisão do contrato firmado com a empresa Linuxell Informática e Serviços Ltda. Até lá, a secretaria deverá adotar rigorosas medidas de segurança em relação aos serviços prestados pela empresa.
O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.